As últimas horas em solo americano lhe foram gentis. No aeroporto de Orlando, recebeu muitas abordagens, quase todas simpáticas a ele. Uma mulher chorou com a oportunidade de abraçá-lo.
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Bolsonaro esperou a partida do voo no Premium Plaza Lounge, espaço vip do terminal. Ficou numa área no fundo, separada das demais por um cartaz onde se lia "reserved". Ainda nesse espaço, posou para fotos com três funcionários da Azul, animados com sua presença. Petiscou um biscoito de pasta de amendoim e um café adoçado com um sachê de açúcar.
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Mais amarga foi sua reação a repetidas tentativas da reportagem em ouvir o que ele tinha a dizer sobre o retorno do Brasil e alguns fantasmas que o rondam. Entre eles, a possibilidade de ser condenado numa das várias investigações de que é alvo e a intimação da Polícia Federal para que deponha nos próximos dias sobre as joias milionárias que a Arábia Saudita supostamente deu de presente à então primeira-dama Michelle Bolsonaro, em 2021.
Antes de passar pelo raio-x, Bolsonaro já havia dito para a reportagem que não queria conversa, tampouco com um repórter do jornal O Globo que também o aguardava. "Vocês falaram muito de mim, agora, nas eleições", justificou.
Novas investidas da imprensa foram ignoradas. Esboçou no máximo sorrir, e nada mais, quando instado a dar uma nota de 0 a 10 para o governo Lula. A certa altura, um dos assessores que o acompanhavam colocou um biombo para barrar a visão dos jornalistas.
Sérgio Rocha Cordeiro, que lhe serviu de assessor especial na Presidência, disse que ele só concederia entrevista no formato ao vivo, porque do contrário suas palavras poderiam ser distorcidas.
Já com a CNN Bolsonaro foi mais generoso. Conversou com o repórter da emissora por cerca de meia hora, numa transmissão em tempo real conduzida no lounge.
Falou mal do sucessor petista e do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Disse que não pretendia "liderar nenhuma oposição", mas sim "colaborar com aqueles que assim desejarem". Também sugeriu que deve ir presencialmente depor à PF sobre o presente dos sauditas.
Sentado na primeira fila da classe executiva, ao lado do assessor Sergio, o ex-presidente aceitou o copo de espumante oferecido pela comissária. Depois escolheu para acompanhar o jantar, um prato de nhoque ao sugo, um pouco de vinho branco Seival, safra 2022.
Uma ida ao banheiro rendeu algumas interrupções para mais uma rodada de fotos com ao menos 30 pessoas. Passageiros da classe econômica chegaram a fazer fila para garantir seu retrato depois do café da manhã, um pão com queijo e rosbife.
O investidor e empresário Rafael Danigno, 38, o interpelou sobre uma alternativa: eleitor de Luiz Felipe D’Ávila no primeiro turno, e de Bolsonaro no segundo, quis saber se ele estaria disposto a respaldar, na próxima eleição, um nome com menos resistência pela mídia.
Assim, explicou, cairia o risco de a esquerda permanecer no poder. Os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Romeu Zema (Novo-MG), digamos. Bolsonaro respondeu, segundo Danigno, que está aberto e complementou: é muito difícil sobreviver na cadeira em que sentou por quatro anos.
Com o avião já pousado, uma mulher puxou mais palmas: "Deus o abençoe, Bolsonaro". Alguém completou com um amém. Uma passageira divergiu e fez um L com a mão, deferência a Lula.
O gesto partiu de Mariana, 24, uma estudante de enfermagem que estava a trabalho nos EUA e prefere omitir o sobrenome, por ter uma família bolsonarista.
"Me senti mal por estar rodeada de pessoas que apoiam Bolsonaro", conta ao lado da melhor amiga —que perdeu o pai para a Covid semanas antes de começar a campanha de vacinação, com atraso. "A presença dele me traz algo ruim. Que mito, velho?"
Bolsonaro viajou à Flórida a dois dias de concluir seu mandato. Driblou, portanto, a passagem da faixa presidencial para seu grande rival, Lula, um rito democrático.
Passou seu primeiro trimestre como ex-presidente num condomínio em Kissimmee, cidade próxima à Disney. Hospedou-se inicialmente na casa do lutador de UFC José Aldo, um admirador seu.
Antes mesmo da estadia de Bolsonaro, o endereço já havia aparecido no noticiário, com destaque para sua decoração: salão de jogos, sala de cinema e nove quartos. Um deles tinha o desenho "Minions" como motivo.
O ex-mandatário depois se mudou para outro imóvel no mesmo condomínio. A família às vezes compartilhava sua rotina nas redes sociais.
Uma hora era a ex-primeira-dama Michelle exibindo o marido lavando morangos para ela.
Outra, uma canja de Joe Castro, brasileiro radicado em Orlando que cantou uma música, segundo ele, composta logo após o acidente com o avião da TAM em 2007. Com uma Coca-Cola na frente, Bolsonaro escutou plácidos versos como "como consegue viver sem mim".
Sem ele no Brasil, aliados de Bolsonaro o criticaram pelo que viram como omissão nesse começo do governo Lula.
A expectativa é a de que ele volte para liderar a oposição. Nas últimas 24 horas nos EUA, suas redes foram preenchidas pelo que vê como feitos de sua administração, entre eles um suposto esforço para combater a corrupção.
Pesam contra Bolsonaro pedidos de investigação que vão do genocídio contra o povo yanomami à propagação de fake news. A mais avançada, que em última instância poderia torná-lo inelegível em futuros pleitos, aponta que ele usou a estrutura do Palácio do Alvorada em 2022 para jorrar ataques contra o sistema eleitoral em reunião com embaixadores.
Seus filhos políticos também foram à internet defender o legado do clã. O vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), principal arquiteto da persona virtual do pai, postou o LinkedIn, a rede social para contatos profissionais, do homem que deixou de governar o país no dia 31 de dezembro de 2022. O ex-presidente ainda mantém ali, como atual ocupação, "38º presidente do Brasil".