Brasília – Diante das dificuldades para formar base no Congresso Nacional, os articuladores políticos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisaram entrar em campo ontem e ceder ao Congresso Nacional para desarmar uma bomba de R$ 19 bilhões na medida provisória do Bolsa-Família. Uma emenda do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) buscava, na prática, permitir que famílias acumulassem o recebimento do Bolsa-Família com o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. Para evitar a aprovação dessa mudança, que teria efeito imediato nas contas públicas, o Executivo precisou concordar com uma autorização para que o tema seja regulamentado no futuro. O meio-termo minimiza e adia o impacto fiscal, mas o Congresso já avisou que vai cobrar a implementação.
O BPC é um benefício no valor de um salário mínimo (hoje em R$ 1.320) e seu recebimento é contabilizado no cálculo da renda familiar por pessoa, de acordo com a MP editada por Lula.
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Petista é retirado de voo para inspeção e acusa Polícia Federal de racismoLula sobre retirada de grades do Planalto: 'Democracia não precisa de muro'Randolfe afirma que CPMI deve ser instalada na próxima semanaCom problemas em sua base aliada no Congresso, o governo temeu sofrer uma derrota, que teria forte impacto nas contas públicas. O custo da mudança seria de R$ 19 bilhões apenas neste ano, segundo cálculos do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Articuladores do Palácio do Planalto foram escalados para resolver o impasse. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), foi à comissão mista em que a MP era analisada para tentar convencer Vieira a retirar o destaque.
O senador tentou emplacar outro acordo, para excluir do cálculo da renda apenas o BPC pago às pessoas com deficiência. Isso limitaria o impacto a R$ 11 bilhões, segundo Vieira. O governo, porém, seguiu resistindo. Sem garantia de vitória no voto, o Executivo propôs mudar a redação do texto e incluir uma permissão, não obrigatória, para que haja futuramente o desconto de faixas percentuais do valor do BPC recebido por pessoas com deficiência dessa base de cálculo do Bolsa-Família. Na prática, a medida facilitaria a esse público acessar os dois benefícios.
A proposta agradou aos parlamentares defensores da emenda, e houve acordo para a retirada do destaque. Com isso, não há impacto imediato nas contas do governo, mas os senadores já avisaram que vão cobrar do governo a implementação da nova política, o que pode gerar custos no futuro. “Cada etapa vencida é uma etapa vencida em benefício dos brasileiros e, agora, com o compromisso do governo federal de fazer essa implantação em faixas progressivas, na forma do regulamento, a gente já ganha a possibilidade de, a partir de amanhã, a gente começar a cobrar para que tenha esse atendimento o mais breve possível”, disse Vieira durante a votação.
A concessão na MP do Bolsa-Família ocorre no momento em que o governo enfrenta dificuldades na consolidação de uma base aliada no Parlamento. No início do mês, o governo Lula sofreu uma derrota após a Câmara derrubar trechos de decretos presidenciais que alteravam dispositivos do Marco do Saneamento, aprovado em 2020, na gestão de Jair Bolsonaro. O relatório da MP do Bolsa-Família já havia passado por concessões. Uma das principais mudanças feitas pelo relator foi a inclusão de lactantes no público-alvo do benefício adicional de R$ 50 por mês. O texto original estendia o bônus para crianças e adolescentes de 7 a 18 anos e gestantes.
Esquerda quer mudanças
Uma coalizão de partidos de esquerda que inclui PT, Psol, Rede e PSB decidiu reunir propostas que mudam de forma significativa o novo arcabouço fiscal com o objetivo de destravar despesas nos próximos anos. Entre as sugestões, estão remover o Bolsa-Família do limite orçamentário a ser criado pelo texto e permitir um maior crescimento dos gastos. As propostas liberariam de forma considerável recursos públicos ao longo da vigência do novo arcabouço fiscal. Com isso, comprometeriam os planos do ministro Fernando Haddad (Fazenda) de buscar a eliminação do déficit em 2024 e, por consequência, a estabilização do endividamento público.
As propostas foram debatidas em reunião na tarde de ontem entre representantes dos partidos na Câmara e ainda podem sofrer pequenas modificações. A intenção do grupo é apresentá-las ao relator do arcabouço Claudio Cajado (PP-BA) na próxima segunda-feira. Além de considerar o Bolsa-Família uma exceção ao limite de despesas da nova regra fiscal, os partidos propõem que os gastos federais possam subir mais fortemente em termos reais. A sugestão é autorizar uma elevação de até 4,5% sobre o ano anterior (em vez de 2,5%, como previsto na proposta enviada pelo governo).
As siglas também querem aumentar o quanto as despesas podem crescer em relação às receitas. Em vez de 70% da arrecadação registrada em 12 meses terminados em junho do ano anterior, o percentual seria de 90%. Os parlamentares do grupo também querem ampliar o intervalo de tolerância para atingir a meta de superávit do ano. Em vez de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo, o texto autorizaria uma banda de 0,5 ponto percentual.
Segundo o deputado Pedro Uczai (PT-SC), já há conversas com Cajado e ele mesmo apresentou ao relator a ideia de elevar os números. “Estamos querendo ajudar o governo, melhorar o arcabouço fiscal e melhorar as condições para retomada do crescimento econômico e social do nosso país”, disse.PSB promete votos ao governo
Brasília – O Palácio do Planalto fez ontem a primeira da série de reuniões entre ministros e líderes de partidos no Congresso Nacional para tentar melhorar a articulação política, após derrotas, como as mudanças no marco do saneamento e o adiamento da votação do projeto de combate às fake news. Representantes do PSB na Câmara afirmaram, após encontro com vice-presidente da República e ministro e com o ministro de Relações Institucionais, que o partido votará de forma unânime com o governo em temas como o novo arcabouço fiscal. Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, é filiado ao PSB.
“O bloco está firme com o presidente Lula. O PSB vai estar com o governo. Somos governo, literalmente governo”, afirmou o líder do partido na Câmara, Felipe Carreras (PE). O “bloco” mencionado é a composição de legendas articulada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que inclui PP, União Brasil, PSB, PDT, PSB, Solidariedade, Patriota, Avante e a federação Cidadania-PSDB. No total, são 175 deputados, que abrange base do governo e oposição.
A presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), disse que o PSB precisa seguir o governo nas votações, inclusive, nos casos em que o bloco tomar aminho contrário. “Quem está no governo tem que estar com o governo. O que deixei claro é que achava que não podia ter opção entre governo e bloco. É governo”, afirmou. O presidente do PSB, Carlos Siqueira, disse após a reunião de ontem o partido tem “compromisso indiscutível” com o governo, porque tem o vice-presidente como filiado. A legenda comanda os ministérios da Justiça (Flávio Dino), Portos e Aeroportos (Márcia França) e Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Alckmin). Siqueira e Carreras dissem também que o PSB, que tem 14 deputados, entregará ao governo os votos favoráveis à aprovação do novo arcabouço fiscal. (Folhapress e outras agências)
Reforma tributária
Com a articulação do governo ainda claudicante, o grupo de trabalho da reforma tributária deve atrasar em ao menos 15 dias a apresentação do relatório. A previsão era de ter um primeiro texto na próxima terça-feira. O adiamento se dá em função das dificuldades de tramitação do arcabouço fiscal, também ainda sem texto final. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), condicionou uma votação à outra, priorizando o novo marco das contas públicas. Pela projeção inicial, o arcabouço deveria ter sido votado ontem, mas ainda não há consenso sobre a proposta.
O relator da reforma, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), disse a interlocutores que deve aguardar ao menos 15 dias após o fim do prazo do grupo de trabalho para apresentar seu texto. Com isso, espera evitar que a proposta seja exposta muito longe da votação e fique “apanhando” nesse período. O presidente do grupo, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), minimizou o impacto da desarticulação da base governista. Segundo ele, esses 15 dias, na verdade, compensam as sessões que não ocorreram no início do ano. O grupo foi instituído por Lira em 19 de fevereiro, mas a primeira reunião só aconteceu em 3 de março.
De acordo com o deputado, essas semanas serão utilizadas para fazer o debate político com governadores e outros atores interessados na reforma. A última oitiva da série de audiências públicas organizadas pelo grupo de trabalho será realizada. “Essa não é uma reforma do governo, é uma reforma do Estado. A articulação do Planalto não interfere; já temos 400 votos para aprovar”, garante Lopes.
Essa não é a primeira vez que a leitura do relatório do grupo de trabalho é adiada. O plano de trabalho aprovado no início do ano legislativo previa sua votação já em 5 de maio.