Esses aditivos, por meio da estatal federal Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), tratam principalmente da prorrogação ou "reinício" de 12 contratos cujos valores originais somam cerca de R$ 180 milhões para obras nos estados de Amapá, Bahia, Ceará, Paraíba, Sergipe e Tocantins.
Dois desses contratos do Amapá já foram atacados por fiscalizações do TCU e da CGU. Os auditores encontraram nas obras desvios, superfaturamentos e falta de projeto, entre outras irregularidades.
Além das irregularidades nos contratos aditivados, o TCU e a CGU já apontaram irregularidades graves em várias outras obras da Engefort, levando a própria Codevasf a abrir procedimentos internos. A estatal já afirmou que suas apurações podem levar a pedidos de ressarcimento à Engefort. No Maranhão, por exemplo, as acusações são de desvios com "sarjetas fantasma" nas obras.
A Codevasf foi entregue pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) ao centrão e é mantida dessa forma por Lula em troca de apoio no Congresso, no chamado toma lá dá cá.
Presidente da estatal desde 2019, indicado pelo líder da União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), o engenheiro Marcelo Moreira foi mantido pela gestão Lula no cargo. O novo governo promove mudanças em diretorias e nas superintendências estaduais para conseguir apoio no Congresso Nacional.
A Engefort, construtora maranhense sediada em Imperatriz (a 630 Km de São Luís), chegou a dominar licitações de pavimentação da Codevasf na gestão Bolsonaro, muitas vezes participando sozinha ou na companhia de uma empresa de fachada, como revelou a Folha.
A maior parte dos contratos da estatal com a empreiteira foi abastecida por emendas parlamentares.
Três das obras que receberam aditivos em 2023, orçadas em R$ 90 milhões, foram indicadas pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Em um dos casos que envolveu emendas de relator de autoria de Alcolumbre, técnicos do TCU já chegaram a apontar inclusive direcionamento pelo congressista em favor da Engefort.
Em ofício que enviou à estatal no qual escolheu as cidades a serem beneficiadas e o tipo de pavimento que elas receberiam, Alcolumbre anexou até uma planilha com o timbre da construtora.
Já o relator do caso, o ministro Jorge Oliveira, não viu favorecimento de Alcolumbre à Engefort. O ministro acatou o argumento de que a construtora havia ganhado todas as licitações de diferentes tipos de pavimentação no Amapá, e assim de qualquer forma levaria os contratos no estado.
A construtora também já fez uma reunião na Codevasf com Alcolumbre, sem registro em ata.
Em 22 de setembro de 2021, o senador e Fernando Teles Antunes Neto, gerente comercial da Engefort, tiveram encontro com o presidente da Codevasf, Marcelo Moreira.
Em relatório divulgado neste ano, a CGU afirmou que ainda não havia definição sobre quais ruas seriam pavimentadas em duas destas obras apadrinhadas por Alcolumbre, cerca de dois anos após a assinatura dos contratos.
Além de atrasos, a controladoria aponta sobrepreço (R$ 1,4 milhão), superfaturamento (R$ 592,5 mil) e outros prejuízos no valor de R$ 1,9 milhão, como em falhas no dimensionamento das pavimentações. Ou seja, irregularidades de cerca de R$ 3,9 milhões.
Um dos contratos para o Amapá foi assinado em 2021 e recebeu três aditivos no governo Lula, em janeiro, fevereiro e abril.
Ao fim do governo Bolsonaro, o contrato tinha valor de aproximadamente R$ 28,8 milhões, mas, com os aditivos assinados em janeiro e abril, o montante subiu para cerca de R$ 29,2 milhões.
Já o adendo de fevereiro prorrogou o prazo do contrato em dez meses.
Um dos aditivos na Paraíba, chegou a apontar o "reinício do contrato". Os aditivos de abril prorrogaram os prazos para mais um ano.
Fiscalização feita em setembro de 2022 pela CGU ainda encontrou falhas no asfalto pago com as emendas de Alcolumbre. Fotos da auditoria em Macapá (AP) mostram que parte do piso se deslocou para a extremidade da pista, formando fendas perto do acostamento.
Dos 12 contratos que receberam aditivos, ao menos quatro têm 0% de execução, segundo informações da Codevasf.
A obra mais adiantada no grupo que recebeu aditivo em 2023 está 87% concluída e custou R$ 2,5 milhões, enquanto o segundo contrato mais avançado tem 33% de execução.
O site da Codevasf não mostra dados sobre duas obras. Uma delas, no Ceará, também virou alvo da CGU. O órgão afirma que o orçamento desse contrato de R$ 18,45 milhões inclui serviços de R$ 7,2 milhões que não serão feitos, como o destocamento de árvores.
Depois de a Folha mostrar a que a Codevasf trouxe para dentro da gestão Lula empresas e práticas investigadas por órgãos de controle, a Secom (Secretaria de Comunicação Social) publicou uma nota no site "Brasil contra fake" afirmando que o governo não está "envolvido" com o "cartel do asfalto".
Questionada na semana passada sobre a Codevasf ter ampliado contratos com a Engefort mesmo após ressalvas de órgãos de controle, a Secom não se manifestou.
ESTATAL DIZ QUE ADITIVOS BUSCAM CONTINUAR OBRAS E APROVEITAR RECURSOS
Procurada pela Folha, a Codevasf afirmou que "os aditivos mencionados referem-se a dilatações de prazo". "A prorrogação de prazos assegura a continuidade da prestação de serviços e o emprego efetivo de recursos orçamentários já empenhados", disse.
A estatal negou que tenha ocorrido aumento do valor de um dos contratos do Amapá por meio de aditivo.
Segundo a estatal, o aditivo "refere-se à formalização de pagamento do valor indenizatório relacionado a reequilíbrio econômico-financeiro". "O reequilíbrio tem por objetivos manter as condições efetivas da proposta aprovada em licitação pública e restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente."
Sobre a fiscalização da CGU, a estatal sustentou que "tem adotado medidas para ajustar processos com vistas ao atendimento a apontamentos de relatórios de auditoria, inclusive em relação a valores".
Em nota, a Engefort afirmou que repudia "veemente quaisquer alegações de indícios formação de cartel, conluio e fraude existentes nos certames licitatórios em que participou" e "não compactua com quaisquer ilicitudes".
A empresa informou que "todas as respostas necessárias serão apresentadas aos órgãos responsáveis".
O senador Davi Alcolumbre afirmou que "acompanha e espera que os órgãos de controle, no papel de auxiliares do Congresso Nacional, como o TCU, exerçam sua missão nos processos instaurados para fiscalizar as denúncias de irregularidades, considerando que a Codevasf é a empresa responsável por todo o processo de execução orçamentária e de implantação das obras realizadas com recursos de emendas parlamentares destinadas com a finalidade de atender ao interesse público".