Jornal Estado de Minas

BATE-BOCA

Brasília em clima eleitoral: parlamentares mantêm ambiente da disputa

A primeira participação de um membro da equipe de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Câmara dos Deputados foi suficiente para que o clima na política brasileira retomasse os ares de disputa eleitoral de 2022, agora sem candidatos, mas com parlamentares com rendimentos mensais acima dos R$ 30 mil. A presença do ministro da Justiça, Flávio Dino na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na terça-feira (29/3) foi o estopim para reacender polêmicas entre governistas e bolsonaristas, com direito a ofensas pessoais, desinformação e deboche. O clima belicoso no Congresso Nacional prosseguiu ao longo da quarta-feira (29/3).





O embate entre parlamentares ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e Flávio Dino teve como pano de fundo dois pontos principais: a alegada conivência das forças federais durante os ataques do 8 de janeiro às sedes dos Três Poderes e a visita do ministro à Comunidade da Maré, no Rio de Janeiro-RJ, fato associado por deputados bolsonaristas a suposto conluio do governo petista com lideranças criminosas.

“Recebi o convite, já recebi outro e espero outros similares. Sempre irei, porque não é favor, é dever. Não sou traidor dos meus compromissos com a sociedade e farei audiências públicas similares nas comunidades mais pobres e simples do Brasil, porque, afinal, são os destinatários da Segurança Pública”, disse o ministro ao defender sua visita à comunidade da Zona Norte Carioca.

O assunto foi um dos primeiros a trazer ao clima da casa legislativa o tom de deboche. O deputado federal André Fernandes (PL-CE), nome fortemente associado ao bolsonarismo, afirmou que Dino responde a 277 processos judiciais. O número foi obtido pelo parlamentar através de uma pesquisa no portal Jusbrasil, que reúne informações jurídicas e oferece como resultado de buscas nomes de pessoas envolvidas nos autos em quaisquer condições, seja como depoente, vítima, ré, dentre outras. Como resposta ao deputado cearense, o ministro explicou, em tom irônico, o funcionamento do site.





"Eu sou professor de Direito, eu vou contar para os meus alunos como anedota, como uma piada. O senhor acaba de entrar para meu livro de memórias. O Jusbrasil, quando coloca o nome, não aparece os nomes de quem responde a processos. Aparece os nomes de quem produz direito de resposta na Justiça, de quem foi requerido no pedido de resposta, aparece o nome de quem registrou a candidatura, de quem prestou contas à Justiça Eleitoral, de quem foi testemunha em um processo. A estas alturas dizer, com base no JusBrasil, que eu respondo a 277 processos, se insere mais ou menos no mesmo continente mental de quem acha que a Terra é plana. E claro, olhando nos seus olhos, eu vejo que o senhor sabe que a Terra é redonda. Então deputado, assim como o senhor sabe que a Terra é redonda, nunca mais repita essa mentira, essa fake news", respondeu o ministro, provocando risadas no plenário.

O ministro da Justiça ainda aproveitou a passagem pela CCJ para defender o governo das acusações de conivência da Polícia Federal aos ataques de vândalos que destruíram o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto em 8 de janeiro. “A Polícia Militar do Distrito Federal, infelizmente, não cumpriu aquilo que estava escrito no planejamento operacional da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal”, disse Dino, citando fala do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB).
 

Embate mineiro


Os dois deputados federais mais votados por Minas Gerais, Nikolas Ferreira (PL) e André Janones (PL), protagonizaram uma segunda rodada de ataques na Câmara na terça-feira. Os parlamentares desceram o tom dos embates, que antes se pautaram pelo deboche e desinformação, e rebaixaram-se às ofensas pessoais.





Novamente, a presença de Dino está relacionada ao capítulo. Nikolas seguiu tratando sobre a visita ao Complexo da Maré. Ele começou criticando a postura do ministro, disse que a comissão precisava ser tratada “sem deboche, sem sorrisinho de canto, porque aqui não tem palhaço, aqui não tem circo”. Na tentativa de prosseguir com a pergunta, ele foi interrompido por gritos e insultos de colegas dizendo termos como “vai peruca” e “deixa a Nikole falar”, em referência a episódio do Dia Internacional da Mulher em que o deputado foi ao parlatório vestindo uma peruca loura e fez comentários transfóbicos.

Ao ouvir os gritos, Nikolas pediu ao presidente da CCJ, Rui Falcão (PT-SP), que lhe reavesse o tempo de fala. Foi quando Janones gritou “vai chupetinha”, uma referência ao apelido pejorativo conferido ao parlamentar associado à subserviência à Jair Bolsonaro. "Quem falou aí? Presidente, só uma questão, se eu faço isso aqui com qualquer deputado, me colocam no Conselho de Ética, então todo mundo aqui é adulto para poder ver que isso aqui aconteceu. Então presidente, por gentileza, que o senhor tome alguma decisão com isso aqui porque, se fosse o contrário, estava todo mundo ovulando aqui já. Vamos ser aqui no mínimo justo", disse.

Por uma coincidência de sincronia nas falas, a repercussão do episódio nas redes creditou o insulto a Rui Falcão, que desmentiu o fato. Janones, por outro lado, assumiu a autoria da fala. "Pra quem não acompanhou a sessão toda, bolsonaristas passaram mais de cinco horas tumultuando e defendendo liberdade de expressão e imunidade parlamentar absolutas para nós deputados. Aí quando chamo o chupeta de chupeta saem do sério? Liberdade de expressão só pra vocês? Hipocritas!", se defendeu o deputado.





Com grande repercussão, a troca de ofensas pueris também foi tema de nova sessão da Comissão de Constituição e Justiça da quarta-feira (29/3), mas com tom mais grave. Correligionário de Nikolas, o deputado Alberto Fraga (PL-DF) ameaçou Janones:  “Agora eu sei que não falou, já vi que foi um covarde, um valentão, que usou a palavra do senhor. Eu não uso chupeta não. Eu uso é revólver mesmo, é pistola”, disse.

Janones afirmou que levará a ameaça à Polícia Federal (PF). Pelas redes sociais, o parlamentar mineiro disse que Fraga estava, aparentemente, armado, quando o atacou. Para Janones, o episódio é "inconcebível" em uma democracia. Ainda segundo ele, o deputado do Distrito Federal portava um revólver na cintura quando fez a ameaça.

Moro e PT


No Senado, a quarta-feira também foi de bate-boca entre inimigos antigos. Os senadores Sérgio Moro (União Brasil-PR) e Fabiano Contarato (PT-ES), discutiram durante uma votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A sessão debatia o Projeto de Lei (PL) 1.899/2019, que proíbe a contratação de pessoas condenadas por crime hediondo.





Na ocasião, o petista fez uma recapitulação das polêmicas que Moro se envolveu enquanto era juiz e ministro da justiça do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Não soube se portar como juiz, violou o princípio da paridade de armas, violou o que é mais sagrado dentro do processo penal. Não satisfeito, integrou o Ministério da Justiça e saiu denunciando interferência da Polícia Federal”, disse Contarato.

Já durante sua resposta, Sérgio Moro não deixou barato e falou sobre os governos do PT frente ao executivo federal. “Fui eleito como senador para defender as pautas. Não vim aqui discutir Operação Lava Jato. Agora eu repúdio as palavras ofensivas contra a minha pessoa”, disse.

Ironizando os casos contra o Partido dos Trabalhadores e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Moro continuou. “Não vou falar aqui do roubo da Petrobras de R$ 6 bilhões nos governos do PT, o seu partido. não vou falar aqui que a condenação do presidente da República foi feita não só por mim, mas por três juízes em Porto Alegre, por cinco juízes no STJ e a anulação depois foi por motivos formais, ninguém declarou o presidente inocente”, exclamou.





Contarato se irritou com a declaração de Moro, interrompeu o senador e lembrou que o ex-juiz foi considerado suspeito no processo que levou Lula à prisão em 2018. “Foi reconhecido que o senhor foi suspeito, isso é a pior chaga. É uma decadência moral”, disse o petista.

Pauta travada


Alheios às discussões polarizantes de parlamentares que, em boa parte exercem seu primeiro mandato em Brasília, a alta cúpula do Congresso Nacional também vive entraves e tenta articulações enquanto aguarda apresentação de pautas do governo federal. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por exemplo, travam uma queda de braço pela tramitação das medidas provisórias (MPs) no Legislativo.

Pacheco defende o retorno das comissões mistas na análise das MPs, um colegiado formado por 12 deputados e 12 senadores que avaliavam as normas emitidas pela Presidência da República antes que elas fossem debatidas em plenário na Câmara e no Senado. Esse rito foi eliminado por decisão do STF durante a pandemia para agilizar a discussão de medidas propostas no contexto sanitário e viabilizar as reuniões parlamentares de forma remota. 





Lira, por sua vez, é refratário à proposta de Pacheco. O presidente da Câmara ganhou poder com o rito extraordinário das MPs, que lhe concedeu a decisão sobre os relatores, já que os deputados são os primeiros a apreciar as medidas.

Travado com o embate dos presidentes, o Congresso também aguarda, em meio ao cenário de conflito, que o governo federal encaminhe propostas para o arcabouço fiscal e reforma tributária. Ambas são pautas prioritárias para a gestão de Lula e devem demandar articulação política entre os membros da gestão no Planalto e os parlamentares.


STF nos holofotes


A judicialização das desavenças é outro enredo repetido espelhado destes meses de legislatura em relação à disputa eleitoral do ano passado. Se na campanha eleitoral ataques e a troca de desinformações entre Lula e Bolsonaro eram levados aos montes ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Supremo Tribunal Federal (STF) torna-se o palco atual das desavenças parlamentares.





Já no primeiro mês do ano, o STF determinou a abertura de inquéritos contra três parlamentares suspeitos de incitar os ataques de 8 de janeiro. Entre eles está André Fernandes, protagonista da discussão com Flávio Dino nesta semana. Os outros dois são Sílvia Waiãpi (PL-AP) e Clarissa Tércio (PP-PE).

O pronunciamento transfóbico de Nikolas Ferreira na Câmara dos Deputados durante o Dia Internacional da Mulher também rendeu acionamentos à Suprema Corte. O STF recebeu notícias-crime do deputado federal Lindbergh Farias (PT) e  de associações pelos direitos LGBTQIA´+, além de pedido de medidas cautelares contra o parlamentar mineiro pela primeira deputada federal trans eleita por São Paulo, Erika Hilton (PSOL).

O próprio Nikolas Ferreira acionou o STF contra Lula por "eventual prática de incitação ao crime em desfavor" do senador Sergio Moro (União-PR). O parlamentar saiu em defesa do ex-ministro de Bolsonaro após o petista ter se manifestado publicamente duvidando da veracidade de plano da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) de sequestrar o ex-juiz da Lava-Jato.