O ex-ministro da Saúde e então general da ativa Eduardo Pazuello afirmou na defesa que apresentou em processo disciplinar por ter participado de um ato político ao lado de Jair Bolsonaro (PL) que avisou na véspera ao então comandante do Exército, Paulo Sergio Nogueira, que iria ao ato.
Além disso, disse que, na ocasião, só discursou brevemente porque foi surpreendido pelo presidente, que lhe passou o microfone.
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Pazuello participou de um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro em maio de 2021, quando subiu em um palanque ao lado do presidente após um passeio de moto com apoiadores no Rio de Janeiro.
Na ocasião, Bolsonaro atacou as medidas de prevenção à Covid e, ao lado do general, afirmou: "Meu Exército jamais irá às ruas para manter vocês dentro de casa".
"Relembro-vos que o informei por telefone no sábado que iria ao passeio no domingo, a convite do presidente. Os laços de respeito e camaradagem entre mim e o presidente da República, a meu ver, justificam o convite para o passeio", escreveu Pazuello na defesa aceita por Paulo Sergio.
O Exército abriu um procedimento disciplinar contra o então general da ativa, mas decidiu não aplicar nenhuma punição.
A Folha de S.Paulo ingressou no dia seguinte à decisão do Exército com pedido de Lei de Acesso à Informação para obtenção de cópia dos documentos.
Pazuello
A decisão de livrar Pazuello foi tomada pelo então comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que cedeu à pressão do presidente para que o aliado não fosse punido. Paulo Sergio virou, depois, ministro da Defesa de Bolsonaro.
O pedido de Lei de Acesso foi negado pelo Exército. Em recurso à CGU, penúltima instância de apelação administrativa, o órgão determinou que fossem fornecidos apenas os extratos do procedimento administrativo que livrou o general da punição.
Com o término do governo Bolsonaro, que não conseguiu se reeleger, a controladoria refez sua posição e determinou ao Exército a liberação de todos os documentos, com tarja apenas em dados privados.
"Conferir publicidade aos documentos que motivam uma decisão, além de atender aos princípios da publicidade e da transparência, atende ao princípio da motivação dos atos públicos, isto porque, é dever da Administração Pública expor os pressupostos de fato e de direito que determinaram a decisão administrativa, do contrário, esta seria desprovida de fundamentação", diz parte da fundamentação à nova decisão da CGU.
O argumento principal da negativa durante a gestão Bolsonaro era a de que a divulgação dos documentos representa risco aos princípios da hierarquia e da disciplina no Exército.
Na argumentação inicial do Exército para negar acesso ao procedimento, destacou-se que "a divulgação de processo administrativo disciplinar afeta a imagem do superior hierárquico com reflexos na liderança e menoscabo dos preceitos hierárquicos e disciplinares, imprescindíveis à sobrevivência das Forças Armadas".
A vedação de participação em atos políticos, existente para militares da ativa, está prevista no regulamento disciplinar do Exército, vigente por decreto desde 2002, e no Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980.
Pazuello foi ministro da Saúde de setembro de 2020 a março de 2021 e encampou, em sua gestão, várias das posições negacionistas bancadas pelo chefe no combate à pandemia.
Ele deixou a pasta suspeito de crimes, investigado pela Polícia Federal e com o país batendo recorde de mortes pela doença.
Após ir para a reserva, ele se candidatou a deputado federal pelo Rio, sendo o segundo mais votado no estado, com mais de 205 mil votos.
A transgressão disciplinar, levando em conta o que está previsto em lei e o que avaliavam integrantes do Alto Comando, teria ocorrido da seguinte forma:
O regulamento disciplinar do Exército, instituído por decreto em 2002, se aplica a militares da ativa, da reserva e a reformados (aposentados). Um anexo lista 113 transgressões possíveis.
A transgressão de número 57 é a que mais compromete Pazuello: "Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária." Não há informação, até o momento, de que Pazuello tivesse autorização de seus superiores no Exército para a manifestação política a favor de Bolsonaro.
Outras transgressões listadas são "faltar à verdade ou omitir deliberadamente informações que possam conduzir à apuração de uma transgressão disciplinar"; "portar-se de maneira inconveniente ou sem compostura"; e "frequentar lugares incompatíveis com o decoro da sociedade ou da classe".
Exército
O comandante do Exército, a quem cabe aplicar a punição, pode cometer uma transgressão disciplinar se deixar de punir o subordinado transgressor, segundo o mesmo regulamento.
O propósito do regramento, conforme a lei, é preservar a disciplina militar. Existe disciplina quando há "acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições";
Para julgar uma transgressão, são levados em conta aspectos como a pessoa do transgressor, a causa, a natureza dos fatos e as consequências. Se houver interesse do sossego público, legítima defesa, ignorância ou atendimento a ordem superior, a transgressão pode ser desconsiderada, o que não parece se enquadrar no caso de Pazuello.
O acusado tem direito a defesa, manifestada por escrito. O bom comportamento é um atenuante. As punições vão de advertência e repreensão a prisão e exclusão dos quadros, "a bem da disciplina".
O caso de Pazuello pode se enquadrar ainda no Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980. O artigo 45 diz que "são proibidas quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político"
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