Na visão de ambientalistas e servidores do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério dos Povos Indígenas, ouvidos pela reportagem sob condição de anonimato, há alguns pontos de especial atenção: a reconstrução da BR-319, a exploração de petróleo na foz do Amazonas e um Congresso Nacional com um forte viés antiambiental.
Até aqui, o governo Lula conseguiu destravar o Fundo Amazônia, reestruturou a pasta ambiental com Marina Silva e criou a indígena, comandada por Sonia Guajajara. A operação para expulsão do garimpo da Terra Indígena Yanomami é avaliada como bem-sucedida.
Revogou atos de Jair Bolsonaro (PL) e Ricardo Salles, liberou a cobrança de R$ 29 bilhões em multas do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), reconstruiu planos de proteção ambiental e abriu quase R$ 500 milhões de crédito extraordinário para a proteção dos territórios.
Ao mesmo tempo, integrantes dos ministérios e também da Polícia Federal admitem que a escassez de servidores tende a dificultar as ações de fiscalização e repressão ao crime ambiental. A falta de funcionários, inclusive, é uma queixa de diversas instâncias do setor desde o desmonte promovido pela gestão Bolsonaro.Atualmente, o Ibama, por exemplo, tem vagos 2.616 dos seus quase 5.500 cargos de servidor; o ICMBio, tem 1.487 ocupados e 1.367 vagos; o ministério do Meio Ambiente vê vazios 219 de seus 522 postos de carreira.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a falta de servidores se agravou no governo Bolsonaro. A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígena), por exemplo, ficou com mais postos vazios que ocupados e chegou ao seu quadro mais enxuto desde 2008.
O resultado, dizem pessoas que atuam tanto em Brasília e pelo Brasil, é a dificuldade de serem aplicadas as políticas de proteção, fiscalização e recuperação ambiental, além do aumento da vulnerabilidade daqueles que atuam em áreas de maior violência e potencial de conflito.
O governo prepara um concurso público para atender a Funai e o Ibama já solicitou a contratação de mais 2.000 servidores para o órgão.
Também há a reclamação de demora para nomeação de cargos de confiança, dizem sob reserva quem atua nos ministérios, sendo a lentidão da Casa Civil apontada como culpada. No Ibama, por exemplo, apenas um dos cinco diretores já foi nomeado como titular.
A autoridade climática, que era prometida para março, ainda não foi criada. A proposta de estrutura está pronta e já foi enviada pelo Meio Ambiente para outras instâncias do Executivo —por enquanto, nada saiu do papel.
O Fundo Amazônia divide opiniões. Há aqueles que comemoram os mais de R$ 3 bilhões destravados e as conversas em andamento para novas doações. Já o aporte inicial de R$ 260 milhões dos Estados Unidos foi considerado pela diplomacia brasileira como uma decepção.
Também a demora para a demarcação de terras indígenas que já passaram por toda a fase de estudos e pelas etapas burocráticas, dependendo apenas da assinatura da Presidência, tem gerado reclamações de lideranças dos povos.
O recorde de desmatamento registrado nos primeiros meses do governo Lula, por sua vez, não é surpresa para integrantes do governo. Dentro do Ministério do Meio Ambiente e da própria Polícia Federal a expectativa é que a curva de destruição da floresta comece a diminuir apenas no fim do ano.
Na noite desta segunda (10), o governo abrirá consulta pública para o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, o PPCDAM, instrumento recriado por Marina Silva. Na sequência, também o fará para outros biomas.
"Tem alguns descontos que temos que dar [ao Lula]. O maior é com relação ao desmatamento, que continua alto e pode ser que a gente veja um número igual ao do ano passado ou ainda maior, mas porque existe de uma inércia que é demorada para corrigir", afirma Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Para ele, o mérito dos cem primeiros dias do atual governo tem sido realizar um movimento duplo de resolver os problemas atuais e reverter o que foi feito no governo Bolsonaro, além de dar o que o especialista chama de protagonismo inédito para as questões ambientais na agenda internacional.
Ele vê, por outro lado, que falta atenção do governo a pautas antiambientais do Congresso, como emendas a uma medida provisória que desmontam a lei da Mata Atlântica e ampliam a anistia a desmatadores ou o "Pacote da Destruição", que são os projetos de lei que flexibilizam restrições para agrotóxico, licenciamento e grilagem. Há ainda uma tentativa de esvaziar o Ministério do Meio Ambiente.
"Eles colocam as promessas do Lula sob risco de não serem cumpridas. O governo vai precisar de apoio de parlamentares antiambientais e vão surgir negociações e contradições", diz Astrini.
Outro ponto lembrado por ele é a renovação da licença para funcionamento da usina de Belo Monte, estopim da crise que provocou a saída de Marina Silva do governo Lula em 2008.
Também está na lista de potenciais conflitos a construção de linhões de energia sobre terras indígenas, a Ferrogrão (projeto de ferrovia para levar a produção de grãos do Centro-Oeste até hidrovias da Amazônia) e a exploração de petróleo na foz do Amazonas —como mostrou a Folha de S.Paulo, a Petrobras tenta a autorização para a perfuração mesmo sem estudos recomendados pelo Ibama.
"Estamos em outro momento, sob nova presidência, nada vai ser autorizado sem que de fato a gente tenha todas as implicações necessárias", afirmou o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, em recente entrevista ao site Sumaúma.
Assim como o processo de licenciamento da f oz do Amazonas, o andamento da construção da rodovia BR-319, que corta o coração da Amazônia, se acelerou sob o governo Bolsonaro.
Agora, a estrada é defendida por Renan Filho, atual ministro dos Transportes, mas questionada por Agostinho, que não descarta rever a licença concedida na gestão anterior.
"O processo de licenciamento da BR-319 é uma escolha do governo. Ou ele fica com a promessa de baixar o desmatamento ou faz a estrada. O projeto, hoje, é um tapete de concreto para grileiro, madeireiro ilegal e desmatador", diz Astrini.
A conjuntura aponta, como a própria Marina Silva admitiu em entrevista à Folha no início do ano, que cumprir as metas de emissão de gases poluentes do Acordo de Paris pode ser um desafio.
"Eu vejo uma dificuldade muito grande cumprir as metas de 2025 do acordo. As de 2030 teremos mais tempo, mas as de 2025 será um desafio, por conta do desmatamento. Teríamos que, já nesse ano, diminuir as taxas para o que eram antes do governo Bolsonaro", projeta Astrini.