O governo federal vai entrar nas investigações sobre a tentativa, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, de que um conjunto de joias presenteado pelo governo da Arábia Saudita — avaliado em aproximadamente R$ 16,5 milhões — entrasse irregularmente no país. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou, via rede social, que a Polícia Federal será acionada amanhã para apurar possíveis cometimentos de crimes.
"Fatos relativos a joias, que podem configurar os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro, entre outros possíveis delitos, serão levados ao conhecimento oficial da Polícia Federal para providências legais. Ofício seguirá na segunda-feira", destacou.
Além de Dino, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, cobrou apuração para o caso e caracterizou como "repugnante" a tentativa feita por Bolsonaro de recuperar as joias.
"Não sei para quem eram as joias. A apuração vai dizer. Mas, independentemente disso, é absolutamente repugnante qualquer atitude de um chefe de Estado, de qualquer servidor público, utilizar do seu poder pra cometer um ato de ilegalidade como esse", disse, depois de um evento do consórcio de governadores do Sul e Sudeste, no Rio de Janeiro.
Padilha classificou a tentativa de entrar com o conjunto de joias como "contrabando" e disse que um prêmio deveria ser dado aos fiscais que impediram a ilegalidade. "Se fosse dar uma joia, deveria ser para esse fiscal, todos os fiscais da Receita que impediram esse contrabando ilegal de trazer aquilo que foi recebido por uma comitiva presidencial", salientou.
Também por meio das redes sociais, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, parabenizou os servidores da Receita — ao qual está subordinada — pelo Dia Nacional de Combate ao Contrabando, comemorado em 3 de março, mas não citou diretamente o caso das joias. Ele destacou a "fiel aplicação da lei no cumprimento da missão institucional", destacando "em especial os que atuam diretamente no controle aduaneiro" — numa referência velada ao presente dos sauditas.
Mas as ações para investigar a suspeita de contrabando não se restringirão ao Executivo. A deputada federal Erika Hilton (PSol-SP) pediu que o Ministério Público Federal (MPF) apure o episódio, pois, segundo a parlamentar, há indícios do crime de corrupção passiva. A representação foi enviada à Procuradoria da República em São Paulo.
Bem pessoal
Para o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Mauro Silva, os fatos relacionados ao transporte ilegal de joias realizado pela cúpula do governo Bolsonaro não deixam dúvida de que se tratava de um presente pessoal, destinado a Michelle Bolsonaro e ao ex-presidente.
"A alegação de que seria um presente para o governo brasileiro não faz sentido nenhum. Ninguém mandaria um presente desses para a Presidência do Brasil na mochila do assessor de um ministro", disse.
Mauro lembra que há os caminhos diplomáticos para que isso seja feito e que, justamente por se tratar de um presente de alto valor, qualquer país faz questão de seguir o protocolo oficial. "Quando é enviado um presente ao governo, é valorizado todo o protocolo, a cerimônia que esses processos possuem. Essa é a essência dessas questões diplomáticas", explicou.
Bolsonaro se esquiva: nada pediu
O ex-presidente Jair Bolsonaro negou, ontem, que o colar, o anel, o relógio e o par de brincos presentados pelo governo da Arábia Saudita foram trazidos ao Brasil de forma ilegal. Ele também negou que as joias seriam para fins pessoais dele e da ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
"Estou sendo acusado por um presente que não pedi, nem recebi. Não existe qualquer ilegalidade da minha parte. Nunca pratiquei ilegalidade. Veja o meu cartão corporativo pessoal. Nunca saquei, nem paguei nenhum centavo nesse cartão", esquivou-se, em entrevista à CNN. Entretanto, o ex-presidente, por meio de auxiliares, tentou em várias oportunidades reaver o conjunto de joias (veja quadro ao lado).
Apesar das indicações de que o presente dos sauditas entraria irregularmente no Brasil, Bolsonaro estava mais interessado em tratar da participação que fez na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), em Washington. No discurso, assegurou que sua "missão como presidente ainda não acabou".
"Agradeço a Deus pela minha segunda vida e também pela missão de ser presidente por um mandato. Mas sinto, lá no fundo, que essa missão ainda não acabou", observou.
Bolsonaro criticou, indiretamente, a ex-presidente Dilma Rousseff, quando afirmou ter se candidatado à Presidência após ver uma "comunista" reeleita. Afirmou "não ter obrigado ninguém a tomar vacina" porque, segundo ele, enquanto uns recorrem à ciência, ele defende a liberdade.
"Sempre defendi a liberdade, não obriguei ninguém a tomar vacina no Brasil. Tem certos assuntos no país que são proibidos de serem tratados. Um é a vacina. É o tempo todo: 'É a ciência, é a ciência, é a ciência'. Eu digo: 'É liberdade, liberdade, liberdade'", justificou-se.
Não poderia faltar uma alfinetada no presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que autorizou dois navios de guerra iranianos a atracarem no Rio de Janeiro. Segundo Bolsonaro, se "fosse presidente, não teríamos problema com navios iranianos" — insinuando que não permitiria que entrassem nas águas brasileiras.
Seguindo o roteiro de questionar a derrota eleitoral de outubro passado, disse: "Tive muito mais apoio em 2022 do que em 2018. Não sei por que os números mostraram o contrário", sugeriu. Ele também comentou a revogação do decreto que liberava a compra de armas e munição. "A primeira medida desse novo velho governo foi revogar os meus decretos. Sempre disse no Brasil: povo armado jamais será escravizado e país armado jamais será subjugado".
Bolsonaro também jactou-se de ter sido o último a reconhecer a derrota de Donald Trump para Joe Biden, nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. "Fui o último presidente a reconhecer as eleições há dois anos aqui nos EUA. Continuo fiel aos nosso princípios, ao nosso lema; 'Deus, pátria, família e liberdade'", garantiu. (IS)