"É inaceitável termos apenas uma mulher em cada Câmara de Vereadores. Ainda assim, elas são ameaçadas o tempo todo pela forma de se vestir, de falar. Quando sobem o tom, são chamadas de histéricas, loucas, e os homens, não. Fiz uma campanha gestante e sofri violência de gênero. Não interessava se eu estava gestante. Muitos me perguntavam porque não vai cuidar da sua gravidez, porque vem para a campanha. Sabe por que incomoda uma mulher gestante na política? Porque não somos a maioria”. O relato é de Anne Moura, que concorreu a vice-governadora do Amazonas em 2022 e é coordenadora regional do Fórum Nacional de Instâncias de Mulheres de Partidos Políticos.
Assim como ela, milhares de brasileiras são vítimas das agressões e xingamentos pelo fato de serem mulheres, a violência política de gênero. Uma pesquisa citada pela ONU Mulheres aponta que 53% das prefeitas eleitas, em 2016, relataram ter sofrido assédio ou violência política. Entre as mais jovens, com menos de 30 anos de idade, 91% contaram ter sido alvo de agressões. A violência política contra a mulher é qualquer ato que visa impedir ou restringir o acesso delas ou induzi-las a tomar decisões contrárias à sua vontade. Na maioria das vezes, é manifestada por meio de ameaças, xingamentos à vida privada, aparência física e ao modo de vestir das mulheres.
A violência política é apontada como um dos motivos para menor presença de mulheres nas Casas Legislativas e demais espaços de poder. Entre os parlamentos de 193 países, o Brasil aparece no 153º lugar em relação à representatividade das mulheres, conforme ranking da Inter-Parliamentary Union. Na América Latina, o país está à frente apenas de Belize e Haiti. As informações são da Agência Brasil.
Anne Moura foi uma das participantes do lançamento, nesta semana, da Campanha de Combate à Violência Política contra Mulheres, coordenada pela Câmara dos Deputados. O evento reuniu deputadas, senadoras, ministras e representantes de organizações da sociedade civil. “O que nós desejamos é realmente poder afirmar que nosso lugar é onde nós quisermos e onde mais pudermos contribuir para a democracia no Brasil. Portanto, os parlamentos e as estruturas públicas são também lugar das mulheres”, disse a segunda-secretária da Câmara, deputada Maria do Rosário (PT-RS).
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, relembrou “uma das maiores violências políticas que o país já vivenciou”, o assassinato da irmã e vereadora Marielle Franco, em 2018, após participar de um evento que debatia a participação das mulheres negras na política. A ministra destacou que as mulheres sofrem a violência política durante toda a trajetória: nas campanhas, no mandato e depois de deixarem os cargos. “Sabemos que o sistema é feito para que mulheres não adentrem nesse lugar. Mulheres negras prefeitas são apenas 4%. E se formos traçando todos os perfis, esses números vão diminuindo", afirmou.
Pesquisas e relatos mostram que as agressões ocorrem presencialmente, quando as mulheres estão nas ruas e são atacadas, ou no mundo virtual, por meio de fake news e ataques às redes sociais e páginas pessoais. “Não podemos deixar que nos calem, é isso que eles querem a partir do ódio, da misoginia, da ameaça e das mais diversas formas, seja pela internet ou presencialmente, é não deixar que sejamos candidatas. É fazer com que desistamos desse lugar, que é público e tão conquistado pelas mulheres em luta. Isso não foi um presente”, ressaltou a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves.
Presença menor em cargos no governo
O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) lançou o Observatório de Pessoal, um portal de pesquisa de acesso público sobre os dados de pessoal do governo federal. Divulgada na última semana, a plataforma reúne dados estatísticos e informações sobre tabelas de remuneração dos servidores. Entre os dados, estão comparações sobre as presenças masculina e feminina em cargos de alta e média lideranças e o perfil dos ocupantes quanto à idade, estado civil e escolaridade. O Observatório de Pessoal também apresenta um recorte sobre pessoas com deficiência e de mulheres negras e indígenas na liderança pública.
De acordo com a ministra Esther Dweck, na primeira versão do relatório de pessoal, foi constatada uma redução do número de mulheres em cargos efetivos do governo, que passou de 46%, em fevereiro de 2019, para 45% em fevereiro de 2023. “O período de ausência de concursos gerais e continuidade dos concursos em áreas predominantemente masculinas, como militares e segurança pública, foi um dos fatores que fizeram o percentual geral de mulheres no serviço público ficar estagnado”, explicou a ministra durante evento de lançamento da plataforma. “E quando olhamos sobre as mulheres no papel de lideranças, nem na média, nem na alta liderança, é proporcional à quantidade de servidoras na administração pública federal e mais abaixo ainda da média feminina da população brasileira”, acrescentou.
De acordo com o recorte apresentado sobre o estado civil dos ocupantes em cargos de liderança, o relatório do Observatório de Pessoal mostrou que, estatisticamente, a chance de homens com filhos menores de idade exercerem cargos de média e alta gestão é 3,2 vezes maior do que entre mulheres nas mesmas condições.