O projeto, de autoria da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), prevê a redução pela metade da cobrança da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) dentro dos limites da Avenida do Contorno. Este é um instrumento central para os efeitos do atual Plano Diretor da cidade e coloca de um lado pesquisadores e movimentos sociais e do outro, o Executivo, a maior parte do Legislativo e o setor de construção.
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'Mudança no Plano Diretor ameaça patrimônio de BH', diz ex-secretáriaMudança no Plano Diretor de BH volta a gerar discussão em audiência públicaCompur pede que PBH retire projeto sobre Plano Diretor de tramitaçãoO que diz a Constituição sobre o número de vereadores por cidadeA outorga, no entanto, não é a única forma de autorizar construções acima do limite determinado no Plano Diretor da cidade e rivaliza, especialmente, com a Transferência do Direito de Construir (TDC). Este é um instrumento em que a empresa compra a possibilidade de ampliar seu potencial construtivo junto a donos de imóveis tombados. O mecanismo, portanto, é limitado à quantidade de patrimônios protegidos existentes na capital, que é inferior à demanda do setor construtivo.
Na argumentação da prefeitura, a OODC estava sendo preterida em relação à TDC, que apresentava preços mais atrativos e, por isso, reduzir o valor da outorga dentro da Avenida do Contorno é uma forma de tornar o instrumento viável e teria como efeito um aumento de arrecadação.
Por outro lado, movimentos de luta por moradias populares e pesquisadores da área acreditam que reduzir o valor cobrado acarretaria em uma correlata queda na arrecadação de recursos que seriam empregados para combater o déficit habitacional na cidade. A oposição ao PL também argumenta que a medida concentraria ainda mais os recursos e construções na área central da cidade, contrariando os objetivos de interiorizar a urbanização da cidade previstos no Plano Diretor.
Reação da oposição
O PL 508/2023 foi aprovado em primeiro turno com 33 votos favoráveis e 7 contrários em reunião extraordinária da Câmara, em 24 de março. De lá para cá, grupos que se opõem à aprovação trabalharam para divulgar relatórios e informações que pudessem interferir no cenário político favorável à mudança na outorga onerosa.
Uma dessas movimentações partiu do Conselho Municipal de Política Urbana (Compur), que enviou, em 18 de abril, recomendação ao prefeito Fuad Noman (PSD) para que o projeto fosse retirado de tramitação. No pedido, o órgão disse que a requisição atende a demanda de movimentos sociais e pesquisadores de política urbana que argumentam que o Plano Diretor só poderia ser alterado em 2026 e falta embasamento técnico para propor a mudança na cobrança da OODC.
Na última segunda-feira, a Câmara fez audiência pública que colocou frente a frente atores favoráveis e contrários ao projeto. Na ocasião, o urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Roberto Andrés reiterou um ponto levantado por pesquisadores sobre a arrecadação da prefeitura com a OODC.
“Isso é um ato público, a PBH tem 14 milhões de projeção de venda em outorga onerosa. Só que a pessoa paga 10% à vista e o restante depois”, disse, confrontando o número da PBH de que apenas R$ 2,3 milhões foram arrecadados com o instrumento.
O professor esteve presente também em movimento de pesquisadores na véspera da votação do PL na Faculdade de Arquitetura da UFMG. Na ocasião, urbanistas levantaram dados e relatórios com críticas ao projeto da prefeitura. Um dos pontos levantados foi de que não há risco de que, com a cobrança da outorga onerosa nos moldes previstos, os preços sejam repassados aos clientes do mercado imobiliário.
Roberto Andrés seguiu na argumentação de que dados obtidos com a PBH via Lei de Acesso à Informação mostram que, ao contrário do que argumenta o executivo, a OODC já se mostra um instrumento eficiente de arrecadação de verbas para os cofres públicos.
“O documento feito pela prefeitura mostra que a outorga onerosa está sendo vendida em grande quantidade em Belo Horizonte, ao contrário do discurso do prefeito e do secretário de Política Urbana. Cerca de 41 mil metros quadrados de outorga onerosa foram aplicados nos últimos três anos e, pegando uma média de terreno a R$ 7 mil, isso dá mais de R$ 100 milhões em outorga onerosa utilizada nos projetos que já foram fechados e que estão com protocolos em aberto. Isso torna indecente esse desconto, inclusive porque o PL 508 dá desconto retroativo”, afirmou o professor da UFMG.
Também na reunião de entidades de arquitetos e urbanistas e pesquisadores foi apresentado um relatório assinado pelo secretário de Política Urbana, João Antônio Fleury Teixeira, em outubro de 2019, em que é proposta uma atualização de valores dos terrenos na área dentro da Avenida do Contorno e não redução na cobrança da outorga, como diz o PL 508/2023. Foi o que destacou Silvio Motta, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil em Minas (IAB-MG).
“O único estudo que recebemos da prefeitura embasando o PL 508, e nos surpreende, é um estudo que está mostrando que a outorga nos moldes atuais está cumprindo o papel dela de distribuição do valor da terra e que o problema é uma hipervalorização dos terrenos na OP-3 (área dentro da Avenida do Contorno)”, afirmou o arquiteto. Ainda segundo especialistas no tema, o projeto pode ter um efeito de gentrificação e adensamento do Centro. É o caso da urbanista e ex-secretária de Serviços Urbanos da PBH Branca Macahubas, que declarou que o projeto põe em risco o patrimônio da cidade e intensifica a desigualdade no espaço urbano.
Prefeitura afirma que o valor da outorga é baixo
A prefeitura reforça que o valor recebido via outorga onerosa até então é baixo e exige que a cobrança passe pela alteração prevista no Projeto de Lei 508/2023.
De acordo com o Executivo, até abril deste ano, as receitas referentes à outorga onerosa totalizam R$ 2.388.433,25 e que não é possível considerar projetos aprovados que ainda não pagaram a integralidade dos valores pelo uso da outorga e aqueles ainda em tramitação.
Nos cálculos da PBH, reduzir a cobrança dentro da Avenida do Contorno tornaria o instrumento viável comercialmente e aumentaria a arrecadação para o fundo de investimentos sociais da capital para aproximadamente R$ 53 milhões anuais.
A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), cujo presidente da Câmara da Indústria da Construção, Geraldo Linhares, acredita que o projeto será aprovado e terá benefícios para a população. “A Fiemg apoia todas as iniciativas que geram negócio, porque são ações que geram riqueza, impostos e benefícios para a população. Os vereadores que estão pensando na cidade vão votar a favor independente dos dogmas políticos que seguem. Não tem explicação para o projeto não passar”, afirmou.
Para Linhares, o PL também tem o efeito de evitar que o valor atual da outorga seja repassado ao consumidor final, o que permitiria que a área central da cidade seja ocupada por cidadãos de classe média. “Reduzir em 50% o valor da outorga é possibilitar a probabilidade que se consiga aproveitar a redução de custo do metro quadrado. É um ledo engano achar que esses apartamentos (no Centro) vão ser vendidos para pessoas de altíssimo padrão, porque essas pessoas já saíram daqui e foram para o Belvedere e outros bairros. O PL vai possibilitar a compra de apartamentos menores dentro do que o mercado absorve e que as pessoas de classe média possam comprá-los”, argumenta.
Articulação política
Em pé de guerra em temas como o preço das passagens de ônibus e o contrato das concessionárias dos coletivos com o município, o presidente da Câmara, Gabriel Azevedo (sem partido), e o prefeito Fuad Noman (PSD) estão lado a lado quando o assunto é votar o PL 508/2023 com rapidez. Na quarta-feira e quinta-feira, eles tiveram infrutíferas reuniões na PBH para discutir questões relacionadas aos ônibus da cidade. Quando o PL da outorga onerosa entrou em pauta, no entanto, houve consonância. Fuad pediu celeridade na votação do projeto a Azevedo e o assunto entrou em pauta na mesma semana, em reunião extraordinária.
O cenário na CMBH indica que a proposta ser aprovada com facilidade hoje. Ontem, entretanto, durante evento com pesquisadores, o vereador Bruno Pedralva (PT) convocou a população para comparecer à Câmara, às 9h, quando está marcada a votação do projeto. Segundo ele, a expectativa é de que os dados revelados pelos especialistas e a pressão popular possam angariar votos contrários ao PL. “É um absurdo algo tão importante na vida das pessoas estar sendo votado a toque de caixa. A gente conta com a vinda da população dos bairros, vilas, favelas para lotar a Câmara para barramos essa mudança no Plano Diretor” , disse.