Lula realiza no fim deste mês uma viagem de quatro dias ao país asiático, na qual deve se encontrar com o presidente Xi Jinping e buscar negócios e parcerias para o Brasil. A expectativa é que o petista seja acompanhado de uma grande comitiva de empresários, tanto do setor industrial como da agricultura.
A dimensão da empreitada contrasta com a agenda de apenas um dia na capital dos EUA, no início de fevereiro. Na ocasião, Lula foi recebido com honras e deferência pelo presidente americano, Joe Biden, o que interlocutores no governo brasileiro apontam ter sido importante para a inserção geopolítica do petista em seu terceiro mandato.
O encontro com Biden ainda cumpriu o objetivo de selar uma agenda conjunta em defesa da democracia, assunto que une as duas administrações. Muitos analistas apontam o espelhamento entre a invasão dos palácios do governo em Brasília por golpistas em 8 de janeiro e o assalto ao Capitólio em Washington que, ocorrida dois anos antes, buscou impedir a certificação da vitória do democrata.
Por outro lado, a reunião trouxe poucas parcerias efetivas entre os dois países, como assinaturas de convênios e promessas de investimentos.
A esperada doação americana para o Fundo Amazônia não se concretizou, e o valor aventado, de US$ 50 milhões (cerca de R$ 260 milhões), frustrou o governo brasileiro. Em viagem ao Brasil semanas após o encontro entre Lula e Biden, o enviado especial dos Estados Unidos para o clima, John Kerry, afirmou que o governo americano continua comprometido com o fundo, mas não citou valores.
Questionado por jornalistas sobre eventual aporte, Kerry citou dois projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado do seu país que preveem um total de US$ 13,5 bilhões (cerca de R$ 70 bilhões) para mitigar e combater o aquecimento global e outros problemas climáticos.
Esse valor engloba, no entanto, iniciativas em todo o mundo, inclusive dentro dos EUA. E mesmo assim, Kerry afirmou que aprovar as medidas seria "uma luta", e que por isso outras soluções de financiamento eram buscadas.
Decepcionado com o resultado da ida a Washington, Lula pretende usar a viagem a Pequim para atender dois objetivos. O primeiro deles é voltar a estreitar as relações com o gigante asiático, abaladas durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL). O país é o principal parceiro comercial do Brasil, com quem mantém um fluxo de R$ 125 bilhões.
Além disso, o governo tenta pressionar os americanos a oferecerem novas parcerias de investimento, comércio e cooperação. De acordo com assessores, a ideia é levar os americanos a "colocarem a mão no bolso".
EUA e China, as duas maiores potências econômicas do mundo,
protagonizam hoje uma ampla disputa geopolítica. Uma das preocupações dos americanos é a crescente influência chinesa em regiões como a América Latina.
Lula pretende levar ao país asiático uma grande comitiva, com ministros, técnicos e empresários. Além das reuniões de alto nível, com autoridades brasileiras e chinesas, um seminário organizado pelo Conselho Empresarial Brasil-China está marcado para ocorrer no período.
O próprio caráter empresarial da visita a Pequim contrasta com a agenda em Washington. Nos EUA, Lula não teve encontros com empresários e, além de Biden, reuniu-se com a ala mais à esquerda do Partido Democrata e com um sindicato americano.
Como precisa substituir Lula no Brasil, atuando como presidente em exercício, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) não deve ir à China.
As articulações empresarias estão centradas, entretanto, na pasta sob seu comando, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, que trabalha com o objetivo de atrair investimentos ao Brasil e também fechar parcerias que tragam a produção de bens para o país.
A intenção do governo é buscar cooperação com a China e tratar de assuntos em diversas áreas econômicas, com ênfase em transição energética e segurança alimentar. Há ainda a perspectiva de um anúncio de parceria por parte da Embraer, tema que vem sendo tratado de modo reservado pelos brasileiros.
A viagem promete ser ainda uma prova de fogo para a reconciliação do governo Lula com o agronegócio. Amplos segmentos do setor apoiaram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de outubro, inclusive financiando atos antidemocráticos.
Outro dos pontos importantes da viagem será a assinatura de novo contrato de cooperação para pôr em órbita o satélite Cbers-6. Trata-se da nova fase da cooperação aeroespacial sino-brasileira, que já lançou outros satélites em conjunto.
Um interlocutor no governo lembra que se equilibrar entre China e EUA para obter vantagens de ambos os lados não é uma novidade, e sim uma prática histórica da política externa brasileira. Ele cita como exemplo os benefícios obtidos pelo governo Getulio Vargas com a Alemanha e os Estados Unidos no período da Segunda Guerra Mundial.
Do ponto de vista político, a análise do Planalto é de que a consolidação das duas frentes daria a Lula sua primeira grande demonstração de força no cenário internacional, em um momento em que o petista busca retomar o protagonismo diplomático que o Brasil tinha antes de Bolsonaro.
Outra estratégia é a tentativa do petista de encabeçar um plano para mediar uma solução para a Guerra da Ucrânia. No início do mês, o presidente conversou com o líder ucraniano, Volodimir Zeleski, por videoconferência.