A subida no tom vem acontecendo em meio ao início da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República e à troca no comando do STM (Superior Tribunal Militar) para o tenente-brigadeiro do ar Francisco Joseli Parente Camelo.
Além disso, as atribuições desse ramo do Judiciário têm sido discutidas em processos que tramitam no STF (Supremo Tribunal Federal) e que visam restringi-las.
O debate sobre a melhoria na divulgação dos trabalhos da Justiça Militar não é novo e já foi tratado em 2021 entre a corte e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), mas acabou atropelado em meio à série de ameaças golpistas feitas por Bolsonaro e sem reação contrária das Forças Armadas.
Também havia intensa participação de militares, inclusive da ativa, em postos-chave do governo Bolsonaro.
Agora, um mantra repetido pela Justiça Militar é que não será tolerado que seus integrantes se manifestem de forma político-partidária ou que se posicionem de forma a ameaçar o Estado democrático de Direito.
A posição da Justiça Militar está em consonância com a do novo comandante do Exército, o general Tomás Paiva, que em teleconferência no início do mês com todos oficiais e sargentos da Força orientou que eles também não podem ter perfis em redes sociais com identificação de função militar e patente.
Em movimento semelhante, a Marinha enviou comunicado a seus oficiais definindo prazo de 90 dias para que os militares da ativa se desfiliem de partidos políticos, sob risco de punição.
A Constituição já proíbe que membros das Forças Armadas tenham filiação partidária, mas a fiscalização passa ao largo disso.
"Com o propósito de cumprir a legislação vigente, decorrido o prazo estipulado de 90 dias sem que haja a correspondente desfiliação, serão adotadas as medidas disciplinares cabíveis em decorrência do eventual descumprimento da norma constitucional", diz trecho do comunicado, obtido pela Folha.
Exército e Aeronáutica tomaram medidas no mesmo sentido
O Exército afirmou, em nota, ter emitido uma determinação para que "no mais curto prazo" os militares deixem os partidos políticos. "Pois tal situação contraria as normas vigentes e é passível de sanção disciplinar", disse ainda a Força terrestre.
A FAB (Força Aérea Brasileira) argumentou, também em nota, que a Constituição Federal já prevê que "o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos".
O órgão disse orientar periodicamente seus militares "para que consultem a Justiça Eleitoral, para que não sejam surpreendidos por filiações às quais não tenham dado causa".
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, ainda articulou com os comandantes Tomás Paiva (Exército), Marcos Olsen (Marinha) e Marcelo Damasceno (Aeronáutica) uma minuta de PEC (proposta de emenda à Constituição) para impedir que militares permaneçam na ativa se disputarem eleições ou assumirem cargos de chefia no Executivo.
O texto está no Palácio do Planalto, que deve sugerir adequações e enviar a proposta ao Congresso Nacional em abril.
Embora a maioria dos inquéritos relacionados aos ataques golpistas às sedes dos três Poderes tenham ficado sob a responsabilidade do STF, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, dois procedimentos continuam tramitando na Justiça Militar sobre o tema.
Ambos tratam de manifestações de militares sobre o assunto. Um dos inquéritos é por suspeita de injúria de um oficial que criticou o Alto Comando do Exército por não ter dado um golpe contra Lula; outro trata de um integrante das Forças Armadas que elogiou o movimento golpista nas redes sociais.
Outras ações similares, que não tratam necessariamente do dia 8 de janeiro, também passaram a ser divulgadas com mais destaque pela Justiça Militar.
É o caso da condenação de um major do 2º Batalhão de Engenharia de Construção de Teresina que queria se candidatar a deputado federal e apoiava abertamente Bolsonaro.
Apesar de ter sido alertado, ele não parou de fazer as publicações e foi condenado em duas ações penais militares pelo crime de recusa de obediência a uma pena de dois anos de prisão.
A Justiça Militar também tem dado mais destaque às ações que impedem que integrantes das Forças Armadas sejam promovidos a oficiais devido a condenações prévias por crimes como, por exemplo, corrupção.
No Supremo, processos que tratam dos limites de atuação da Justiça Militar e de quais são as suas responsabilidades são colocados e retirados da pauta há anos.
Em 2023, após o 8 de janeiro, um deles avançou. O julgamento dizia respeito à possibilidade de a Justiça Militar analisar crimes que acontecem no chamado "exercício das atribuições subsidiárias das Forças Armadas", como em operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).
Na ocasião, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou em seu voto que as regras criam um foro privilegiado para os militares que viola o princípio da isonomia e do devido processo legal. O julgamento, porém, foi suspenso.
Outro processo que aguarda decisão do STF, relatado pelo ministro Gilmar Mendes, questiona a possibilidade de civis serem julgados pela Justiça Militar em tempos de paz.
Na posse de Joseli como presidente do STM, a defesa dos trabalhos da Justiça Militar foi feita, inclusive, em discurso do procurador-geral da Justiça Militar, Antônio Duarte.
Na ocasião, estavam presentes Lula, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e a presidente do Supremo, Rosa Weber, além de ministros como Alexandre de Moraes.
"A presença neste ato solene de autoridades de expressão dos três Poderes e de outras relevantes instituições já indica que, para além do prestígio pessoal dos ora empossados, há também o inequívoco respeito à história deste multissecular braço da Justiça brasileira", disse Duarte.
"A Justiça Militar da União, integra, com muita dignidade e altivez, o nosso Poder Judiciário pátrio, sendo um de seus órgãos especializados", acrescentou.
"Portanto, não se assemelhando a qualquer corte marcial existente em outros países e jamais se constituindo em justiça de exceção, como alguns, em claro propósito de apequenar sua importância, procuram disseminar, irresponsável e desrespeitosamente."