Duas ONGs que atuam no combate ao racismo, a Educafro e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos, vão propor uma ação civil pública contra o vereador Sandro Fantinel (Patriota). Ao discursar na tribuna da Câmara de Caxias do Sul (RS), o vereador afirmou que empresas e produtores rurais deveriam contratar funcionários "limpos", como argentinos, para a colheita da uva.
O parlamentar afirmou que as empresas não deveriam contratar "aquela gente lá de cima", em referência a trabalhadores da Bahia resgatados na quarta-feira (22) em situação análoga à de escravidão.
Disse ainda que os baianos têm como única cultura viver na praia, tocando tambor. "Então, deixem de lado aquele povo, que é acostumado com Carnaval e festa, para vocês não se incomodarem novamente", discursou.
A proposta de ação civil deve ser protocolada na Justiça nesta quarta-feira (1º) e vai buscar reparação de dano moral coletivo. A fala dele foi considerada racista pelas duas ONGs e ofensiva contra os baianos resgatados em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves (RS).
"O vereador expressou sentimentos discriminatórios tentando justificar a submissão de nordestinos negros a situações aviltantes no ambiente de trabalho, mostrando que a lógica que embasou a escravidão ainda permanece viva entre pessoas que ocupam o poder no Brasil", disse o advogado Marlon Reis, da Educafro.
A ação civil pública pedirá a condenação do vereador a pagar indenização por danos morais, em valor ainda não definido pelas entidades. As ONGs também vão pedir à Justiça que condene o parlamentar a obrigações como frequentar aulas de igualdade e combate à discriminação.
Segundo o Ministério Público do Trabalho, mais de 200 homens com idades entre 18 e 57 anos foram resgatados na quarta-feira (22) após terem sido enganados pela promessa de emprego temporário, salário de R$ 4.000, alojamento e refeições pagas. Na noite de sexta-feira (24), 194 deles foram embarcados em ônibus com destino à Bahia.
Eles trabalhavam para duas empresas que eram contratadas pelas vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton, importantes produtoras da região. As três dizem que não tinham conhecimento da situação relatada pelos trabalhadores.
POSIÇÃO DO VEREADOR
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Fantinel alegou que "falou demais" e que voltará à tribuna nesta quarta-feira para pedir desculpas.
"Eu toquei no nome dos baianos porque o processo que está correndo em Bento Gonçalves foi com os baianos. Porque se tivesse sido com os mineiros, eu teria falado sobre mineiros. Se tivesse sido com os cariocas, eu teria falado dos cariocas. Não tenho nada contra os baianos, pelo contrário. Estive nas praias de lá, é maravilhoso", argumentou.
O vereador disse ainda que sua intenção era alertar para possíveis fraudes, no caso de trabalhadores alegarem más condições de trabalho "apenas para receber uma indenização". "Não é o caso de Bento Gonçalves, ali estava exagerado."
O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), se manifestou sobre o episódio dizendo que o vereador gaúcho foi xenofóbico e racista com baianas e baianos.
"Eu repudio veementemente a apologia à escravidão e não permitirei que tratem nenhum nordestino ou baiano com preconceito ou rancor", escreveu em uma rede social. Ele determinou a adoção de medidas cabíveis para que o vereador seja responsabilizado.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), também falou sobre o assunto nas redes sociais. "O discurso xenófobo e nojento de vereador de Caxias contra o Nordeste não representa o povo do Rio Grande do Sul. Não admitiremos esse ódio, intolerância e desrespeito na política e na sociedade".
Segundo Leite, as autoridades da Bahia serão convidadas a visitar o Rio Grande do Sul e acompanhar as medidas adotadas no estado contra o preconceito.