Dos 77 deputados que compõem a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), 57 concentraram mais da metade de seus votos na última eleição em apenas uma região do estado – o que representa quase três quartos da Casa. Na bancada mineira da Câmara dos Deputados, o percentual de parlamentares na mesma situação é menor, mas ainda bastante significativo: são 24 dos 53 representantes mineiros, cerca de 43,4%. Se somadas as duas Casas, 81 dos 130 parlamentares mineiros encaminharam sua vitória na eleição com os votos que tiveram em apenas uma região de Minas.
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Tão expressiva como a votação do deputado na região Sul/Sudoeste de Minas, foi o seu desempenho em Ouro Fino, cidade com 33 mil habitantes, onde foi prefeito por dois mandatos. Nada menos que 70% dos votos válidos do município foram para ele. Dr Maurício conta que não dispunha de recursos para viajar o estado, então preferiu apostar no eleitorado de Ouro Fino e região. “Minas Gerais é um estado maior que vários países do mundo, então é muito difícil, em uma primeira campanha, percorrer o território todo e se tornar conhecido em todos os rincões do estado, então fiz um trabalho em minha região”.
Bandeira
A deputada federal Delegada Ione Barbosa (Avante) é outro caso de parlamentar com alta concentração de votos, não apenas em uma macrorregião, mas em uma cidade. Com uma carreira estabelecida na Polícia Civil em Juiz de Fora, ela teve mais de 83% de seus 52 mil votos vindos do município da Zona da Mata. Ione credita sua ação como delegada na cidade como fator motivador da aglutinação de votos. A parlamentar espera, no entanto, que seu trabalho na defesa do direito das mulheres permita garantir mais votos ao redor do estado a partir da bandeira, que não se limita a uma atuação regional.
“Essa votação expressiva em Juiz de Fora foi também pelo papel de delegada de mulheres durante muitos anos e por ter uma instituição de acolhimento de vítimas de violência doméstica. Isso me deu uma visibilidade muito grande na cidade, onde também concorri à prefeitura. Mas quero aumentar essa votação, trabalhar em outras cidades da Zona da Mata e também em outras regiões, levar essa bandeira para mais longe ainda, com o propósito também de iniciativas como levar a estratégia de Patrulha Prevenção à Violência Doméstica atuarem nas zonas rurais”, comentou.
O deputado estadual Vitório Júnior (PP) teve quase 99% de seus votos vindos da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), sendo aproximadamente 84% apenas em Ribeirão das Neves, onde foi vereador, secretário e vice-prefeito. Ele credita o resultado regionalizado ao trabalho na cidade da Grande BH, mas espera construir novas relações na Assembleia ao longo do mandato.
“Precisamos ter uma atenção especial à Grande BH, em especial a Ribeirão das Neves, também Esmeraldas e região de Venda Nova em Belo Horizonte, mas vamos criar muita relação por Minas Gerais. Pretendo, principalmente na saúde, investir muito através das emendas em todas as regiões do estado. Nós tivemos uma das menores renovações da história da ALMG nesta eleição, o que indica que há muita consistência no trabalho dos deputados reeleitos e os contatos serão importantes”, avalia.
ANÁLISE
Mesmo que os parlamentares apontem o desejo de legislar de forma homogênea para todo o estado e o interesse de diversificar suas bases eleitorais, o cenário de concentração dos votos é considerado comum. Para professor da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG Thiago Rodrigues Silame, o cenário da atual legislatura repete um padrão observado sobre o tema da distribuição geográfica dos votos. Ele aponta fatores que contribuem para a concentração espacial de votos para parlamentares eleitos.
“Existem estudos na ciência política brasileira que mostram como se dá essa concentração de votos. A gente vê a confirmação de um padrão de um tipo de voto concentrado dominante. Em alguns municípios ou regiões, isso se dá muito pela trajetória dos políticos. Alguns foram vereadores, secretários ou prefeitos. Além disso, há uma questão estratégica, do ponto de vista do custo de campanha: o parlamentar fazer uma campanha no estado todo é muito mais caro do que focar em uma região onde ele já tenha influência”, explica.
Pesquisador explica padrões geográficos de votação
O professor da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG Thiago Rodrigues Silame explica que existem modelos de classificação para entender a disposição geográfica dos votos. Ele cita o modelo elaborado pelo pesquisador americano Barry Ames, que apresenta quatro padrões estaduais de distribuição espacial do voto.
Um desses padrões é chamado de ‘disperso-compartilhado’, caracterizado por uma votação pequena e espalhada, geralmente obtida por um candidato com bandeiras temáticas que garantem um número moderado de eleitores independentemente da localização. Outro padrão de votação é a ‘dispersa-dominante’, caracterizada por uma alta votação espalhada em todo o território.
Os padrões de votações centralizadas geograficamente são chamadas de ‘concentrada-compartilhada’, as mais comuns nas eleições legislativas e caracterizadas por votação aglutinada em municípios contíguos, como em regiões metropolitanas. Existe ainda a ‘concentrada-dominante’, quando os votos vêm, em ampla maioria, de um ou poucos municípios contíguos. É o caso dos deputados Ione Barbosa (Avante) e Dr. Maurício (Novo).
Há também os parlamentares que almejam descentralizar a votação a partir da própria atividade parlamentar, com o conhecimento do estado a partir da atuação como representante eleito e das relações com outros deputados que também apresentam características de votação regionalizadas.
O desafio de ter apoio em todas as regiões do estado
Os mandatos com votos pulverizados são minoria no Poder Legislativo. Os parlamentares que têm essa característica eleitoral elencam diferentes razões para tal e enxergam benefícios e desafios tanto nos pleitos como na atuação legislativa advindos de um eleitorado mais disperso dentro do estado. Para o deputado estadual Gustavo Valadares (PMN), espalhar a influência pelo estado e descentralizar sua base eleitoral foi fruto do trabalho de mandatos pregressos na Assembleia Legislativa. Em seu quarto mandato, ele teve a maior parte da votação dividida entre a Região Metropolitana de Belo Horizonte (29,2%), Vale do Rio Doce (27,4%) e Jequitinhonha (13,4%).
“Eu acho que é natural que, depois que o deputado chega à Casa, consiga expandir os trabalhos para além das regiões em que foi votado. Pela estrutura que ele passa a ter, isso naturalmente permite que ele amplie a base. Em estratégia eleitoral, ficar preso a uma única região, é mais arriscado. Vamos supor que numa próxima eleição, saia dali (da sua base) um candidato que consiga aglutinar muitos votos: quando se tem votos em mais regiões, você consegue compensar essa perda eventual”, analisa.
A lógica de estratégia eleitoral é assentida pelo deputado estadual Cristiano Silveira (PT), que teve a maior parte dos votos que o levaram para seu terceiro mandato oriundos da Zona da Mata (21,6%); Campo das Vertentes (19,8%); Região Metropolitana de Belo Horizonte (14,7%); e Vale do Rio Doce (10,5%). Ele diz que fez a opção por um mandato mais pulverizado, aliando pautas como a inclusão de pessoas com autismo e a defesa dos direitos humanos a causas localizadas, como o acesso à água nas regiões mais ao norte do estado. Ele avalia que dispersar as bases eleitorais é uma escolha que exige muito dos parlamentares e que é um esforço contínuo, além dos períodos de pleito.
“O mandato estadualizado dá mais trabalho, você tem que se fazer presente nas regiões e isso tem um preço. Eu acho que são opções que os deputados fazem. Há deputados que são eleitos realmente com esse apelo de uma representação regional. O meu perfil já é diferente porque é um mandato com mais estadualização à medida que encontro grupos que têm identificação com minhas pautas. Eu, por exemplo, sou originário do Campo das Vertentes, mas com o tempo você consegue angariar os votos de conceito, não só relacionado a identidade territorial e emendas”, avalia.
Experiência
Na Câmara dos Deputados, o percentual de parlamentares que concentram sua votação em poucas regiões é menor que na Assembleia Legislativa de Minas, mas ainda assim expressivo. Um dos fatores que podem explicar esse cenário é uma hierarquização dos cargos que leva a Brasília políticos mais experientes e com mais tempo de representação estadual.
Um dos parlamentares com votação mais dispersa, por exemplo, é Mário Heringer (PDT), que parte para seu sexto mandato com votação dividida entre a Zona da Mata (29,7%), Região Metropolitana de Belo Horizonte (20,6%), Norte de Minas (17,1%) e Sul/Sudoeste (11,7%). Ele associa seu trabalho na capital federal ao conhecimento em mais pontos de Minas Gerais, inclusive pela natureza do trabalho na Câmara dos Deputados.
“Os temas tratados por um deputado federal o forçam a expandir sua base. Não tem como deixar de tratar da questão das barragens em todo o estado ou da seca mais ao Norte, por exemplo. Com a sequência de eleições, a gente vai naturalmente ampliando as bases. Na primeira eleição, tive uma votação mais concentrada na Zona da Mata, mas você começa a ter demandas em diversas cidades e eu entendo que a função de um deputado federal precisa ser a mais diversa possível”, comenta Mário Heringer.
Representação é maior na região metropolitana
Recorte feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divide o estado de Minas Gerais em 12 macrorregiões administrativas: Campo das Vertentes, Central, Jequitinhonha, Noroeste, Norte, Oeste, Região Metropolitana de Belo Horizonte, Sul/Sudoeste, Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, Vale do Mucuri, Vale do Rio Doce e Zona da Mata.
Pela quantidade de eleitores, algumas dessas regiões são mais representadas que outras dentro do Parlamentos, o que é previsto pela adoção do voto proporcional como sistema eleitoral. Considerando apenas os votos de candidatos eleitos à Assembleia Legislativa, por exemplo, 28,9% são oriundos da RMBH, 14,8% do Sul/Sudoeste e 11,9% da Zona da Mata. Enquanto isso, Jequitinhonha, Campo das Vertentes e Central, Noroeste e Vale do Mucuri, somadas, não chegam a 15%.
Esse cenário também significa que as regiões com menos votos não são base eleitoral de parlamentares eleitos. Na Câmara dos Deputados, nenhum parlamentar tem mais da metade de seus votos concentrados nas regiões Central, Jequitinhonha, Noroeste, Oeste e Vale do Mucuri. Na Assembleia, esse cenário se repete no Campo das Vertentes, Região Central e Vale do Mucuri.
Para o professor da Unifal e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG, Thiago Silame, se não há um descolamento entre o eleitorado disponível e os votos dos eleitos, a representatividade está de acordo com a lógica proporcional. Ainda assim, ele destaca que há formas não eleitorais de conseguir recursos e não ficar à mercê das emendas de parlamentares que priorizam suas bases.
“A representação sofre prejuízos de diversas ordens, como racial e de gênero, inclusive regional. Essas regiões mais ao norte de Minas integram, por exemplo, a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). Podem se organizar com parlamentares do Nordeste para defenderem pautas relativas a isso”, explica.
PT e PL
Fora a concentração regional, a representação legislativa mineira também emula a polarização da última disputa presidencial com Parlamentos liderados pelas antagônicas bancadas do Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido Liberal (PL).
Na Assembleia Legislativa de Minas, o PT tem 12 deputados e o PL, 9. O desempenho petista é mais descentralizado. A região metropolitana, por exemplo, representa 26,13% da votação total do partido, enquanto concentra 36,92% dos votos do PL. Na Câmara, o cenário é o mesmo: a região que inclui a Grande BH representa 36,3% dos votos do PL contra 22,78% dos petistas. Em Brasília, porém, os petistas são minoria, com 10 parlamentares contra 11 do PL. (Com colaboração de Guilherme Peixoto)