Jornal Estado de Minas

EXPLORAÇÃO

Projetos de lei e fiscalizações: a ofensiva contra o trabalho escravo em MG

Os mais de 200 homens em condições análogas à escravidão resgatados de um alojamento em Bento Gonçalves (RS), a serviço da produção de vinhos, enfrentaram agruras vividas por outros trabalhadores, espalhados por todas as regiões do Brasil. Em Minas Gerais, por exemplo, mais de 1 mil trabalhadores acabaram salvos de situações de exploração no ano passado.




 
estado liderou a edição do ano passado do ranking de ações da fiscalização. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, 117 operações do tipo foram feitas em cidades mineiras ao longo de 2022 – média de uma a cada três dias.
 
Os números repercutiram nos corredores da Assembleia Legislativa e ao menos dois projetos de lei para combater o trabalho análogo à escravidão já foram apresentados por deputados estaduais.
 
Betão (PT) defende a publicação, em sites ligados ao governo mineiro, de lista com nomes das pessoas físicas e jurídicas autuadas em inspeções ocorridas no estado. Alencar da Silveira Júnior (PDT), por sua vez, quer que empresas condenadas judicialmente por exploração laboral sejam proibidas de fazer negócios com órgãos públicos, receber isenções fiscais e contrair empréstimos no Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).

Cena comum em 2022, a entrada de auditores, procuradores, delegados e policiais em fazendas ou galpões em busca de irregularidades trabalhistas no estado já ganhou continuação neste ano.
 
No domingo, uma operação em Bom Jardim de Minas, cidade da Zona da Mata, resgatou três profissionais, com idades entre 58 e 65 anos, que viviam em condições precárias em uma área de fazenda.




 
Dois deles recebiam cifras abaixo do salário mínimo; outro, sequer era remunerado. A força-tarefa tinha representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Ministério do Trabalho e Emprego, da Defensoria Pública da União e da Polícia Federal.

Presidente da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia de Minas, Betão afirma que o comitê vai priorizar a análise do texto a respeito da “lista suja”.
 
Assim, há expectativa de que a proposta tramite mais rapidamente pelo Parlamento. “Essa iniciativa pode parecer até simples, mas precisa ser garantida por lei, já que vez ou outra essa lista deixa de ser pública ou de fácil acesso o que facilita que empresas abusem e retirem direitos dos seus empregados”, diz o petista, ao Estado de Minas. “Minas Gerais, infelizmente, desponta em casos de precariedade nos ambientes de trabalho”, protesta.





As inúmeras denúncias de trabalho análogo à escravidão no estado fazem o deputado Alencar da Silveira Júnior crer que o projeto a respeito do veto a ajudas estatais às empresas envolvidas nas irregularidades também vai ganhar prioridade na tramitação. Um dos secretários da Mesa Diretora da Assembleia e mais antigo deputado estadual de Minas, o pedetista é voz importante nos bastidores e nas conversas que norteiam a construção das pautas de votação.
 
“A riqueza de um estado como Minas não pode ser construída com base na exploração. Devemos ter compromisso com a dignidade humana. O trabalho dignifica as pessoas e as coloca na sociedade como cidadão”, defende.
 

Estatísticas 

Minas Gerais é o estado que mais identificou trabalhadores em condições análogas à escravidão durante esta década. Os resgates feitos no estado correspondem a 40% do total nacional. De acordo com o procurador do Trabalho Thiago Lopes Castro, coordenador da procuradoria do Trabalho de Patos de Minas, no Alto Paranaíba, as estatísticas mineiras se devem a uma série de fatores. Entre eles, o fato de o estado ter fiscalização mais extensa em comparação a outras unidades da federação.





“Além de ser o segundo estado mais populoso do país, Minas tem muitas atividades do agronegócio e (outras) atividades em que há grande demanda de trabalhadores rurais – e o maior número de trabalhadores resgatados está relacionado às atividades na zona rural”, assinala, citando outro elemento que explica o alto número de fiscalizações.

Para o procurador Thiago Castro, garantir que recursos públicos não financiem atividades de empresas que violam as leis trabalhistas é passo fundamental para coibir a escravidão moderna. “Uma vez suspensos esses empréstimos (estatais), essas empresas não vão poder continuar exercendo suas atividades da mesma forma”, aponta. Segundo ele, a exploração dos profissionais proporciona, também, concorrência desleal.
 
“A partir do momento em que se pratica trabalho análogo à escravidão, está se barateando os custos de produção e mão de obra, prejudicando a competitividade de um setor”, completa.





Procuradora do Trabalho responsável pela operação em Bom Jardim de Minas, Juliane Mombelli é favorável à publicação da “lista suja” do trabalho escravo. “É interessante que a sociedade tenha conhecimento de quem são os responsáveis por essa superexploração”, defende. Segundo ela, além da concorrência desleal, as irregularidades podem gerar problemas como o adoecimento das vítimas. “É um malefício para toda a sociedade. A divulgação da lista suja joga luz àqueles empregadores que se usam dessa terrível prática e acabam sendo privilegiados de alguma forma”, defende.

(foto: Acervo MPT-MG)

Aposta 

Quando constatam irregularidades, os responsáveis pelas ações de inspeção propõem, aos empregadores, a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para garantir que os problemas não voltarão a se repetir.
 
Um dos três empregados da fazenda vistoriada em Bom Jardim de Minas é dono de parte do terreno, mas não houve regularização da transação por causa da morte do antigo patrão.
 
O TAC foi, justamente, o mecanismo utilizado para assegurar a ele tome a posse da porção de terras. Outro termo, assinado no mesmo local, serviu para compilar obrigações de melhorias no ambiente laboral, como o fornecimento de colchões, chuveiro e banheiro em condições minimamente dignas.





“A configuração do trabalho em condições análogas aos escravos é a pior forma de exploração da mão de obra do trabalhador. Quando há essa configuração, é porque as condições são extremamente degradantes e indignas”, pontua Juliane Mombelli.

Em outra fazenda bom-jardinense, os fiscais não constataram condições análogas à escravidão, mas havia problemas estruturais e financeiros. No acordo firmado, o empregador se comprometeu a reformar o alojamento e a quitar salários atrasados.

“Caso o empregador não aceite celebrar o TAC, o Ministério Público do Trabalho necessariamente ajuíza uma ação civil pública pedindo a condenação da empresa a cumprir o ordenamento jurídico trabalhista e, também, ao pagamento de indenização por dano moral coletivo – e danos morais individuais – em favor dos trabalhadores”, explica o procurador Thiago Lopes Castro. Se houver violação do TAC após a assinatura, o empregador está sujeito a multas. Caso as sanções não sejam pagas, uma ação de execução do TAC pode ser ajuizada.




Só mulheres 

Vinte e três profissionais participaram do resgate dos três empregados da fazenda na Zona da Mata mineira. Todas as envolvidas no processo, entre motoristas, policiais federais, procuradoras do trabalho, defensoras públicas e auditoras, eram mulheres. Minas Gerais foi o primeiro estado a sediar uma operação conduzida exclusivamente por trabalhadoras.

Segundo Juliane Mombelli, a inciativa, ligada às comemorações do Dia Internacional da Mulher, serviu para mostrar que as profissionais têm condições de ocupar cargos de fiscalização e investigação. “As mulheres podem trabalhar em plenas condições de igualdade, com resultados bastante satisfatórios e trabalhos muito produtivos, como qualquer equipe mista”.