A presença de Lula no Parlamento de Portugal nesta terça-feira (25/4) refletiu, dentro e fora do Legislativo luso, a polarização observada no Brasil.
No interior do edifício, onde Lula discursava, deputados da direita radical tumultuavam a fala do brasileiro. Já parlamentares de esquerda aplaudiam constantemente as intervenções do petista.
Do lado de fora, centenas de manifestantes protestavam a favor e contra Lula em locais diferentes — uma medida da polícia para evitar confrontos.
Os dois grupos estavam separados por cerca de 250 metros, de lados opostos no entorno da Assembleia da República (AR), o Parlamento português. O policiamento foi reforçado e barreiras impediam qualquer contato entre eles.
Lula discursou no Parlamento em uma sessão de boas-vindas, antes da sessão principal, no dia da comemoração da Revolução dos Cravos, que marca o fim da ditadura portuguesa. A fala de Lula já havia causado polêmica antes mesmo de acontecer (ler mais abaixo).
Enquanto o petista falava, os 12 deputados do Chega, partido da direita radical que se tornou a terceira maior força política de Portugal nas últimas eleições legislativas, ficaram de pé, segurando cartazes com a bandeira da Ucrânia e com a frase "chega de corrupção".
Também bateram nas mesas e fizeram barulho para atrapalhar o discurso de Lula.
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Também voltou a falar sobre a Guerra da Ucrânia e pediu paz, criticando soluções militares. O tema marcou o início de sua viagem a Portugal.
"Quem acredita em soluções militares para os problemas atuais luta contra os ventos da história. Nenhuma solução de qualquer conflito, nacional ou internacional, será duradoura se não for baseada no diálogo e na negociação política", declarou.
Ele ainda voltou a condenar a violação à integridade territorial ucraniana pela Rússia.
Declarações recentes do petista causaram polêmica, quando Lula, em visita a Abu Dhabi ao retornar da China, equiparou Rússia e Ucrânia, além de acusar Estados Unidos e União Europeia de contribuirem para o prolongamento do conflito.
Manifestações contra e a favor
A manifestação contra Lula foi convocada pelo líder do Chega, o deputado André Ventura, apoiador declarado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ventura prometeu que seria a "maior manifestação da história contra um líder estrangeiro".
O protesto, de fato, reuniu algumas centenas de pessoas, mas ocupava menos de um quarteirão nas proximidades do Parlamento português. Questionados pela BBC News Brasil, policiais não souberam estimar o número de manifestantes.
Por outro lado, o clima era de revolta e os manifestantes, estridentes gritavam palavras de ordem contra Lula, como "Lula, ladrão, seu lugar é na prisão", e seguravam cartazes contra o presidente brasileiro, com dizeres como "Tolerância zero à corrupção".
Entre eles estava a brasileira Cristiane Farias, natural de Teófilo Otoni, em Minas Gerais, que já mora há 20 anos em Portugal. Ela disse ser apoiadora de Bolsonaro e Ventura.
"Esse bandido está aqui gastando dinheiro do povo. Lula, ladrão, seu lugar é na prisão", disse ela à BBC News Brasil.
Já o português Alex Oliveira diz ter vindo de Coimbra, a 200 km de Lisboa, para protestar contra Lula e o acusou de corrupção.
"Se Lula roubou, seu lugar é na prisão", afirmou.
No entanto, em meio aos apoiadores do Chega, maioria absoluta no protesto, havia aqueles que não concordavam com a pauta que motivou a manifestação.
José Inácio Faria, presidente do Conselho Nacional do MPT (Partido da Terra), um partido verde de tendência conservadora, disse estar protestando contra a presença de Lula, mas por ocasião de sua presença no Parlamento português no dia da Revolução dos Cravos.
"Este é o dia da liberdade. É o dia dos portugueses. Não podemos aceitar uma intromissão destas num ato que é genuinamente português. O presidente do Brasil tem toda a legitimidade de vir a Portugal e receber todas as honrarias; merece, com certeza, mas não no dia 25 de abril. Este dia é nosso", disse ele.
"Isso é uma conspurcação. É uma vergonha", acrescentou.
Segundo ele, Lula "não defende os mesmos valores que nós defendemos na Europa. A União Europeia e os Estados Unidos defendem a Ucrânia. Não podemos aceitar que um presidente de uma potência regional como o Brasil tenha dito o que disse em relação à Ucrânia, que é um Estado soberano".
"Não podemos aceitar um presidente de uma república federativa que deveria ser nosso irmão venha espalhar o ódio e a maledicência em relação aos ucranianos. E colocar-se ao lado da Federação Russa, que é o invasor. Hoje é o dia da liberdade", acrescentou.
"Não é porque ele foi preso ou não está mais preso, não temos nada a ver com isso", finalizou.
A cerca de 200 metros dali, brasileiros e portugueses se manifestavam a favor de Lula, mas em menor número.
Uma delas era Evones Santos, de Rondônia, que mora há 20 anos em Portugal e é integrante do Núcleo do PT, além de coordenadora do Comitê Popular de Mulheres da sigla.
"Vim protestar porque, em primeiro lugar, estou defendendo a democracia, independentemente de estar no Brasil ou em Portugal. Penso que é uma obrigação nossa combater o fascismo que é uma ideologia que vai contra os direitos humanos", disse.
"Em segundo lugar, porque acredito no governo do presidente Lula, que representa a maioria, a diversidade do povo brasileiro e a democracia", acrescentou.
Polêmica
A presença de Lula no Parlamento português havia causado polêmica antes mesmo de seu discurso.
Lula seria o primeiro chefe de Estado estrangeiro a discursar no Legislativo luso por ocasião da comemoração da Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura em Portugal.
A participação do petista chegou a ser anunciada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, João Gomes Cravinho, em visita ao Brasil.
"É a 1ª vez que um chefe de Estado estrangeiro faz um discurso nesta data", disse Cravinho em entrevista a jornalistas em Brasília.
Mas partidos de oposição, como PSD, IL e Chega, se manifestaram contra o convite e, após uma reunião entre lideranças políticas, chegou-se a um consenso de que Lula discursaria, mas numa sessão solene de boas-vindas, à parte das comemorações da Revolução dos Cravos.
Lula deixou o Parlamento português logo depois de discursar e foi direto para o aeroporto, onde viajou para Madri, na Espanha, última parada de sua viagem à Europa.
Na tarde desta terça-feira, ele se encontra com lideranças sindicais espanholas.
Na quarta-feira (26/4), são esperados encontros com o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, e o rei do país, Felipe 6º.
Seu retorno ao Brasil está previsto para a noite do mesmo dia.