Jornal Estado de Minas

IMPASSE

Salário dos servidores de Minas gera novo embate entre Zema e oposição

O salário do funcionalismo público mineiro é o fio-condutor do primeiro embate entre o entorno do governador Romeu Zema (Novo) e deputados estaduais de oposição nesta nova legislatura, iniciada há um mês. Nesta terça-feira (7/3), na Assembleia Legislativa, o líder da coalizão antagônica ao governo, Ulysses Gomes (PT), apresentou documentos que, segundo ele, mostram a intenção de Zema de não aumentar os salários do funcionalismo público após a adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF).



O mecanismo é a saída defendida pela equipe econômica de Zema para negociar a dívida de cerca de R$ 150 bilhões contraída por Minas junto à União. O tema, porém, não encontra consenso no Parlamento por causa, justamente, de suas contrapartidas. Há, entre parte dos deputados, temores por prejuízos aos serviços públicos.

Em novembro do ano passado, técnicos da Secretaria de Estado de Fazenda enviaram, ao antigo Ministério da Economia, uma série de notas técnicas tratando dos impactos, nas contas de Minas Gerais, da adesão ao RRF. Em um dos documentos, há projeção das despesas com pessoal e encargos. A estimativa não prevê reajustes nos vencimentos mensais e utiliza a metodologia de "crescimento vegetativo", que aumenta a folha de pagamento anualmente por causa de benefícios de carreira dado a servidores, como quinquênios e promoções. E, enquanto a oposição usa o material para criticar os contornos do ajuste fiscal, representantes do grupo pró-Zema afirmam que não há a intenção de evitar aumentos salariais.

"Os documentos são prova cabal de que, infelizmente, na perspectiva de assinatura de um regime como esse, o estado, nos próximos dez anos, não promoverá nenhum tipo de reajuste ou recomposição salarial - nem mesmo as inflacionárias. E não haverá concursos", diz Ulysses ao Estado de Minas.



Inicialmente, para aderir ao ajuste de contas, Zema precisaria do aval da Assembleia. Temores sobre prejuízos ao funcionalismo fizeram o tema não encontrar consenso no Legislativo. Temendo perder as liminares que suspendem o pagamento do passivo bilionário contraído junto à União, o governo Zema acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) e conseguiu decisões que possibilitam o ingresso do estado na Recuperação Fiscal mesmo ante ao impasse Legislativo.

Os debates sobre os termos do refinanciamento da dívida, porém, não avançaram nos últimos meses, marcados pela saída do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e pelo início da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). E, apesar das vitórias no Supremo, o núcleo político do governo Zema continua defendendo a necessidade de obter autorização dos deputados para renegociar a dívida.

A mudança de governo federal é, justamente, o fato que faz o líder do governo Zema na Assembleia, Gustavo Valadares (PMN), refutar a possibilidade de prejuízos aos salários dos funcionários públicos estaduais. Segundo ele, o modelo do acordo que vai nortear o novo parcelamento da dívida não está fechado. O aliado de Zema afirmou que, se houver consenso entre estado e União, será possível aderir à Recuperação Fiscal com cláusulas que garantam, por exemplo, a continuidade dos concursos públicos.



"Não há nada sacramentado. Não há essa história de que o governo do estado, em sua proposta, não planeja dar recomposição inflacionária aos servidores. O governo do estado está aguardando um posicionamento oficial do governo Lula para retomar as conversas", sustenta.

Governo Bolsonaro questionou projeção feita por MG

A nota técnica enviada pelo governo Zema ao Ministério da Economia teve pontos questionados por integrantes da equipe de Paulo Guedes, chefe da pasta sob Bolsonaro. Ainda em novembro, poucos dias após o envio dos cálculos, a Secretaria do Tesouro Nacional enviou uma resposta ao Palácio Tiradentes.

No ofício, há apontamentos a respeito das estimativas feitas pela Fazenda mineira. No calhamaço, o governo federal, inclusive, chamou de "premissa improvável" a projeção que não considera as recomposições salariais e propôs uma alternativa.



"Um valor substancial de despesas com investimentos previstos para cumprimento dos gastos mínimos com saúde e educação poderia ser revertido em reajustes salariais para essas categorias, de forma a compor um cenário mais realista de crescimento da folha de pagamento. Há que se ter em mente ainda a obrigatoriedade de cumprimento do piso salarial do magistério", lê-se em trecho do documento, assinado por Paulo Fontoura Valle, ex-secretário do Tesouro Nacional.

Segundo Ulysses Gomes, a ideia de "crescimento vegetativo" representa contradição em relação aos discursos de Zema sobre a Recuperação Fiscal. "Ele (Zema) a todo momento, diz que a oposição e os sindicatos mentem quando afirmam que não haverá recomposição salarial", protesta. "Um ou outro (Zema ou o documento da Secretaria de Fazenda) está mentindo. Não tenho dúvida de dizer que a mentira está com o governador", completa.

"Estamos tratando de algo que vai ocorrer pelos próximos dez anos. Não conseguimos prever, hoje, a inflação de 2023 - quanto mais daqui dez anos. Como vamos propor um acordo em que os salários dos servidores não terão nem recomposição inflacionária pelos próximos dez anos? Seria de uma temeridade e de uma irresponsabilidade muito grandes. Isso não irá acontecer", rebate Valadares.



Ciclo de debates pode ser saída para pacificar questão


A falta de consenso sobre a Recuperação Fiscal nos corredores da Assembleia fez com que a pauta do plenário ficasse travada durante quase todo o segundo semestre do ano passado. O projeto para autorizar a adesão do estado ao programa federal passou a tramitar em regime de urgência e, assim, impediu votações ligadas a outros temas. Em um gesto de aproximação aos deputados, Zema acabou pedindo a retirada da trava.

Gustavo Valadares defende o início de amplo debate sobre o tema no Parlamento e cita, como exemplo, o ciclo de debates feito em 2020 para abordar as nuances da Reforma da Previdência Estadual. Para o governista, é preciso construir um "acordo a muitas mãos".

"É preciso ajeitar com o governo federal, por meio do Regime de Recuperação, um acordo que seja bom para os dois lados e não fira tanto os servidores, mas que, ao mesmo tempo, permita ao estado que saia desse sufoco. A dívida pode ser cobrada a qualquer minuto. Estamos nos segurando a liminares do Supremo, mas e se essas liminares caírem?", receia.



Os documentos que baseiam o mais recente questionamento da oposição foram conseguidos na semana passada. Deputados do bloco antagônico a Zema, formado por PT, PCdoB, PV, Rede e Psol, foram a Brasília (DF) se reunir com integrantes da Esplanada dos Ministérios. Durante o périplo, conversaram com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o atual secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. Na capital federal, obtiveram ainda sinalização do entorno de Lula sobre a necessidade de rever as regras da Recuperação Fiscal. O recado veio por meio de Alexandre Padilha, ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República.

"Vamos sempre apoiar (estados e municípios), compreendendo o papel que a União pode ter para apoiar as dificuldades que os estados têm, mas não vamos usar os instrumentos que a União tem para estimular qualquer plano de privatização, qualquer plano privatista, que desmonte as políticas públicas de qualquer estado", pontuou Padilha, durante a conversa com os mineiros.

Como já mostrou o EM, um dos preceitos fundamentais do Regime de Recuperação Fiscal defendido por Zema é a privatização de ao menos uma fatia da Companhia de Desenvolvimento Econômico do Estado de Minas Gerais (Codemig), famosa por explorar jazidas de nióbio de Araxá, no Triângulo.



O que diz o governo de Minas?

A reportagem procurou a Secretaria de Estado de Fazenda a fim de obter comentários sobre a nota técnica enviada ao governo Bolsonaro no ano passado.

"A capacidade de o estado ter ou não condições de conceder reajustes salariais não está diretamente ligada à adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. Na verdade, o que define essa capacidade é o fato de haver ou não recursos disponíveis no caixa do Tesouro Estadual. Portanto, no que se refere à nota técnica, a análise trata do cenário observado em novembro de 2022, quando os números indicavam a dificuldade de uma recomposição geral em 2023, em função das perdas na arrecadação geradas pelas Leis Complementares 192 e 194, que tratam das alíquotas de ICMS dos combustíveis, energia elétrica e telecomunicações", apontou a pasta.

Ainda segundo a Fazenda estadual, a nota técnica considera "cenário de momento". "Exatamente por essa razão, ela passa por uma revisão anual, podendo ser alterada de acordo com os números apresentados no período".

De acordo com o o comunicado, os concursos públicos estão atrelados à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e não à Recuperação Fiscal.