Embora quadros do União Brasil tenham sido escolhidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para chefiar ministérios, o deputado federal Rafael Simões (União - MG) diz que a bancada do partido na Câmara dos Deputados vai se pautar pela independência. Simões, aliás, promete votar favoravelmente a propostas enviadas pelo Planalto que considere positivas, mas mostra ter restrições quanto ao número de pastas presentes na Esplanada dos Ministérios: 37.
"Nos assusta muito esse número de ministérios, o inchaço da máquina. Dinheiro não dá em pé de árvore. Tem de ser arrecadado. E a arrecadação vem dos impostos. Hoje, arrecadamos muito e entregamos pouco", diz, em entrevista ao Estado de Minas.
Ao tratar do governo federal, Simões cobra ações da ministra Nísia Trindade, da Saúde. Ex-prefeito de Pouso Alegre, no Sul do estado, ele despontou na cena política local após comandar na cidade o Hospital das Clínicas Samuel Libânio.
"Quero crer que ela vai atuar mais firmemente. Temos de trabalhar rapidamente no socorro às Santas Casas e aos hospitais filantrópicos. Precisamos fazer uma reforma na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), há mais de 20 anos sem atualização", reivindica.
O parlamentar do União Brasil milita, ainda, por revisão do pacto federativo a fim de aumentar a arrecadação das prefeituras. "É muito triste ter de passar o pires em Brasília. Teríamos de ter, nos municípios, maior autonomia, inclusive financeira, para fazer as coisas acontecerem".
A íntegra da entrevista está disponível no canal do Portal Uai no YouTube.
Qual será a principal bandeira de seu mandato?
A principal bandeira sempre foi a saúde. Me lancei candidato a prefeito de Pouso Alegre, em 2016, pelo trabalho que desenvolvi no Hospital das Clínicas Samuel Libânio, nave-mãe da saúde no Sul de Minas. A instituição, uma fundação, passava por momentos muito difíceis. O então governador, Antonio Anastasia, me convidou para assumir. Graças ao trabalho em equipe feito lá, quis o povo de Pouso Alegre que eu fosse prefeito. Desde o início da minha carreira política, em que pese eu seja advogado, o que me deu projeção foi a saúde. É a bandeira que assumi com toda a região do Sul de Minas durante minha campanha para deputado.
Como avalia os primeiros movimentos da ministra Nísia Trindade?
(São) muito tímidos os movimentos dela. Quero crer que ela vai atuar mais firmemente. Temos de trabalhar rapidamente no socorro às Santas Casas e aos hospitais filantrópicos. Precisamos fazer uma reforma na tabela do SUS, que está há mais de 20 anos sem atualização. Precisamos criar um sistema de produtividade, pagando de forma justa pela produção dos hospitais. Por todo lado, há hospitais de grande, médio ou pequeno porte. Temos de ver a demanda de cada um dos hospitais e colocar metas, para que possamos entregar uma saúde de qualidade rápida aos que precisam.
O momento em que a pessoa está mais fragilizada é o da doença. Grande parte da população depende do SUS. É necessária uma reformulação no sistema para que ele mantenha vivas as instituições filantrópicas e as Santas Casas. Quase 50% dos atendimentos hospitalares se dão por meio dessas instituições, mas quase todas elas estão quebradas, pois o que recebem do SUS não é suficiente para cobrir os custos. É muito preocupante.
Aqui em Pouso Alegre, estamos fazendo um novo Samuel Libânio, que será um grande centro oncológico para atender não só a microrregião de Pouso Alegre, pois queremos estender à microrregião de Itajubá. Isso vai aliviar a pressão na resposta de atendimento, mas entendemos que têm de haver novos investimentos.
O União Brasil tem três representantes entre os ministros de Lula. Recentemente, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que o partido do senhor, embora contemplado com cargos no primeiro escalão, não 'está fazendo entrega'. Como recebeu esta declaração?
Recebemos com muita surpresa essa fala, até porque nós, da bancada, não fizemos nenhuma indicação de ministérios ao governo federal. Se houve essas indicações, elas partiram, acredito, do próprio presidente Lula. Se houve alguma tratativa, não foi com a bancada. A bancada se reuniu na semana passada. Discutimos por longo tempo essa questão, até por conta de situações que estão circulando em blogs e reportagens.
Nós, da bancada do União Brasil, a terceira maior da Câmara dos Deputados, definimos pela independência. Não queremos discutir cargos no governo federal. Queremos discutir o Brasil; o que é bom para o país. Há pessoas no União Brasil que defendem o governo Lula; outras, que são de direita e contra. Mas chegamos a um consenso de bancada: vamos votar de forma independente, avaliando cada um dos projetos que chegarem à Casa. Eu, particularmente, vou votar favoravelmente àquilo que for bom para a população; o que for ruim, vou votar contrariamente.
Nosso líder de bancada, Elmar (Nascimento, da Bahia), deixou todos muito tranquilos. A única coisa que ele pediu foi para que, antes da votação, a gente dê uma posição sobre nosso voto. Mas não há nenhuma imposição aos deputados do União para que estejamos caminhando fielmente ao lado do governo federal. Torço para que o governo dê certo, pois estamos todos em um mesmo barco. Mas não há nenhuma mercantilização da nossa bancada em relação ao governo federal. Sou avesso a essa questão de cargos. Isso é uma política retrógrada.
O senhor disse que a bancada resolveu atuar de forma independente. Então, as declarações de Gleisi não afetam em nada a postura da bancada do União Brasil na Câmara?
Não afeta em nada. Alguns colegas ficaram meio sentidos com a colocação dela, de usar 'freio de arrumação'. Para nós, caipiras, isso serve para ajeitar bois dentro de um caminhão. Não é nosso caso. Somos preparados, sabemos o que estão fazendo lá (no Congresso). O que vier de projeto bom do governo federal, será votado. O que não for bom, votaremos contra. Está tranquilo, sem estresse.
Temos discutido muito a fala do presidente da República sobre a independência do Banco Central. Não devemos retroagir. A independência do Banco Central é fundamental. A maioria da bancada é contra os empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao exterior. Primeiro, os investimentos devem ser feitos aqui. Temos tantas carências: as estradas, não só de Minas, mas do Brasil, precisam de atuação rápida do governo federal em ajuda aos estados. Não há razão nenhuma de tirarmos o dinheiro daqui para investir em outros países.
O senador Sergio Moro foi tema de uma declaração recente do presidente do partido, Luciano Bivar. Ele disse que o ex-juiz poderia deixar o União Brasil se sentisse algum tipo de incômodo. O senhor teme saídas do partido por causa da posição do União de ter cargos no governo?
Acho que está superado. Na reunião de bancada, a esposa de Moro (Rosângela), deputada federal pelo União Brasil, apresentou a posição dele. Está superado. O mandato é do povo. Estamos ali para cumprir o que nos foi dado nas urnas. Moro tem a posição dele, à direita, como eu tenho, mas é um homem extremamente preparado. O que vier do governo federal de bom, ele vai votar favoravelmente.
Oposição por oposição não vai existir, pelo menos da minha parte - e acredito que também da parte de Moro. Vamos estar lá vigilantes, para que as coisas aconteçam dentro da normalidade.
O que nos assusta muito é esse número de ministérios, o inchaço da máquina. Dinheiro não dá em pé de árvore. Tem de ser arrecadado. E a arrecadação vem dos impostos. Hoje, arrecadamos muito e entregamos pouco. Temos de mudar a sistemática, parar de fazer essa política de troca. A política tem de ser, de fato, entrega de realizações à população.
O União Brasil está na base de apoio a Zema. Como os deputados federais do partido podem ajudar o governo mineiro a fazer pontes junto ao governo Lula?
Houve um primeiro momento difícil, em que o governador se posicionou fortemente contra a esquerda. O pessoal do governo diz que não, mas acredito que as relações estremeceram. Cabe a nós, agora, mostrarmos ao presidente Lula a importância que Minas Gerais tem no contexto socioeconômico do Brasil e que eles precisam deixar essa questão de lado. Estaremos lá para levar as demandas de Minas ao governo federal e buscar soluções.
Se existe algo que precisamos mudar no país é o pacto federativo. Somos três irmãos: um extremamente rico, um remediado e um pobre. O rico é a União; o remediado são os estados; os pobres, os municípios. As pessoas moram nos municípios. Não há lógica em todo o imposto ser arrecadado nos municípios e a maior parte ir para a União a fim de ser redistribuída. Como ex-prefeito, digo: é muito triste ter de passar o pires em Brasília. Teríamos de ter, nos municípios, maior autonomia, inclusive financeira, para fazer as coisas acontecerem.
O senhor se considera um deputado municipalista, então?
Como ex-prefeito, não poderia ser diferente. As âncoras são os prefeitos e os vereadores. Eles são demandados. Muitas dessas demandas só podem ser resolvidas pelo governo federal. Se tivéssemos uma inversão no pacto federativo, com a maior parte dos recursos ficando nos municípios de arrecadação, talvez déssemos uma nova cara ao Brasil. Mas, a cada momento, os municípios têm perdido arrecadação. Isso obriga prefeitos e vereadores a, toda hora, estarem em Brasília e nas capitais dos estados com o pires na mão pedindo dinheiro para fazer coisas básicas nas cidades. Isso me incomoda profundamente.
O senhor é produtor rural. Neste momento, que medida poderia ser tomada pelo governo federal para impulsionar o trabalho dos produtores rurais?
O Plano Safra está aí. Vamos começar os plantios e ter segurança de que vai haver recursos necessários para que os pequenos e médios produtores possam buscar, nos bancos, o dinheiro necessário para iniciar as plantações. Faço parte da Frente Parlamentar da Agropecuária e estamos discutindo o esvaziamento que o governo atual deu ao Ministério da Agricultura. É preocupante. Diversos departamentos foram retirados do ministério, e esses departamentos são sistêmicos - deveriam continuar lá para dar segurança ao produtor.
Sem qualquer menosprezo a outras profissões, para mim, uma das profissões mais importantes na face da Terra é o produtor rural. Dependemos dele todos os dias. (Sobre) qualquer outro profissional, não há essa alta dependência. Nossa sustentabilidade alimentar depende do produtor rural.