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Estado de Minas DEMOCRACIA

Dante de Oliveira: quatro décadas da emenda que mudou a história do país

Capitais foram palco de manifestações com centenas de milhares de pessoas. Em BH, população lotou a Afonso Pena em fevereiro de 1984


11/04/2023 04:00 - atualizado 11/04/2023 07:08

Avenida Afonso Pena completamente lotada em 24 de fevereiro de 1984: população nas ruas pelo direito de votar para presidente
Avenida Afonso Pena completamente lotada em 24 de fevereiro de 1984: população nas ruas pelo direito de votar para presidente (foto: Wilson Avelar/Divulgação)
Há 40 anos, a proposta de emenda constitucional Dante de Oliveira (PEC 5, de 2 de março de 1983) era apresentada no Congresso, na tentativa de restaurar as eleições diretas para presidente da República no Brasil, depois de um longo jejum autoritário. O que se seguiu depois foi o maior e mais potente movimento republicano da história brasileira, com ampla participação popular. O primeiro ato público foi realizado em 1983, no simbólico 31 de março – data que marca o golpe militar de 1964.
 
Não mais que 100 pessoas se juntaram em Abreu e Lima, cidade da região metropolitana de Recife, para exigir o direito de votar para presidente. Dez meses depois, em 25 de janeiro de 1984, aconteceu o primeiro mega comício, com 300 mil pessoas na Praça da Sé, em São Paulo. Dezenas de outras manifestações gigantescas foram realizadas pelo país, incluindo em BH, em 24 de fevereiro de 1984, chamado de “comício-monstro”. Por fim, a nove dias da votação da emenda pela Câmara dos Deputados, em 16 de abril de 1984, pouco mais de um ano depois do primeiro ato, um milhão de pessoas lotaram o comício pró-Diretas no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.

Formalmente lançada pela direção do PMDB, respaldada por uma frente partidária ampla, após articulação decisiva entre Lula (PT) e Ulysses Guimarães (PMDB), a campanha das Diretas Já contagiou as praças públicas das capitais brasileiras, em manifestações de centenas de milhares de pessoas. A mesma mensagem – vocalizada por parte importante da imprensa naquela era ainda analógica – foi lançada em campo pelo Corinthians.
 
Nos palanques, foi cantada na voz de Chico Buarque, Fafá de Belém, Milton Nascimento, Fernando Brant e Ultraje a Rigor, entre tantos outros. Também foi abençoada pela Igreja Católica de dom Paulo Evaristo Arns e dom Ivo Lorscheiter. Foi anunciada na pena de intelectuais, jornalistas, poetas, publicitários e chargistas, como Henfil, que em fevereiro de 1983 cunhou o mote, ao imortalizar a figura do senador alagoano Teotônio Vilela, doente terminal, brandindo ao ar a sua bengala de bambu, em referência ao grito que comandaria a abertura do Mar Vermelho: “Diretas já!”.

A partir das Diretas Já, as mobilizações de rua tornaram-se variável central da equação da política brasileira, só comparáveis em volume às jornadas de 2013. Ao reconstituir nas dimensões política e cultural a história das Diretas Já no Brasil, o jornalista e roteirista Oscar Pilagallo, autor de “O girassol que nos tinge” (Fósforo/2023), aponta para os elementos analíticos da perspectiva comparada entre os dois movimentos históricos, por um lado, de avanços e conquistas democráticas representados pelas Diretas Já; por outro, a contrarreação e ataque frontal às instituições democráticas que se desdobraram das Jornadas de 2013.

“O girassol que nos tinge”, de Pilagallo, que testemunhou e participou da cobertura da campanha das Diretas Já, é resultado de ampla pesquisa histórica e documental. Será lançado em Belo Horizonte, nesta sexta-feira, 14 de abril, às 18h, na Livraria Quixote (Fernandes Tourinho, 274), em bate-papo do autor mediado pelo Estado de Minas. O título “O girassol que nos tinge” se inspira em documento produzido por intelectuais e artistas, em manifestação em 14 de fevereiro de 1984, em frente ao Spazio Pirandello, centro paulistano em que fervilhavam as manifestações culturais. Foi referência ao desejo de a população usar, sem medo, o amarelo do girassol, “que nos guia, tinge e alimenta”, na luta que ganha as ruas pela redemocratização plena, com a reconquista da soberania popular.

Jejum democrático


Do golpe de 1964 à propositura da Emenda Constitucional número 5, de 1983, pelo deputado federal Dante de Oliveira, do PMDB do Mato Grosso, se estendeu um longo jejum democrático. Em outubro de 1965, o Ato Institucional (AI-2) assinado pelo então presidente, o general Castello Branco, marcou a consolidação da ditadura, expondo o seu inequívoco viés autoritário: longe das urnas, os presidentes da República passariam a ser indicados indiretamente pela cúpula militar e referendados por colégio eleitoral, no Congresso Nacional. Décadas de supressão de direitos civis, censura à imprensa, torturas, assassinatos e um legado de milhares de “desaparecidos” dos militantes da resistência ao governo, findo o milagre econômico dos anos 70, no desabrochar dos anos 80, com o país afundado em crise inflacionária e recessão econômica, os generais viviam o seu ocaso.

Em 25 de abril de 1984, com as galerias da Câmara dos Deputados lotadas, sob intensa pressão do governo do general João Batista Figueiredo, por apenas 22 votos, os deputados federais rejeitaram a emenda Dante de Oliveira. Foram 298 votos a favor, 65 contra, e três abstenções. O governo militar retirou da sessão 113 deputados de sua base, impedindo que prosperasse o exame da proposta pelo Senado Federal. Embora derrotada a emenda Dante de Oliveira, as Diretas Já por ela impulsionadas, marcaram o ponto de inflexão no processo de reconquista civil do poder no Brasil. Nas palavras de Oscar Pilagallo, foram o maior movimento propositivo de massa já realizado no Brasil, que alcançou amplo consenso social, fincando o marco do mais longevo período democrático desta história.

Pegadas diferentes

Considerando apenas o quesito mobilização, as manifestações pelas Diretas Já só são comparáveis às Jornadas de 2013, considera Pilagallo. Entretanto, registra o autor em epílogo analítico apresentado no livro, são dois movimentos de massa que deixam pegadas completamente diferentes na política brasileira. As Diretas Já adubam a semente da redemocratização. Já as Jornadas de 2013, acolhem o ovo da serpente, chocado por uma base social radicalizada e saudosista dos anos de chumbo, que após a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, culmina, neste recente 8 de janeiro de 2023, com a invasão da sede dos três Poderes da República, numa canhestra tentativa violenta de golpe de estado. Em épocas diferentes, ambos incluem as manifestações populares como forma de pressão ao sistema político.

A campanha das Diretas Já – anseio latente da sociedade civil – foi mediada por lideranças políticas, que lhe impuseram foco, organização e a articulação social numa era ainda analógica e sob o outono da ditadura. Segundo o autor, ela foi sustentada por interesses republicanos e democráticos. Já as Jornadas de 2013 foram impulsionadas pelos mesmos algoritmos que alavancaram as revoluções coloridas, com propósitos e interesses de agentes econômicos transnacionais, ainda a serem devidamente pesquisados: embora apresentem-se com corte horizontal, são de fato manipulados a públicos específicos e distribuídos verticalmente, sem mediação ou filtros de líderes políticos e representantes da sociedade civil.

Transição com Tancredo Neves

Eleito em 1982, na onda oposicionista que desbancou, em dez estados brasileiros os candidatos do PDS, partido sucessor da Arena de sustentação à ditadura militar, em Minas Gerais, Tancredo Neves se tornaria um dos artífices da transição para o governo civil. Após a derrota da Proposta de Emenda Constitucional Dante de Oliveira, em 25 de abril de 1984, Tancredo, que durante a campanha das Diretas Já tivera o atributo da “conciliação” em relevo, apresentou-se como o nome nacional mais palatável à construção da chamada Aliança Democrática, que derrotou Paulo Maluf, candidato do regime, no Colégio Eleitoral para a Presidência da República em 1985.

A vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral foi resultado de um acordo entre o PMDB, partido ao qual se filiou em 1981, após deixar o PP, e políticos da Frente Liberal, uma dissidência do PDS que mais tarde fundaria o PFL, seria a base de constituição do DEM, atualmente, União Brasil. Ao mesmo tempo em que esse acordo garantiu votos para a derrota de Maluf, manteve, sob controle, a transição democrática, à medida em que o vice da chapa, José Sarney, era egresso do PDS.

Nessa construção, teve importante papel o mineiro Aureliano Chaves, que fora governador de Minas (1975-1978) indicado pelo então presidente Ernesto Geisel e, era o vice-presidente da República (1979-1985). Preterido pelo presidente João Batista Figueiredo para ser o candidato do regime no Colégio Eleitoral, Aureliano aderiu à Campanha das Diretas Já e articulou para a formação da Frente Liberal, cooptando as dissidências civis do regime nos estertores da ditadura militar.

Serviço


Título: “O girassol que nos tinge – Uma história das Diretas Já, o maior movimento popular do Brasil”
 
Autor: Oscar Pilagallo
 
Editora: Fósforo
 
Lançamento em BH: Sexta-feira, dia 14 de abril, às 18h, Livraria Quixote (Fernandes Tourinho, 274)
 
Páginas: 416
 
Preço: R$ 99,90
 
E-book: R$ 59,90



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