Marcelo Rocha
Brasília – A Polícia Federal abriu inquérito, ontem, para investigar a tentativa da comitiva do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro de entrar ilegalmente no país com joias avaliadas em R$ 16,5 milhões, presenteadas pelo governo da Arábia Saudita, em 21 de outubro de 2021. Já a Receita Federal vai apurar as circunstâncias da entrada de uma segunda remessa, que também estava na comitiva, mas passou despercebida. As joias deveriam ter gerado imposto de importação se não fossem integradas ao patrimônio da Presidência da República. O inquérito na PF foi determinado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, ao diretor-geral Andrei Rodrigues. No ofício, o ministro diz que, conforme reportagens veiculadas na imprensa, se deu “o ingresso de joias de elevado valor em território nacional, transportadas pelo ex-ministro de Estado e um dos seus assessores, sem os procedimentos legais.”
O documento determina apuração de possíveis crimes no caso. “Os fatos, da forma como se apresentam, podem configurar crimes contra a administração pública tipificados no Código Penal, entre outros. No caso, havendo lesões a serviços e interesses da União, assim como a vista da repercussão internacional do itinerário em tese criminoso, impõe-se a atuação investigativa da Polícia Federal”, diz o ofício.
O pacote investigado pela Receita não foi interceptado pelos auditores fiscais no aeroporto de Guarulhos (SP) e, como mostrou recibo oficial, foi entregue à Presidência da República em novembro passado para compor o arquivo pessoal do ex-presidente Bolsonaro. Em nota divulgada ontem, a Receita afirmou que “tomará as providências cabíveis no âmbito de suas competências para esclarecimento e cumprimento da legislação aduaneira, sem prejuízo de análise e esclarecimento a respeito da destinação do bem”.
Um dos pacotes, contendo relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos da marca suíça de diamantes Chopard, e supostamente destinados a Jair Bolsonaro, estava em poder de um outro integrante da comitiva e não foi interceptado pela fiscalização. Já o conjunto de joias e relógio avaliado em R$ 16,5 milhões, que seria para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, foi retido pela Receita no aeroporto de Guarulhos assim que Albuquerque e equipe desembarcaram no Brasil. Estava na bagagem de um dos auxiliares do ex-ministro.
“De acordo com o fato, pode configurar violação da legislação aduaneira também pelo outro viajante, por falta de declaração e recolhimento dos tributos", afirmou a Receita. O órgão afirmou no comunicado que o procedimento de seleção de passageiros leva em consideração critérios de gerenciamento de risco, baseados em um conjunto de informações relativas ao voo, ao passageiro e às características da viagem.
Albuquerque afirmou ter informado aos auditores fiscais ainda no aeroporto de Guarulhos sobre a mala contendo o segundo pacote de joias. Procurado pela reportagem, o ex-assessor especial do MME Antônio Carlos Mello disse que o ministério informou e pediu orientações à Receita e à Presidência tão logo os supostos presentes foram recebidos na pasta. Mello foi, segundo recibo oficial, o responsável pela entrega do estojo de joias à Presidência no último dia 29 de novembro, a praticamente um mês do término do mandato de Bolsonaro. O pacote foi ficou mais de um ano sob a guarda do ministério, segundo o ex-assessor.
No fim de semana, Michelle Bolsonaro usou as redes sociais para ironizar a apreensão das joias. “Quer dizer que eu 'tenho tudo isso' e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo, hein?! Estou rindo da falta de cabimento dessa imprensa vexatória", disse. Já o ex-presidente afirmou que que não tinha conhecimento de joias e outros itens enviados a ele como presente pela ditadura da Arábia Saudita. "Estou sendo acusado de um presente que não pedi, nem recebi. Não existe qualquer ilegalidade da minha parte. Nunca pratiquei ilegalidade. Veja o meu cartão corporativo pessoal. Nunca saquei, nem paguei nenhum centavo nesse cartão", disse ele em entrevista à CNN, no sábado.
Já em conversa com jornalistas na saída da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), nos EUA, ele afirmou: A legislação diz que poderia usar, mas não se desfazer do bem. Agora estou sendo crucificado por um presente que não recebi. Alguns jornais disseram que tentei trazer joias ilegais para o Brasil, não existe isso”.
Albuquerque disse que as joias foram presente de Estado do governo da Arábia Saudita. “Foi um presente dado pelo governo saudita para o governo brasileiro, que foi uma visita oficial, uma visita de Estado, e eu fui representando o presidente Bolsonaro. E isso foi entregue para a comitiva e quando nós chegamos ao Brasil, deu toda a bagagem, foi todo o trâmite regular, e quando a Receita pediu para que abrisse todos as caixas, eu não estava presente. Um dos assessores estava com essa bagagem, e aí se verificou uma caixa que tinha joias", afirmou Albuquerque. (Folhapress e outras agências)
ENTENDA O CASO
21 de outubro de 2021:
A comitiva brasileira chega ao Brasil depois de visita à Arábia Saudita, no Oriente Médio.
A equipe do Ministério de Minas e Energia, comandado por Bento Albuquerque, representou o governo brasileiro na reunião de cúpula "Iniciativa Verde do Oriente Médio", realizada na capital, Riad.
Bento Albuquerque e o assessor Marcos André Soeiro desembarcam com joias (um colar, um par de brincos, um anel e um relógio) que seriam presentes para a primeira-dama Michelle Bolsonaro.
As joias são apreendidas pela Receita Federal, no aeroporto de Guarulhos (SP), na mochila de Marcos André dos Santos Soeiro.
O valor das joias é estimado em R$ 16,5 milhões. O imposto e a multa custariam ao menos R$ 12,375 milhões.
Outro estojo contendo relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário da marca suíça de diamantes Chopard, que seriam destinados ao presidente Jair Bolsonaro, estava em poder de um outro integrante da comitiva e não foi interceptado pela fiscalização.
Para que as joias fossem retiradas, como qualquer objeto com valor superior a US$ 1 mil, seroa necessário o pagamento do imposto de importação, referente a 50% do valor estimado do item, e mais uma multa de 25% por tentar entrar de forma ilegal no Brasil.
Para não pagar imposto, o governo brasileiro teria que dizer que era presente oficial do governo árabe ao Estado brasileiro. Dessa forma, as joias seriam integradas ao patrimônio público e não entregues à primeira-dama.