Nas últimas semanas, atividades de fiscalização do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) na Amazônia causaram uma reação em cadeia entre pecuaristas e madeireiros que chegou até o primeiro escalão do governo federal. A partir de informações falsas divulgadas nas redes sociais e em sites locais, alguns dos produtores mobilizaram parlamentares para pressionar o órgão.
As operações que causaram a comoção foram batizadas de Retomada e Metaverso. Iniciada no começo de abril, a primeira foca na apreensão de gado criado em áreas que já tinham sido embargadas por desmatamento ilegal, enquanto a segunda, lançada em janeiro, combate a exploração ilegal de madeira.
A pecuária e a extração madeireira estão entre os principais motores da destruição da floresta amazônica e são também duas das principais atividades econômicas da região.
Parlamentares e o presidente da ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), Jorge Viana (PT), procuraram a chefia do Ibama e o Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima para tratar das ações.
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Bolsonaro foi o presidente com menor investimento em meio ambienteMoro sobre governo Lula: 'Prometeu picanha e entregou abóbora'Arthur Lira quer equilíbrio de Salles, caso seja relator da CPI do MSTApesar disso, a informação que se espalhou em redes sociais e sites locais foi a de que o órgão iria apreender mais de 500 mil cabeças de gado na região, em especial no Amazonas.
"Abuí, Sucunduri, Jacareacanga, 180 , Lábrea, Realidade, tudo vai ser desapropriado. Não tem uma fazenda, não tem um situante que não vai ser desapropriado", afirma um dos vídeos. A gravação ainda cita que as terras expropriadas iriam para países europeus, como Grécia, Noruega e Suécia -o que, assim como o restante do conteúdo, não é verdade.
Outro vídeo ameaça os fiscais do Ibama com um possível "derramamento de sangue".
Já a Metaverso tratou de transações de madeira no Distrito Federal e oito estados: Acre, Amapá, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Roraima e Tocantins. Agentes do Ibama aplicaram 23 autos de infração e fiscalizaram 21 empresas.
A maioria das madeireiras fica no Acre, onde grande parte das exportações está ligada a esse setor econômico.
Entre os boatos que circularam sobre a operação estava o de que mais de 90% da produção do estado tinham sido paralisados. Também corria o rumor de que centenas de empresas tinham sido suspensas e que apreensão de gado estava em curso no Acre.
No entanto, 16 pátios de estocagem de madeira foram embargados no estado, 4% das mais de 300 instalações do tipo no Acre. Desse total, 14 empresas receberam notificação que exige apresentação de documentos para que a situação seja regularizada -o que, até agora, foi atendido por três.
INFLUÊNCIA POLÍTICA
A informação falsa sobre a paralisação quase total das atividades madeireiras no estado chegou até o presidente da ApexBrasil, Jorge Viana, que foi governador (1999-2007) e senador (2011-2019) pelo Acre.
Em reunião com empresários do setor no estado no dia 8, ele afirmou que considerava as ações do Ibama "preocupantes" e que contataria o órgão para "propor soluções que impeçam a paralisação do setor madeireiro no Acre". A informação foi divulgada pelo jornal AC 24 Horas e compartilhada pelo próprio político nas redes sociais.
Quatro dias depois, Viana procurou o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. Após a reunião, publicou vídeo dizendo que buscou os responsáveis para se informar sobre as operações e que pediu que a situação de serrarias sob suspeita de ilegalidade "fosse resolvida" para evitar prejuízos à economia.
Viana também afirmou que pediu a Agostinho que emitisse uma nota esclarecendo informações sobre a operação. A nota foi publicada no site do Ibama no dia seguinte.
"Eu fui atrás da informação para esclarecer o que estava acontecendo", disse à reportagem Viana, que também coordenou o grupo de trabalho de Meio Ambiente durante a transição para o governo Lula (PT).
Viana avalia que a situação foi esclarecida após encontros com a superintendência regional e a presidência do Ibama e diz lamentar os ataques que o governo federal sofreu da oposição devido às operações. "Infelizmente, a guerra da desinformação tem vencido muita coisa no país."
Já no caso da Operação Retomada, a afirmação falsa de que o Ibama apreenderia centenas de milhares de cabeças de gado chegou até carta elaborada por prefeitos do sul do Amazonas. O documento é datado de 30 de março e assinado pelos prefeitos dos municípios amazonenses de Humaitá, Apuí e Lábrea.
O texto afirma que, em reunião entre os governantes e pecuaristas da região, após um encontro com o Ibama ter sido cancelado, foi decidido que se estabeleceria "uma ponte de diálogo entre autoridades federais, municipais e estaduais para sustar esta ameaça".
Menos de duas semanas depois da mobilização, cerca de 30 senadores e deputados federais de Acre, Amazonas e Rondônia tiveram uma reunião com Agostinho e o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, que estava à frente da pasta temporariamente.
"Eles vieram preocupados com as ações do Ibama, que voltaram com muita força e estão sendo muito assertivas", relata Capobianco, que classifica a reunião como muito positiva.
"Eu nunca tinha visto um grupo tão significativo de parlamentares dizendo que vão apoiar as ações de redução do desmatamento, que são contra o crime, o desmatamento ilegal. Que querem regularidade e querem que o desmatamento legal seja respeitado, aquilo que a lei prevê", pondera. "Você pode questionar isso em função de outros argumentos, mas o fato é que é a primeira vez que isso acontece."
Um dos líderes da comitiva, no entanto, o senador Alan Rick (União Brasil-AC) publicou vídeo após o encontro afirmando que pediu a suspensão do embargo às madeireiras sob suspeita de ilegalidade. "A gente sabe que quando há fiscalização, as vendas, a comercialização fica paralisada, mas não se pode paralisar o todo da operação das madeireiras".
CRIME E ECONOMIA NA AMAZÔNIA
Para Virgílio Viana, superintendente-geral da FAS (Fundação Amazônia Sustentável) e professor da Fundação Dom Cabral, a mobilização de forças políticas pelos produtores é uma reação esperada às ações de fiscalização.
"A gente teve quatro anos de desmonte das agendas de fiscalização ambiental na Amazônia e criou-se um clima de que estava tudo liberado. E, agora, um novo governo que está retomando a lei e a ordem", diz. "Isso mostra o tamanho da dificuldade que vai ser acabar com a atividade criminosa na Amazônia. Não vai ser fácil."
O especialista também diz acreditar que, como em muitas áreas da Amazônia atividades ligadas a crimes ambientais são responsáveis por uma parte importante da economia, é preciso estimular alternativas. "É fechar a porta do desmatamento e abrir a porta da economia verde".
O Ibama estima que o valor das 3.000 cabeças de gado apreendidas possa superar R$ 10 milhões. Ao todo, 27 pessoas receberam notificações determinando a retirada do rebanho dessas áreas, que totalizam 25 mil hectares.
No caso da Metaverso, foram bloqueados no Sinaflor 1,2 milhão de metros cúbicos de madeira e carvão em créditos virtuais, ou seja, autorizações de compra e venda. A suspeita é que esses créditos foram gerados de forma fraudulenta para "esquentar" madeira ilegal.
Segundo o Ibama, isso permitiria acobertar a exploração ilegal de 114,3 mil hectares de floresta, que, convertidos em madeira serrada, poderiam render até R$ 2 bilhões. Para transportar toda essa carga seriam necessários cerca de 60 mil caminhões.
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.