"Não podemos permitir que a integridade de nossas democracias seja afetada por decisões de alguns poucos atores que controlam as plataformas digitais", diz a carta endereçada à diretora-geral Audrey Azoulay e lida pelo secretário de Políticas Digitais da Secom, João Brant, nesta quarta (22) durante a conferência global "Internet for Trust", em Paris.
Leia Mais
Assembleia Legislativa retorna com a pauta cheia nas comissõesChuvas em SP: quem é o prefeito bolsonarista que Lula amparouDeputado quer quebrar sigilo de ex-chefe de setor da PM do DF em CPI de atos antidemocráticosDino determina à PF que abra inquérito para investigar caso MarielleGoverno Lula cria grupo com Felipe Neto para combater ódio e extremismoDeputada Carla Zambelli assina site pornográfico, dizem hackersA conferência da Unesco tem debatido diretrizes globais para regulação da internet. A carta de Lula foi lida em meio à discussão no governo brasileiro para a adoção de legislação que obrigue as redes sociais a remover conteúdo que viole a Lei do Estado democrático de Direito, que enfrenta vários obstáculos.
Após oposição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o governo recuou da intenção de elaborar uma medida provisória que impunha às plataformas o "dever de cuidado" de impedir que se dissemine conteúdo que viole a lei —ou seja, que peça a abolição do Estado de Direito, encoraje a violência para deposição do governo ou incite animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes.
Agora, a ideia é incorporar as medidas no PL (projeto de lei) 2630, conhecido como PL das fake news, mas há dúvidas sobre a viabilidade do texto. De relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), o projeto tramita há três anos. Foi aprovado no Senado, mas empacou na Câmara diante de pontos controversos.
Um deles é a previsão de estender a imunidade parlamentar para as plataformas de internet. O ponto é prioridade para Lira, mas enfrenta resistência em alas do governo e da sociedade civil, onde é visto como liberdade para políticos desinformarem impunemente.
Outra barreira é o fato de o PL não prever a responsabilização das plataformas de internet que não agirem contra conteúdo que viole a lei. Hoje, pelo Marco Civil da Internet, essas plataformas só podem ser responsabilizadas se não removerem conteúdo após ordem judicial. O governo defende uma flexibilização do Marco Civil para que haja responsabilização para as empresas que não agirem de forma diligente.
Para uma ala do governo, caso o PL não incorpore a responsabilização por conteúdo ilegal que era prevista na proposta de MP, será uma regulação inócua, pois manterá a imunidade das plataformas.
Mas parte da sociedade civil e do Congresso acredita que a responsabilização levaria as empresas a se autocensurarem e acabarem removendo conteúdos legítimos para evitar sanções.
O governo também se opõe à previsão de autorregulação, usando como argumento a demora das plataformas para agir sobre conteúdos que feriam suas próprias regras de uso durante a campanha eleitoral. Tampouco há consenso sobre o formato e a necessidade de criar um órgão regulatório que iria determinar se as plataformas cumpriram seu dever de cuidado e, caso contrário, deveriam ser multadas.
Outro ponto sensível é a medida do PL que estabelece financiamento do jornalismo e negociação entre veículos de imprensa e plataformas de internet para pagamento de conteúdo. Empresas de comunicação como a rede Globo são firmes defensoras da medida, enquanto as plataformas se opõem fortemente.
As diretrizes em discussão na Unesco enfatizam a necessidade de "lidar com conteúdo que é ilegal e representa ameaça à democracia e aos direitos humanos", ao contrário da versão atual do PL, enquanto "garante a liberdade de expressão e o acesso à informação".
As regras em debate estabelecem que as plataformas deveriam analisar sistematicamente conteúdo que represente ameaça à democracia e adotar etiquetas indicando potenciais problemas, além de não fazer amplificação algorítmica nem monetização desses conteúdos.
Ao mesmo tempo, as diretrizes da Unesco são contra a imposição de uma obrigação de monitoramento de conteúdo das plataformas digitais que leve a medidas proativas em relação a postagens e conteúdo ilegal –posição defendida pelo Ministério da Justiça.
"As plataformas digitais não deveriam ser responsabilizadas se elas agirem de boa-fé e com diligência, conduzirem investigações e outras medidas para detectar, identificar e remover conteúdo ilegal."
A proposta do MJ, que seria incorporada ao PL das fake news, prevê responsabilização e remoção proativa de conteúdos pelas plataformas. No entanto, estabelece que as empresas não seriam responsabilizadas por determinadas postagens em violação. Elas só seriam multadas se houvesse descumprimento generalizado do "dever de cuidado".
Na carta à Unesco, Lula afirma que a campanha de desinformação que culminou nos ataques contra as sedes dos três Poderes em 8 de janeiro foram "alimentadas, organizadas e disseminadas através de diversas plataformas digitais e aplicativos de mensagens". " usou o mesmo método utilizado em outras partes do mundo para gerar atos de violência. Isso precisa parar."