Parlamentares do PSOL buscam com isso impedir que artefatos letais e não letais de fabricação brasileira sejam usados pelas forças de segurança andinas para reprimir manifestantes --apoiadores do líder populista Pedro Castillo ocupam as ruas do país desde que ele foi destituído, em dezembro, após um golpe de Estado fracassado.
O tema foi discutido nesta semana entre congressistas e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. No encontro, o chanceler se comprometeu a levar o caso à Lula, além de fazer consultas internas e ao Ministério da Defesa. Antes da reunião, um ofício já havia sido encaminhado a Vieira para analisar o pedido.
Um dos argumentos usados pelos deputados do PSOL parte de um relatório preliminar da Anistia Internacional. De acordo com ele, o governo peruano cometeu diversas violações de direitos humanos na repressão aos atos, incluindo uso de armamento letal e emprego indiscriminado de armas não letais contra indígenas e trabalhadores rurais.
O grupo também cita no pedido o fato de o governo da Espanha ter suspendido exportações de equipamentos do tipo ao Peru."Ainda que não haja impedimento legal, não parece compatível com a nova orientação da política externa brasileira, pautada no diálogo e no respeito aos direitos humanos, fornecer munição a ser usada contra movimentos sociais e o conjunto da população", diz a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) no ofício encaminhado ao Itamaraty.
Ela defende que Lula condene a repressão aos atos promovida pelo governo de Dina Boluarte mesmo que não proíba de vez a exportação de armamentos. "O Brasil pode ter um posicionamento político enérgico e defender que as armas produzidas no país não sejam usadas para matar civis", declara a deputada à Folha.
Integrantes do governo avaliam que é possível que o presidente adote uma manifestação nesse sentido.
Em resposta ao ofício, a Afepa (Assessoria Especial de Relações Federativas e com o Congresso Nacional) do Ministério das Relações Exteriores disse que a Política Nacional de Exportação e Importação de Produtos de Defesa atualiza a Liprode (Lista de Produtos de Defesa) e determina as responsabilidades do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Defesa na aprovação da exportação de produtos de defesa.
A Liprode categoriza produtos de defesa em dois níveis. O primeiro dispensa a fase de procedimentos preliminares e requer apenas análise do Ministério da Defesa. Já o segundo nível inclui produtos que requerem a fase de procedimentos preliminares, e devem ser analisados tanto pela pasta da Defesa quanto pela das Relações Exteriores.
Armas e munições não letais ou de energia integram a primeira categoria e só requerem análise do Ministério da Defesa.
Em resposta a ofício enviado pelo PSOL, o Ministério da Defesa afirmou que não há restrições impostas ao Peru e, por isso, todos os requisitos estavam preenchidos para a exportação. Declarou ainda que não há restrição para a comercialização desses produtos.
"A ONU reconhece os produtos menos letais como sendo necessários ao cumprimento da missão de agentes responsáveis pela aplicação da lei, resguardados os direitos humanos, desde o seu 8º Congresso para Prevenção do Crime, ocorrido em 18 de dezembro de 1990", diz a pasta no documento.
Melchionna diz que contestará o posicionamento do Ministério da Defesa, uma vez que haveria uma contradição entre o argumento apresentado pela pasta e o plano nacional de importações e exportações. Segundo ela, a diretiva é muito clara quando afirma que as armas não devem violar direitos humanos, sejam elas letais ou não.
A empresa brasileira Condor, de armamentos não letais, confirmou que tem negociações com o governo do Peru. Ela informou que não pode dar informações sobre vendas governamentais no Brasil ou no exterior em razão de cláusulas de sigilo. Em nota, disse, porém, que "desde o início do emprego dos dispositivos não letais fornecidos pela Condor na atual crise do Peru, [...] as forças de segurança locais passaram a ter alternativas ao uso das armas de fogo, o que não estava acontecendo anteriormente".
O Peru vive há anos uma espiral de crises políticas e sociais, intensificadas após a queda do presidente Pedro Castillo. Levantamento mais recente da Defensoria Pública do país contabiliza que, do início dos protestos contra a sua destituição até a sexta-feira, 66 pessoas haviam morrido durante os atos, 48 deles em enfrentamentos com as forças de segurança. Mais de 1.300 pessoas se feriram.
Na terça, Dina, primeira mulher a liderar o país, completou três conturbados meses no poder. Vice de Castillo, ela substituiu o ex-líder, hoje detido em prisão preventiva e formalmente investigado por corrupção e lavagem de dinheiro.