Rivais na eleição mais acirrada da história da democracia brasileira, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) tiveram uma semana conturbada em suas agendas como atual presidente e ex-mandatário do país. Enquanto o petista amargou sua primeira derrota em votação no Congresso Nacional e teve de recuar em propostas do governo diante da oposição parlamentar, o antigo ocupante do Planalto se viu novamente na mira da Justiça por causa de operação que investiga fraude em cartões de vacinação contra a COVID-19.
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Lula sobre Campos Neto: 'Eu não bato no BC porque não é gente. É um banco'Lula defende Padilha e não cogita mudar forma de articulação no CongressoBolsonaro se põe à disposição como 'alternativa' ao Brasil em ato do PLBolsonaro sobre atuação política: 'Só a morte coloca ponto final'Lula deve liderar a articulação política com o CongressoLula lamenta morte da Vovó Palmirinha: 'Uma figura querida'Ciro Nogueira sobre mortes de Yanomamis: 'Ninguém culpa o presidente'Governo Lula aprova aditivos a suspeita de liderar 'cartel do asfalto'Outros 15 mandados de busca e apreensão foram cumpridos e seis pessoas foram presas. Os alvos, em maioria, eram militares e ex-militares próximos a Bolsonaro, como no caso mais significativo do tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens e apontado como o pivô do esquema que tentou incluir dados falsos de vacinação em sistemas do Ministério da Saúde.
Fraudes no registro de vacinas
A operação da PF foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que citou em sua decisão ter indícios de uma possível “organização criminosa” atuando para adulterar os registros de vacinação do ex-presidente e de sua filha mais nova, Laura. Parte das evidências listadas pelo magistrado foram obtidas a partir de acesso ao celular de Mauro Cid, que teve seu sigilo telefônico quebrado em maio do ano passado em investigação relacionada a inquérito vazado do Tribunal Superior Eleitoral.
De acordo com a PF, as adulterações no cartão de vacinação teriam como objetivo viabilizar viagens aos Estados Unidos, que cobram um passaporte sanitário a visitantes estrangeiros. A corporação também aponta que as possíveis fraudes buscavam manter a coesão da imagem do ex-presidente como um opositor à imunização contra o coronavírus.
Além dos cartões de Bolsonaro e Laura, estão sob suspeita os registros de Mauro Cid, sua esposa e filha. A Polícia Federal aponta como possíveis crimes associados aos atos investigados a infração de medida sanitária preventiva; associação criminosa; inserção de dados falsos em sistemas de informação; e corrupção de menores.
Depoimento à Polícia Federal
Bolsonaro se recusou a depor à PF sobre o caso das vacinas. A defesa do ex-presidente conta com a admissão de culpa de Mauro Cid no episódio, mesmo que o tenente-coronel tenha ficado em completo silêncio durante sua primeira oitiva na polícia. Os advogados do ex-presidente trabalham em hipóteses de desvinculá-lo do escândalo e evitar que ele se some a uma lista que tem movimentado sua agenda desde que ele retornou ao país.
Bolsonaro é acusado em 16 ações no TSE, o mais avançado trata sobre a reunião do então presidente com embaixadores em evento no Palácio do Planalto para criticar, sem provas, o sistema eleitoral brasileiro e as urnas eletrônicas já durante o período de campanha. Caso seja condenado, ele pode ficar inelegível.
O ex-presidente já esteve tête à tête com a PF duas vezes em pouco mais de um mês desde que retornou ao Brasil após temporada pós-eleitoral nos Estados Unidos. No primeiro, ele falou durante mais de duas horas em depoimento sobre o caso das joias sauditas. Na ocasião, ele defendeu que só ficou sabendo dos itens milionários que, supostamente, entraram no país de forma ilegal, após um ano que elas já estavam no Brasil e não se lembra de quem o contou sobre o caso.
Depoimento sobre atos do 8 de janeiro
Na semana passada, Bolsonaro voltou à PF para falar sobre uma postagem feita dois dias após os atos terroristas em Brasília no dia 8 de janeiro. Em seu perfil no Facebook, o ex-presidente publicou um vídeo questionando o resultado eleitoral e apagou horas depois. Segundo a defesa, ele se confundiu com os mecanismos da plataforma por estar sob efeito de morfina.
Para ampliar o enrosco de Bolsonaro com a Justiça, na quinta-feira (4/5), o STF formou maioria para decretar inconstitucionalidade no decreto de indulto conferido pelo ex-presidente ao ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB). O então parlamentar foi condenado à prisão e à perda dos direitos políticos pela Suprema Corte em abril do ano passado após publicar declarações contra o judiciário. Como gesto de condescendência ao aliado, Bolsonaro lhe concedeu o perdão presidencial menos de 24 horas depois.
Esforços infrutíferos de articulação e revés
O governo Lula sofreu sua primeira derrota no Congresso Nacional na última quarta-feira, quando trechos de dois decretos que alteravam a regulamentação do marco legal do saneamento básico foram derrubados na Câmara dos Deputados. A oposição à proposta governista contou com quase toda a base do MDB, União Brasil e PSD, legendas necessárias para que o governo consiga aprovar pautas importantes no Legislativo.
O desalinho entre o governo federal e o Congresso é apontado como fruto de uma demora em determinar os destinos das emendas ao Orçamento, mecanismo central na negociação por votos entre os poderes. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) já se manifestou sugerindo que o Executivo acelere a distribuição de emendas parlamentares em detrimento à estratégia de distribuição de ministérios adotada por Lula.
O cenário de urgência para o governo se dispõe em meio a necessidade de aprovar pautas importantes para o restante do mandato e para cumprimento de promessas eleitorais, como o arcabouço fiscal e a reforma tributária.
PL das Fake News
Também nesta semana, Lira retirou de pauta o Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como o PL das Fake News, a pedido do relator da proposta, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB- RJ). Apontado como tema crucial para a equipe de Lula, a regulamentação das redes sociais a partir deste texto ganhou força nas cruzadas contra os ataques antidemocráticos de 8 de janeiro e na circulação de conteúdos relativos a ataques em escolas.
O PL, no entanto, sofreu forte rejeição da oposição, incluindo parlamentares bolsonaristas que o associam à censura. Aliados às grandes empresas de tecnologia, os deputados formaram uma base e uma narrativa de que a proposta tornaria o uso da internet restrito e de menor qualidade no Brasil. Prevendo uma derrota em um tema nevrálgico, o governo recorreu a Lira para adiar a decisão sobre o projeto.
Ainda não há um prazo para que o PL das Fake News ou outras pautas do governo retornem à pauta do Congresso, mas a sinalização dos últimos dias é de que Lula terá desafios para aprovar pautas caras à sua gestão, mesmo após mais de cinco meses à frente do país.