Jornal Estado de Minas

CONGRESSO NACIONAL

Verba indicada por líder de Bolsonaro beneficiou laranjas de suspeito de corrupção

O senador Eduardo Gomes (PL-TO), que foi líder do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) no Congresso, destinou verbas a obras para fora do estado que representa e que acabaram irrigando duas empreiteiras de supostos laranjas de Eduardo José Barros Costa, empresário suspeito da prática de corrupção na estatal Codevasf.





O direcionamento de dinheiro público fora do padrão parlamentar ocorreu no primeiro ano da gestão Bolsonaro, em 2019, quando o senador do Tocantins foi o responsável por indicar o envio de R$ 30 milhões do MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional) para obras de asfaltamento da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) no Maranhão, que não é o estado que o elegeu.

Segundo levantamento da Folha, pelo menos R$ 5 milhões desse valor favoreceram a empreiteira Tempstar, que no papel tem como dono um alvo da Polícia Federal apontado como laranja de Eduardo Costa.

Outros R$ 10 milhões que o líder do governo anterior orientou para seu berço eleitoral, o Tocantins, abasteceram contratos da Construservice, que também foi alvo da PF em julho.

A Construservice ainda fez repasses a uma locadora de carros prestadora de serviços ao senador.





No Maranhão, um dos contratos irrigados por Gomes contou ainda com o endereçamento de valores pelo deputado federal Josimar Maranhãozinho (MA), que é investigado no STF (Supremo Tribunal Federal) pela suposta participação em esquemas de desvios de recursos de emendas parlamentares.

A obra beneficiada com a destinação de recursos pelos dois congressistas fica no município de Zé Doca (MA), que é governado pela irmã de Maranhãozinho, Josinha Cunha.

A empresa vencedora da licitação de pavimentação na localidade é a Tempstar Construções e Serviços, que formalmente tem como sócio-administrador Alexjan Pereira Lima.

Essa firma sediada em São Luís (MA) ganhou uma licitação e obteve um contrato de cerca de R$ 5 milhões, que foi canalizado pela estatal por meio de um convênio assinado com a administração da irmã de Maranhãozinho.





Para a Polícia Federal, o dono da empreiteira no papel é um dos laranjas de Eduardo Costa. Endereços ligados a Lima e Costa foram alvos da PF em razão dessas suspeitas em 20 de julho, quando foi deflagrada a Operação Odoacro. Nesse dia, Costa chegou a ser preso, mas depois foi libertado pela Justiça.

Na operação, os policiais federais apreenderam cerca de R$ 1,3 milhão em dinheiro, além de itens luxuosos, como relógios importados.

A representação da PF à Justiça não chegou a citar especificamente a empreiteira Tempstar, mas a Folha identificou a vencedora da obra em Zé Doca ao levantar informações sobre contratos assinados por supostos laranjas ligados ao investigado.

Uma outra empresa cujo controle é atribuído à Costa, que está no centro da investigação da PF, também teve contratos abastecidos com emenda do líder do governo anterior. É a empreiteira maranhense Construservice, que tem sede em Codó (a 300 km de São Luís).





A Folha mostrou no ano passado que a empresa é vice-líder em licitações na Codevasf e se valeu de laranjas para participar de concorrências públicas na gestão de Bolsonaro.

Antes de ser alvo da PF em julho, apurações da Polícia Civil e do Ministério Público do Maranhão realizadas em meados da década passada já indicavam Costa como dono de fato da Construservice.

Todos os contratos da empreiteira com a administração federal foram firmados após 2019, ou seja, no governo Bolsonaro.

A partir de 2020, obras de pavimentação no Tocantins obtidas pela Construservice contaram com pelo menos R$ 10 milhões provenientes de emenda parlamentar por indicação do senador Eduardo Gomes, na modalidade emenda de comissão, no caso a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado.

Uma locadora de veículos de Brasília Também foi citada na investigação da PF por ter recebido ao menos R$ 200 mil da Construservice.

Registrada com o nome BG Rental, esta mesma locadora prestou serviços ao senador Eduardo Gomes, e à campanha do parlamentar.





A empresa recebeu R$ 57 mil de fevereiro a maio de 2019 do gabinete do parlamentar, além de R$ 50 mil durante a campanha de Gomes ao Senado em 2018.

Além dos serviços prestados, a locadora tem outras ligações com o gabinete de Eduardo Gomes.

O dono da empresa é Breno Godinho. Ele foi sócio de um ex-assessor de Gomes, chamado Lizoel Bezerra, na Única Movelaria, empresa de móveis que estava registrada no mesmo endereço da BG Rental, mas teve o CNPJ baixado em agosto.

Lizoel Bezerra é ex-secretário parlamentar de Eduardo Gomes. Segundo registros do Senado, depois de atuar com o congressista, Bezerra ainda apareceu ao menos até 2021 como "credenciado" pelo gabinete de Gomes no Senado.





Relatórios do Coaf analisados pela PF no caso que envolve a estatal apontaram os pagamentos da Construservice para a BG. Estes repasses foram entre setembro de 2018 e o mesmo mês do ano seguinte.

O maior dos contratos da Construservice financiado com recursos direcionados por Eduardo Gomes foi para obras no município de Araguatins (a 620 km de Palmas), na região norte do estado conhecida como Bico do Papagaio, no valor de R$ 4,8 milhões.

Em abril do ano passado, a reportagem da Folha de S.Paulo foi até essa região e constatou obras precárias da empreiteira na região.

No município de Sítio Novo do Tocantins (627 km de Palmas), onde o valor do contrato é de R$ 1,4 milhão, os moradores do povoado de Macaúba reclamavam que a obra na via de acesso à localidade estava paralisada há mais de um mês, deixando grandes espaços entre os trechos já executados.

Após a publicação da reportagem, as obras foram retomadas, segundo os moradores da região.

A assessoria de Eduardo Gomes disse que o senador liberou recursos via Codevasf para ao menos seis estados em 2019, ano em que foi relator setorial do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Regional. Afirmou ainda que ele não tem "nada a dizer sobre fatos que envolvam terceiros".

Procurado, Breno Godinho não se manifestou sobre os questionamentos da reportagem. A Folha de S.Paulo não conseguiu contato com Lizoel Bezerra.