Brasília – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer blindar o Bolsa-Família, principal programa social do governo federal, e o aumento real do salário mínimo contra as restrições impostas pelo projeto do arcabouço fiscal em tramitação no Congresso Nacional.
O relator da proposta, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), já avisou ao Planalto que pretende incluir no texto a proibição de novas despesas se houver descumprimento das novas regras fiscais.
Lula se reuniu ontem com os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e também com líderes de partidos da base para discutir o projeto. A expectativa do governo é votar a proposta nesta semana.
Ele orientou Haddad e articuladores do governo no Legislativo para garantir que os reajustes do Bolsa-Família e do mínimo fiquem fora das sanções do arcabouço.
"Se houver encaminhamento de acordo, o relatório espelhará exatamente o que pensa o conjunto da Câmara, e não haveria necessidade de emendas, destaques. Mas essa decisão cabe ao colégio de líderes"
Cláudio Cajado (PP-BA) relator do arcabouço fiscal
Lula, entretanto, disse aos auxiliares que aceita a inclusão de outros gatilhos para evitar aumento de despesas, como não conceder reajustes reais para servidores, suspender concursos públicos e novos incentivos fiscais. Para o ano que vem, a meta é já zerar o déficit público.
Para 2025, a expectativa é de superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto, e no ano seguinte superávit de 1% do PIB. O petista cobrou do PT ontem também fidelidade nas discussões do arcabouço. Durante a reunião com ministros, ele afirmou que o partido do presidente não pode se opor a uma proposta apontada como crucial para o sucesso de sua gestão.
Segundo participantes do encontro, Lula reproduziu argumento apresentado na semana passada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de que não seria possível exigir apoio de outros partidos, até mesmo da base, sem o endosso do PT à proposta.
A Executiva do PT acenou com apoio à aprovação do marco fiscal no Congresso Nacional, comprometendo-se a não apresentar emendas ao texto avalizado pelo governo. Esse desfecho supostamente encerra negociação iniciada na semana passada e arrematada por articulação de Haddad e Padilha, sob a supervisão de Lula.
Após a cobrança do presidente, a bancada do PT participou de uma reunião virtual com o secretário de Política Econômica da Fazenda, Guilherme Mello -de quem ouviu uma mensagem de otimismo.
Falando em nome do Ministério da Fazenda, Melo afirmou que há expectativa de crescimento da ordem de 2,6% para o ano que vem, o que seria boa perspectiva para a atividade, em meio aos temores de membros do partido de que é necessário liberar mais gastos para não deixar a economia arrefecer. O economista ainda minimizou o risco de descumprimento de metas fixadas no arcabouço fiscal.
À noite, foi a vez de Haddad se reunir com integrantes da executiva e da bancada petista. Na reunião, o ministro disse que o governo aumentou a arrecadação sem penalizar a população pobre.
Ele reiterou a orientação de Lula pela preservação da política de valorização do salário mínimo. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que o partido não se manifestaria sem conhecer o relatório a ser apresentado por Cajado.
Na reunião de ontem, ficou definido que o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), vai trabalhar para conter o PT e negociar com os outros partidos de centro-esquerda para evitar apresentação de emendas ao relatório. Cajado tem reclamado de grande parte da resistência ao seu texto vem de parlamentares do PT. Ele já adiantou a interlocutores do Palácio do Planalto que o governo deve solucionar os impasses internamente.
O relatório preliminar de Cajado foi apresentado ontem à noite aos líderes da base aliada e a Lira. Ele informou que os gatilhos serão mantidos no texto final. Este era um dos pontos de impasse durante os debates da proposta, especialmente pela bancada petista. “Essa questão de ter medidas, gatilhos e enforcements é necessário. Nós vamos apresentar no relatório qual seria a graduação que se encaixa melhor. Vão existir gatilhos, movimentos, possibilidades de que haja o perseguimento da meta do ponto de vista da gestão”, explicou Cajado após reunião com Lira e Fernando Haddad.
A ideia é adotar medidas de correção automática de despesas, caso a meta fiscal de um ano não for cumprida. Essas ações seriam graduais, quanto mais longe da meta, maior será o ajuste de rota. Outro fator considerado é a reincidência no descumprimento. De acordo com a lista de ações previstas para o relatório, estariam proibidos reajuste para servidor público, contratação de pessoal, criação de cargos, novos concursos públicos, novas despesas obrigatórias e reajuste desses gastos acima da inflação, além de renúncia fiscal. O relator ficou de avaliar com os lideres como relacionar os itens dessa lista ao de descumprimento da meta.
Sugestões
Contudo, o relator descarta que haverá criminalização dos gestores públicos prevista no texto. “Essa parte de criminalização, essas outras questões ficam de fora do texto, até porque é outra legislação que nós não estamos aqui nos debruçando sobre”, disse Cajado. Na reunião com os líderes, Cajado disse que receberia as últimas sugestões. Caso haja consenso, a votação no plenário da Câmara poderá ocorrer nesta semana. “Se houver um encaminhamento de acordo, eu penso que o relatório espelhará exatamente o que pensa o conjunto da Casa, e, portanto, não haveria necessidade de emendas, destaques. Mas essa decisão cabe ao colégio de líderes”.
Para 2024, a meta é zerar o déficit público. Em 2025, a expectativa é de um superávit de 0,5% do PIB. No ano seguinte, um superávit de 1% do PIB. Há críticas entre especialistas e parlamentares de que não haveria medidas para garantir essas metas. Por isso, o relator passou a desenhar medidas para restringir novos gastos.
Lira diz que ajustes são inevitáveis
Brasília – O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse ontem que o projeto do novo arcabouço fiscal terá que passar por “ajustes” para ser votado no plenário. Ele confirmou que alguns partidos querem a inclusão de mecanismos que comprometam o governo com a meta de resultado primário, o chamado “enforcement”. O primeiro vice-presidente da Casa, deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), divulgou m vídeo defendendo mudanças nesse sentido.
“Os ajustes serão necessários. Nós temos que construir votos no plenário e há determinados partidos que não votarão se o projeto for muito frouxo, for muito flexível, se não demonstrar as amarras e os enforcements necessários”, disse Lira.
"Os ajustes serão necessários. Nós temos que construir votos no plenário e há determinados partidos que não votarão se o projeto for muito frouxo, for muito flexível, se não demonstrar as amarras e os enforcements necessários"
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados
Além do projeto do novo marco fiscal, que pode ser votado nos próximos dias se houver consenso sobre o relatório entre líderes partidários, Arthur Lira disse que devem ser instaladas nesta semana, possivelmente amanhã, as comissões parlamentares de inquérito (CPIs) que vão investigar a manipulação de resultados de partidas de futebol, a fraude nas Lojas Americanas e a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), todas criadas em abril. Lira falou especialmente da CPI do Futebol e defendeu a regulamentação dos jogos no Brasil. “A Câmara já votou a regulamentação, que está esperando a deliberação do Senado há mais de um ano. É importante que a gente regular o setor. Está clara a influência dessas apostas online, que hoje patrocínio 100% dos clubes brasileiros”, disse ele em entrevista à BandNews.
Lira também falou da relação da Câmara dos Deputados com o governo Lula. Após ser questionado, ele afirmou que não há possibilidade de rompimento, mas sugeriu mudanças na articulação governista. “O que eu penso, e apelo, é que o governo precisa de três movimentos: o governo precisa descentralizar, confiar e precisa delegar. Ele descentralizando, acreditando, confiando, melhorará a sua articulação política”, disse.
O deputado reafirmou que o Congresso Naconal não vai apoiar propostas que cancelem leis aprovadas nos governos passados, como a da independência do Banco Central ou o marco legal do saneamento. No início do mês, a Câmara anulou trechos de dois decretos presidenciais que alteravam partes do marco legal.
Outro ponto tratado pelo presidente da Câmara na entrevista foi o projeto que pretende coibir a disseminação de discursos de ódio e notícias falsas na internet. Lira defendeu a regulamentação do que é divulgado por meio das grandes plataformas de internet, preservando a liberdade de expressão, mas disse que ainda não há clima político para votar a matéria.