Jornal Estado de Minas

LEGISLATIVO

CMBH tem votação definitiva sobre alteração do Plano Diretor nesta sexta

Pouco mais de um mês após aprovação folgada na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), o Projeto de Lei 508/2023 volta hoje ao plenário para votação em segundo turno. Quase nada mudou em relação aos lados que apoiam e os que se opõem ao projeto durante o período, mas novas informações foram acrescentadas ao debate de uma decisão com potencial para alterar significativamente a paisagem e o custo de vida da capital.
 
O projeto, de autoria da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), prevê a redução pela metade da cobrança da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) dentro dos limites da Avenida do Contorno. Este é um instrumento central para os efeitos do atual Plano Diretor da cidade e coloca de um lado pesquisadores e movimentos sociais e do outro, o Executivo, a maior parte do Legislativo e o setor de construção.



A OODC é um instrumento do Plano Diretor para que empresas consigam construir acima do determinado pelo coeficiente básico. Basicamente, trata-se de um ativo adquirido junto à PBH para ampliar o potencial de construção de um empreendimento. Os valores arrecadados através deste mecanismo vão para os cofres da prefeitura sob a prerrogativa de serem empregados em obras para melhoria de infraestrutura na cidade e construção de moradias populares.

A outorga, no entanto, não é a única forma de autorizar construções acima do limite determinado no Plano Diretor da cidade e rivaliza, especialmente, com a Transferência do Direito de Construir (TDC). Este é um instrumento em que a empresa compra a possibilidade de ampliar seu potencial construtivo junto a donos de imóveis tombados. O mecanismo, portanto, é limitado à quantidade de patrimônios protegidos existentes na capital, que é inferior à demanda do setor construtivo.

Na argumentação da prefeitura, a OODC estava sendo preterida em relação à TDC, que apresentava preços mais atrativos e, por isso, reduzir o valor da outorga dentro da Avenida do Contorno é uma forma de tornar o instrumento viável e teria como efeito um aumento de arrecadação.



Por outro lado, movimentos de luta por moradias populares e pesquisadores da área acreditam que reduzir o valor cobrado acarretaria em uma correlata queda na arrecadação de recursos que seriam empregados para combater o déficit habitacional na cidade. A oposição ao PL também argumenta que a medida concentraria ainda mais os recursos e construções na área central da cidade, contrariando os objetivos de interiorizar a urbanização da cidade previstos no Plano Diretor.
 
Pesquisadores, professores e urbanistas questionaram PL 508 proposto pela prefeitura de BH (foto: Jair Amaral/EM/D.A. Press)

Reação da oposição

PL 508/2023 foi aprovado em primeiro turno com 33 votos favoráveis e 7 contrários em reunião extraordinária da Câmara, em 24 de março. De lá para cá, grupos que se opõem à aprovação trabalharam para divulgar relatórios e informações que pudessem interferir no cenário político favorável à mudança na outorga onerosa.
 
Uma dessas movimentações partiu do Conselho Municipal de Política Urbana (Compur), que enviou, em 18 de abril, recomendação ao prefeito Fuad Noman (PSD) para que o projeto fosse retirado de tramitação. No pedido, o órgão disse que a requisição atende a demanda de movimentos sociais e pesquisadores de política urbana que argumentam que o Plano Diretor só poderia ser alterado em 2026 e falta embasamento técnico para propor a mudança na cobrança da OODC.



Na última segunda-feira, a Câmara fez audiência pública que colocou frente a frente atores favoráveis e contrários ao projeto. Na ocasião, o urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Roberto Andrés reiterou um ponto levantado por pesquisadores sobre a arrecadação da prefeitura com a OODC.
 
“Isso é um ato público, a PBH tem 14 milhões de projeção de venda em outorga onerosa. Só que a pessoa paga 10% à vista e o restante depois”, disse, confrontando o número da PBH de que apenas R$ 2,3 milhões foram arrecadados com o instrumento.

O professor esteve presente também em movimento de pesquisadores na véspera da votação do PL na Faculdade de Arquitetura da UFMG. Na ocasião, urbanistas levantaram dados e relatórios com críticas ao projeto da prefeitura. Um dos pontos levantados foi de que não há risco de que, com a cobrança da outorga onerosa nos moldes previstos, os preços sejam repassados aos clientes do mercado imobiliário.




Roberto Andrés seguiu na argumentação de que dados obtidos com a PBH via Lei de Acesso à Informação mostram que, ao contrário do que argumenta o executivo, a OODC já se mostra um instrumento eficiente de arrecadação de verbas para os cofres públicos.
 
“O documento feito pela prefeitura mostra que a outorga onerosa está sendo vendida em grande quantidade em Belo Horizonte, ao contrário do discurso do prefeito e do secretário de Política Urbana. Cerca de 41 mil metros quadrados de outorga onerosa foram aplicados nos últimos três anos e, pegando uma média de terreno a R$ 7 mil, isso dá mais de R$ 100 milhões em outorga onerosa utilizada nos projetos que já foram fechados e que estão com protocolos em aberto. Isso torna indecente esse desconto, inclusive porque o PL 508 dá desconto retroativo”, afirmou o professor da UFMG.

Também na reunião de entidades de arquitetos e urbanistas e pesquisadores foi apresentado um relatório assinado pelo secretário de Política Urbana, João Antônio Fleury Teixeira, em outubro de 2019, em que é proposta uma atualização de valores dos terrenos na área dentro da Avenida do Contorno e não redução na cobrança da outorga, como diz o PL 508/2023. Foi o que destacou Silvio Motta, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil em Minas (IAB-MG).



“O único estudo que recebemos da prefeitura embasando o PL 508, e nos surpreende, é um estudo que está mostrando que a outorga nos moldes atuais está cumprindo o papel dela de distribuição do valor da terra e que o problema é uma hipervalorização dos terrenos na OP-3 (área dentro da Avenida do Contorno)”, afirmou o arquiteto. Ainda segundo especialistas no tema, o projeto pode ter um efeito de gentrificação e adensamento do Centro. É o caso da urbanista e ex-secretária de Serviços Urbanos da PBH Branca Macahubas, que declarou que o projeto põe em risco o patrimônio da cidade e intensifica a desigualdade no espaço urbano.

Prefeitura afirma que o valor da outorga é baixo

A prefeitura reforça que o valor recebido via outorga onerosa até então é baixo e exige que a cobrança passe pela alteração prevista no Projeto de Lei 508/2023. 
 
De acordo com o Executivo, até abril deste ano, as receitas referentes à outorga onerosa totalizam R$ 2.388.433,25 e que não é possível considerar projetos aprovados que ainda não pagaram a integralidade dos valores pelo uso da outorga e aqueles ainda em tramitação.




 
Nos cálculos da PBH, reduzir a cobrança dentro da Avenida do Contorno tornaria o instrumento viável comercialmente e aumentaria a arrecadação para o fundo de investimentos sociais da capital para aproximadamente R$ 53 milhões anuais.

A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), cujo presidente da Câmara da Indústria da Construção, Geraldo Linhares, acredita que o projeto será aprovado e terá benefícios para a população. “A Fiemg apoia todas as iniciativas que geram negócio, porque são ações que geram riqueza, impostos e benefícios para a população. Os vereadores que estão pensando na cidade vão votar a favor independente dos dogmas políticos que seguem. Não tem explicação para o projeto não passar”, afirmou.

Para Linhares, o PL também tem o efeito de evitar que o valor atual da outorga seja repassado ao consumidor final, o que permitiria que a área central da cidade seja ocupada por cidadãos de classe média. “Reduzir em 50% o valor da outorga é possibilitar a probabilidade que se consiga aproveitar a redução de custo do metro quadrado. É um ledo engano achar que esses apartamentos (no Centro) vão ser vendidos para pessoas de altíssimo padrão, porque essas pessoas já saíram daqui e foram para o Belvedere e outros bairros. O PL vai possibilitar a compra de apartamentos menores dentro do que o mercado absorve e que as pessoas de classe média possam comprá-los”, argumenta.




Articulação política

Em pé de guerra em temas como o preço das passagens de ônibus e o contrato das concessionárias dos coletivos com o município, o presidente da Câmara, Gabriel Azevedo (sem partido), e o prefeito Fuad Noman (PSD) estão lado a lado quando o assunto é votar o PL 508/2023 com rapidez. Na quarta-feira e quinta-feira, eles tiveram infrutíferas reuniões na PBH para discutir questões relacionadas aos ônibus da cidade. Quando o PL da outorga onerosa entrou em pauta, no entanto, houve consonância. Fuad pediu celeridade na votação do projeto a Azevedo e o assunto entrou em pauta na mesma semana, em reunião extraordinária.

O cenário na CMBH  indica que a proposta ser aprovada com facilidade hoje.  Ontem, entretanto, durante evento com pesquisadores, o vereador Bruno Pedralva (PT) convocou a população para comparecer à Câmara, às 9h, quando está marcada a votação do projeto. Segundo ele, a expectativa é de que os dados revelados pelos especialistas e a pressão popular possam angariar votos contrários ao PL. “É um absurdo algo tão importante na vida das pessoas estar sendo votado a toque de caixa. A gente conta com a vinda da população dos bairros, vilas, favelas para lotar a Câmara para barramos essa mudança no Plano Diretor” , disse.