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Estado de Minas Relações internacionais

Busca de reparação na África

Presidente Lula vai intensificar agenda com países africanos em viagens ao continente. Especialistas veem repetição de estratégia e colocam resultados em dúvida


14/05/2023 04:00

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República
Chefe do Executivo brasileiro pretende estreitar laços com nações de língua portuguesa e os Brics (foto: Daniel Leal/AFP)


Após viagens por países como Argentina, Uruguai, Estados Unidos, China, Portugal, Espanha e Reino Unido e de participar do G7 no Japão no próximo dia 20, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dará continuidade à agenda internacional. Dessa vez, o chefe do Executivo deverá visitar a África em ao menos duas ocasiões com o objetivo de estreitar as relações Sul-Sul. Em julho, participará da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em São Tomé e Príncipe, e em agosto, dos Brics, grupo de países que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Lula deve ainda visitar outros países africanos, como Angola e Moçambique, mas o roteiro ainda não está fechado, segundo interlocutores palacianos.

A intenção do petista era visitar a região já no começo de maio, o que acabou adiado por conta da agenda apertada. No começo do mês, ao receber a visita do primeiro-ministro de Cabo Verde, José Ulisses Correia e Silva, o chefe do Executivo destacou que a África, com 1,2 bilhões de habitantes, voltará a ser uma prioridade para o país. No governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a região foi desprezada e chegou a fechar postos de embaixadas. Nos dois primeiros mandatos, Lula foi ao continente africano em 12 ocasiões e passou por 21 países.

“Em meus dois primeiros mandatos, promovemos o reencontro do Brasil com o continente africano. Visitei a África 12 vezes, fui a 21 países e visitei Cabo Verde em duas ocasiões. Agora a África voltará a ser uma prioridade para o Brasil, sobretudo o relacionamento com os países africanos lusófonos”, declarou na data da visita de Correia e Silva ao Brasil. Em fevereiro, em visita a Washington, o presidente citou que a visita ao continente é uma “reparação histórica e obrigação humanitária”. O Brasil possui cooperação com a África em áreas como educação, agropecuária e saúde.

“O Brasil deve muito da sua cultura ao continente africano. É uma dívida que não pode ser paga em dinheiro, ela tem que ser paga em troca de ciência e tecnologia”. Na última semana, em fala semelhante, disse que “o Brasil deve muito para a África, não em dinheiro. O Brasil deve 300 anos de escravidão. A gente não pode pagar em dinheiro, a gente paga em gratidão, com transferência de tecnologia”.

Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) do Ministério da Economia, o saldo de comércio entre Brasil e do continente africano foi de US$ 15,911 bilhões, cerca de R$ 80 bilhões em 2021. De janeiro a outubro de 2022, o saldo havia sido de US$ 17,254 bilhões, com uma alta de 36,9% comparativamente com o mesmo período do ano anterior. Açúcares e melaços lideraram a pauta exportadora para o continente africano, além de milho, óleos combustíveis, soja, carnes de aves, veículos rodoviários e máquinas agrícolas.

Mariana Cofferri, analista de Relações Internacionais, destaca que entre as principais vantagens da retomada de Lula na agenda de relações Sul-Sul está a de atrair um maior investimento econômico do continente. Outro ponto vantajoso, relata, é a retomada do protagonismo brasileiro nas mesas de decisões. “É uma árdua tentativa de reviver a era de ouro da cooperação Sul-Sul e a ascensão brasileira na comunidade internacional. Porém, é preciso que Lula busque a contrapartida e a reciprocidade em cada uma dessas visitas, desvinculando o caráter meramente ideológico. É salutar levar uma agenda, principalmente econômica e de investimentos bem consolidada para ser debatida”, destaca.

“Lula deverá se atentar a manter o histórico do pragmatismo político e diplomático brasileiro, sem excluir a possibilidade de realização de acordos multilaterais e bilaterais, independente dos alinhamentos políticos assegurando a pluralidade da agenda comercial e econômica, principalmente ao que se refere à retomada dos debates e negociações de Acordos ainda pendentes, como o Mercosul-União Europeia”.

Ela recorda ainda os serviços de empreiteiras brasileiras no continente africano com escândalos da Lava-Jato. “A retomada da agenda, em especial com Moçambique e Angola, traz à tona os escândalos de corrupção que deram origem à Operação Lava-Jato, decorrente dos investimentos brasileiros da Odebrecht ocorridos durante os primeiros governos Lula. É preciso que o governo crie mecanismos e fomente políticas anticorrupção, no plano nacional e internacional, para se desvincular desse cenário”.

Países não-alinhados

Wagner Parente, consultor em relações internacionais e colunista do Estado de Minas, reforça que, nas antigas gestões do petista, a parceria Sul-Sul contribuiu para o Brasil ganhar proeminência em influência no continente africano e em foros internacionais. Porém, destaca, a conjuntura internacional é diferente.

“No passado, essa aproximação foi muito baseada no financiamento às exportações de serviços, ou seja, ao financiamento das construtoras no continente africano principalmente da Odebrecht. Agora não. Nós não temos mais esse instrumento, pode ser que volte. Principalmente um país como Moçambique e Angola que falam português também, mas a gente precisa ver exatamente como será essa aproximação. Porque pode ser só discursiva. Mas pode ser também que tenha algumas implicações mais práticas, por exemplo, como o retorno ao financiamento dessa exportação de serviços e aí, evidentemente, isso tem um impacto muito maior do que só o discurso”.

“Existe sim, ao que parece, no governo brasileiro, a intenção de voltar com o financiamento a exportação de serviços, mas não tem nenhuma medida concreta ainda nessa direção”, acrescenta Parente. Como ponto negativo, ele aponta a dispersão do foco da política externa também em relação a acordos como Mercosul e União Europeia.

Ricardo Mendes, sócio da Prospectiva e responsável pelas operações internacionais da consultoria, analisa que a agenda faz parte da estratégia do assessor especial internacional de Lula, Celso Amorim, em recriar um movimento de países não alinhados. “Desde a Dilma, o Brasil deixou qualquer tipo de liderança internacional em segundo plano. Lula tenta resgatar isso buscando fóruns onde o país possa efetivamente ter voz, como na CPLP. Amorim gostaria de ampliar o grupo dos Brics e transformá-lo em um novo G7. Mas precisa alinhar com os chineses que têm outros planos para o bloco, até porque conseguem projetar poder unilateralmente. Em comparação, o Brics tem uma importância geopolítica e econômica grande. Já com a CPLP é mais uma agenda diplomática. O Brasil tem pouco a oferecer para esses países. Não vão conseguir fazer muita coisa. Não estamos mais em 2002”, critica.

O cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, corrobora que a viagem é uma continuidade das gestões anteriores do chefe do Executivo, com enfoque na América Latina e nos países da África. Mas rebate que o presidente enfrenta crises internas ainda não resolvidas, como a falta de uma base sólida no Congresso.

“Temos ligações históricas com a África por conta dos seus povos que foram escravizados. Mesmo que São Tomé e Príncipe não seja um país tão relevante economicamente, há que se levar em consideração as dimensões culturais e de parcerias no campo da ciência, tecnologia e educação. Além disso, Lula, ao viajar, sai do foco de um governo com dificuldades no plano interno, no Congresso. A crítica é que ele pode estar viajando muito e, ainda, sem uma base sólida que garanta governabilidade interna”.

O que é a CPLP

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) foi criada em 1996 e conta atualmente com nove estados membros: Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste e tem como objetivos centrais a concertação político-diplomática, a cooperação em todos os domínios e a promoção e difusão da língua portuguesa. A CPLP está erguida sobre princípios que, na perspectiva brasileira, são essenciais. Em primeiro lugar, as decisões são tomadas por consenso, o que lhes confere legitimidade inquestionável. Em decorrência disso, o diálogo entre os membros se dá de forma horizontal e democrática, com reconhecimento e respeito às assimetrias existentes.


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