O cenário de destruição protagonizado por vândalos golpistas na Praça dos Três Poderes em Brasília em 8 de janeiro ainda ecoa de forma nítida pelos prédios da capital federal e as articulações políticas e escândalos desvelados nos últimos dias levam a crer que o tema seguirá no centro da pauta política do país por tempo indefinido.
Com promessa de travar votações no Congresso, parlamentares bolsonaristas começaram a última semana tentando forçar a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar os atos antidemocráticos. Depois da divulgação de novas imagens de segurança do Palácio do Planalto no dia dos ataques, da queda de um general escolhido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a segurança institucional e da guinada da bancada governista em favor da comissão, a tendência é que ela seja aprovada nos próximos dias.
O Estado de Minas conversou com pesquisadores políticos para entender o que está em jogo para situação e oposição diante do cenário que se apresenta.
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Na terça-feira (18/4), um grupo de deputados bolsonaristas capitaneados por nomes como Nikolas Ferreira (PL-MG), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Coronel Chrisóstomo (PL-RO), Julia Zanatta (PL-SC) e André Fernandes (PL-CE), invadiu a reunião de lideranças do Congresso Nacional para pressionar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) pela abertura da CPMI.
Alegando já ter o número de assinaturas necessárias para que a comissão fosse aprovada, os parlamentares manifestaram revolta com o adiamento da sessão conjunta entre as casas do Legislativo que poderia definir a instalação do inquérito. Na sequência, os deputados anunciaram que travariam pautas do governo no Congresso Nacional enquanto o tema não fosse apreciado.
Alegando já ter o número de assinaturas necessárias para que a comissão fosse aprovada, os parlamentares manifestaram revolta com o adiamento da sessão conjunta entre as casas do Legislativo que poderia definir a instalação do inquérito. Na sequência, os deputados anunciaram que travariam pautas do governo no Congresso Nacional enquanto o tema não fosse apreciado.
Até então, a postura da base governista, embora tímida, era pela não realização da CPMI. A oposição batia na tecla de que houve omissão e conivência do governo federal durante os ataques de 8 de janeiro e já havia sinalizado o interesse em inquirir membros da equipe de Lula sobre essa perspectiva, como ocorreu nas visitas do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.
“Há assinaturas, tem quórum, é constitucional e regimental a abertura da sessão. Por que a esquerda não quer? O medo precede a culpa”, chegou a declarar o deputado Nikolas Ferreira, criticando a resistência à abertura da comissão.
“Há assinaturas, tem quórum, é constitucional e regimental a abertura da sessão. Por que a esquerda não quer? O medo precede a culpa”, chegou a declarar o deputado Nikolas Ferreira, criticando a resistência à abertura da comissão.
IMAGENS
Na quarta-feira (19/4), a divulgação de imagens inéditas das câmeras de segurança do Palácio do Planalto no dia dos ataques deu novo combustível à narrativa bolsonarista e culminou em uma mudança de postura entre os governistas.
As filmagens mostram o general Gonçalves Dias, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), caminhando na antessala do gabinete de Lula com uma postura supostamente omissa diante dos atos de vandalismo ali praticados. Outros membros do GSI foram registrados orientando e até dando água aos manifestantes. O militar entregou o cargo no mesmo dia.
A reação dos parlamentares bolsonaristas às imagens foi imediata e a interpretação seguiu a linha de que o governo foi propositalmente omisso durante os ataques de 8 de janeiro. O deputado André Fernandes (PL-CE), autor do requerimento da CPMI e ele mesmo investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita de ter incitado os atos golpistas, chegou a anunciar que pediria a prisão preventiva de Gonçalves Dias.
Após a repercussão do caso, integrantes da equipe de Lula se pronunciaram pela primeira vez em apoio à abertura da comissão. “Vamos enfrentar este debate político, que está tentando se criar por aqueles que passaram pano para os atentados do dia 8 de janeiro. Na minha opinião, esse enfrentamento político será pá de cal nessa tentativa de criar uma teoria conspiratória, que é um verdadeiro terraplanismo”, disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT-SP).
Após a repercussão do caso, integrantes da equipe de Lula se pronunciaram pela primeira vez em apoio à abertura da comissão. “Vamos enfrentar este debate político, que está tentando se criar por aqueles que passaram pano para os atentados do dia 8 de janeiro. Na minha opinião, esse enfrentamento político será pá de cal nessa tentativa de criar uma teoria conspiratória, que é um verdadeiro terraplanismo”, disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT-SP).
PALCO MIDIÁTICO
“Se a CPI for feita de maneira séria, para achar e responsabilizar de maneira rápida e firme os responsáveis e financiadores dos atos antidemocráticos, será muito positiva para o país. Defendo isso desde o dia 9 de janeiro, como postei no meu Twitter. Agora, se for um circo para fazer vídeo e ganhar like, disputando narrativas e disseminando fake news, a CPI vai ser um desserviço e só vai servir para paralisar o congresso por meses impedindo que a gente avance em pautas estruturantes”, afirmou a deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) à reportagem.
A hipótese levantada pela parlamentar é corroborada por pesquisadores do tema. Para o professor e pesquisador da UFMG e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) Camilo Aggio, o governo teve receio inicial de apoiar a CPMI por que comissões dessa natureza têm a característica de serem aproveitadas como palco midiático para parlamentares e de difícil controle para o Executivo. Segundo ele, o interesse da oposição também está atrelado a um modus operandi arraigado entre os políticos associados ao bolsonarismo.
“Qualquer CPI torna-se um grande teatro midiático. Talvez seja o recurso político mais valioso para o parlamento conseguir capturar a agenda da cobertura política. Tudo o que o bolsonarismo quer é justamente um palco para fazer avançar a narrativa de que eles são os maiores prejudicados e as maiores vítimas, que houve uma farsa para acusar bolsonaristas pelos atos de 8 de janeiro. O que eles fazem de melhor é gerar uma poluição na esfera pública. Com a atenção pública voltada para uma CPI dessas, eles vão conseguir alimentar os ambientes digitais. Mais do que manipular a população, eles trabalham para gerar essa confusão na opinião pública”, analisa.
Na mesma linha de análise, o cientista político Christian Lynch, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), aponta que a CPMI seria uma das primeiras oportunidades da oposição de conseguir capturar o discurso político desde o início do ano, marcado pelo revés das respostas institucionais aos atos antidemocráticos.
“O reacionarismo precisa de palco e de negacionismo, é o oxigênio deles. Eles se habituaram a um tipo de exposição pública da gritaria, sempre tentando passar essa ideia de que não são agressores, são os agredidos ou que toda a agressão que eles promovem tem que se apresentar como se fosse legítima defesa. A intentona reacionária de 8 de janeiro, como foi clara e exposta de forma universal, foi um revés imenso do qual eles ainda não conseguiram se recuperar. Quando esse pessoal assumiu suas cadeiras no Congresso, assumiu na defensiva e sem ter uma liderança, sem pauta comum. O que acontece: eles percebem que precisam de alguma coisa que os aglutine e tentar explorar teorias da conspiração através de uma CPI pode servir de para-raios para organizar e catalisar de novo a oposição. É uma maneira de voltarem a ter uma agenda”, disse Lynch.
Do outro lado, a base governista também se prepara para o embate pelos holofotes que parece inerente à realização da CPMI. Na sexta-feira (21/4), o deputado federal André Janones (Avante-MG) sinalizou positivamente a uma publicação que o apontava como o escolhido pelo governo para o “núcleo midiático” da situação durante a comissão. O parlamentar mineiro se sobressaiu nas eleições de 2022 como apoiador do então candidato Lula e por se destacar nas redes com métodos de confronto antes associados ao bolsonarismo.
Desgaste da polarização
Com pautas nevrálgicas aguardando a apreciação no Legislativo, o governo federal tem pressa para a aprovação de temas como a reforma tributária e o arcabouço fiscal, que podem ficar em segundo plano em meio a uma CPMI. O cenário, no entanto, não é visto como uma derrota necessária para Lula. Chrstian Lynch explica que a retomada de uma polarização eleitoral tem potencial de acelerar as relações entre governo e parlamentares de Centro e viabilizar a aprovação de pautas no futuro.
“No momento em que o governo precisa de apoio, reviver tudo aquilo e mostrar que o bolsonarismo é responsável pelos atos poderia de novo esmagar quem está no meio, que é uma certa centro-direita mais liberal. Estes parlamentares querem fazer oposição, mas se livrando desse cenário bolsonarista para poder bater no Lula como se fossem os tucanos. Criar de novo um clima de polarização permite que você divida novamente o país entre democratas e golpistas e isso pode enterrar o bolsonarismo como catalisador da extrema-direita”, comentou o professor do Iesp-Uerj.
A capacidade de tornar perenes os possíveis efeitos de ataque ao governo por parlamentares bolsonaristas também é questionada pelos pesquisadores. Para Camilo Aggio, o interesse pela CPMI revela uma precariedade técnica de parlamentares com discurso radicalizado, que precisam de eventos midiáticos constantes para conseguir engendrar um mandato de oposição minimamente eficiente.
“Esses caras só conseguem disputar politicamente na lama, no caos, na troca de ofensas, nas acusações mentirosas, na propagação de conteúdos mentirosos. É por isso, inclusive, que o bolsonarismo se dá muito bem nos ambientes digitais. Eles entenderam que arrastar o adversário para o caos é onde eles conseguem lidar bem. Eles não têm competência administrativa, não sabem tocar de forma tradicional uma frente de oposição consistente como o PSDB conseguiu, por exemplo, ao articular muito bem o impeachment da Dilma (Rousseff), fazer o governo Dilma sangrar. A própria convocação do Dino (ministro da Justiça e da Segurança) na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) foi uma tentativa de arrastá-lo para o caos. Essa é a única opção que eles têm, precisam criar esses factoides”, analisa o professor da UFMG.
“Renda” incerta
“É possível que a CPMI não gere toda a repercussão esperada. Essa belicosidade já está durando 10 anos, porque isso começa em 2013 e se estabelece de forma clara em 2014 em termos de polarização, de raiva e de ódio contra as instituições. A razão mais forte da polarização acabou: o fato de ter uma nova direita não representada no Congresso e essa direita já entrou a partir de 2018. Pode ser que a comissão não ‘renda’, porque os atores políticos já estão desgastados desse confronto”, afirma o professor Christian Lynch.
Além da estratégia discursiva agressiva, outro possível ponto de desgaste é o travamento de pautas relevantes no Congresso Nacional. Para Camilo Aggio, o governo federal tem uma urgência em conseguir pautar uma agenda positiva no país e uma estratégia da oposição pode ser justamente evitar essas medidas, podendo usar dos efeitos desta paralisia como combustível para críticas futuras à gestão de Lula.
“É a continuidade dessa tática de culpar o atual governo por problemas da gestão anterior. Vão esperar a metade do mandato, três quartos do mandato para dizer que Lula nada fez, que está entregando um país pior do que quando ele assumiu. O que podemos ter com a CPMI é mais uma paralisia. Esse governo está lidando com uma grande parlisia depois do 8 de janeiro. Tentam retomar uma agenda positiva, como com a viagem à China, mas não dá muito certo. A CPMI vai paralisar tudo”, avalia.
Como funciona
» Formação: Diferentemente da CPI, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito reúne deputados e senadores e é normalmente instalada em casos de grande comoção nacional
» Composição: 16 senadores e 16 deputados – cada partido indica seus membros e legendas menores podem integrar a comissão em sistema de rodízio
» Competências
» Realizar diligências que julgar necessárias;
» Convocar ministros de Estado;
» Tomar o depoimento de qualquer autoridade;
» Inquirir testemunhas, sob compromisso;
» Ouvir indiciados;
» Requisitar de órgão público informações ou documentos de qualquer natureza;
» Requerer ao Tribunal de Contas da União a realização de inspeções e auditorias