Aos 73 anos, o ex-presidente e ex-senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) deverá enfrentar na quarta-feira (17/5) mais um episódio de sua movimentada vida política.
Pouco mais de 30 anos depois de ter sido afastado da Presidência da República e ter seus direitos políticos cassados, Collor tem um julgamento previsto em que é acusado de corrupção passiva e peculato no Supremo Tribunal Federal (STF) por um processo derivado da Operação Lava Jato.
A Procuradoria Geral da República (PGR) pede 22 anos de prisão.
Procurada, a defesa de Collor nega qualquer irregularidade e sustenta que ele é inocente.
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Os valores teriam chegado a Collor por meio de dois operadores do ex-senador, também réus na ação.
O suposto ato de corrupção foi apontado por delatores da Operação Lava Jato como o doleiro Alberto Youssef, um dos primeiros a aderir à delação premiada durante as investigações.
De acordo com a vice-procuradora geral da República Lindôra Araújo, além dos relatos dos delatores, teriam sido colhidas provas como e-mails, extratos bancários e outros documentos que comprovariam as acusações.
Segundo o relator do caso no Supremo, ministro Luiz Edson Fachin, as provas colhidas pelo Ministério Público comprovaram que Collor exercia influência sobre o controle da BR Distribuidora e teria exercido seu poder para viabilizar os contratos que renderam o suposto pagamento de vantagens ilegais.
Procurado pela BBC News Brasil, um dos advogados de Collor no processo, Marcelo Bessa, refutou a acusação.
"Estamos confiantes que ele será inocentado. O processo inteiro é baseado nos depoimentos de delatores e não há provas que os corroborem", afirmou Bessa.
O julgamento está previsto para ocorrer na tarde desta quarta-feira, mas não há garantia de que ele deverá ser encerrado hoje. É possível que algum ministro ou ministra peça vista do processo, o que adiaria a decisão.
Se o caso demorar mais tempo para ser julgado, Collor pode acabar se beneficiando da prescrição, que é quando o Estado perde a capacidade de punir alguém em função do tempo decorrido entre o crime e a condenação.
Como Collor tem mais de 70 anos, os prazos para prescrição são reduzidos pela metade.
Caçador de marajás, 'impichado' e inocentado
Para além do julgamento que deverá enfrentar no STF, Collor protagonizou uma carreira política das mais movimentadas e polêmicas desde a redemocratização do país, na década de 1980.
Ele é oriundo de uma das famílias mais tradicionais da política de Alagoas, os Collor de Mello. Sua família tem empresas e emissoras de rádio e televisão no Estado. Com esse prestígio, foi eleito governador de Alagoas em 1986.
Foi eleito como presidente em 1989, nas primeiras eleições diretas à Presidência da República após a ditadura militar, que durou entre 1964 e 1985.
Em sua campanha, fez forte oposição ao então presidente José Sarney (atualmente no MDB) e defendia o fim de privilégios às chamadas elites da burocracia brasileira.
Ao longo da disputa, ele ficaria conhecido como o "caçador de marajás", em alusão a funcionários públicos com altos salários.
Collor venceu as eleições em um segundo turno apertado, disputado contra o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Seu governo, no entanto, foi marcado por diversas turbulências. Na área econômica, sua equipe tentou debelar a hiperinflação que afetava o país na época, mas não obteve sucesso.
Uma das medidas mais controversas adotadas no período foi o confisco da poupança de milhões de brasileiros e brasileiras, em 1990. A medida limitou a quantidade de dinheiro que as famílias poderiam sacar de suas economias e pegou parte da população de surpresa.
Ainda na área econômica, Collor deu início a um processo de abertura do país a produtos importados, especialmente em áreas como a indústria automobilística.
Foi na área política, contudo, que o governo de Collor sofreu os maiores reveses.
Nos primeiros meses de sua gestão, surgiram os primeiros rumores sobre a atuação do tesoureiro de sua campanha à Presidência, o empresário Paulo César Farias, conhecido como PC Farias. À época, os rumores eram de que o empresário teria pedido propina a empresários em troca de vantagens em contratos com o governo federal.
Em 1992, seu irmão, Pedro Collor de Mello, concede uma entrevista à Revista Veja e diz que PC Farias era, na verdade, uma espécie de "testa de ferro" de Collor. As suspeitas eram de que despesas pessoais de Collor eram pagas com recursos de sobras da campanha de 1989. O então presidente negou as acusações.
As declarações deflagram uma crise política que resulta em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as relações entre o presidente e o seu ex-tesoureiro.
A crise se agravou e, em setembro de 1992, foi instaurado um processo de impeachment contra Collor. No dia 29 daquele mês, ele foi afastado temporariamente do cargo.
O caso foi então à votação no Senado. Diante da possibilidade de ter seu afastamento comprovado e ter seus direitos políticos cassados por oito anos, ele renuncia no dia 29 de dezembro. Apesar disso, o Senado aprova o impeachment e cassa seus direitos políticos.
Em 1994, apesar do impeachment, Collor foi absolvido em um processo criminal no STF em que foi acusado de ter tido suas contas pagas por corruptores. Na época, os ministros da Corte alegaram não terem encontrado provas suficientes sobre as acusações.
Volta à política
Em 2002, Collor retornou à cena política. Disputou e perdeu as eleições para o governo de Alagoas.
Quatro anos depois, em 2006, foi eleito senador, cargo para o qual foi reeleito em 2014.
Foi justamente a partir de 2014 que ele, assim como outros políticos do país, passaram a ser alvos da Operação Lava Jato. Ele foi alvo de mandados de busca e apreensão cumpridos pela Polícia Federal no âmbito das investigações conduzidas pela operação.
A partir de 2018, Collor se aproximou e se tornou um grande apoiador do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PL).
Em 2022, já no fim de seu mandato como senador, Collor disputou a eleição para o governo de Alagoas, mas perdeu para Renan Filho (MDB), filho do senador Renan Calheiros — que chegou a ser ministro da Justiça do governo de Collor, nos anos 1990.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que o atual julgamento de Collor no STF terá pouco impacto sobre seu legado.
"Apesar de ter sido o primeiro presidente da República após a redemocratização, o fato de ele ter sido alvo de um impeachment corroeu muito do capital político que ele poderia ter. Além disso, nos últimos anos, ele não se firmou como uma liderança regional representativa", diz o professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing Fabio Andrade, que também coordena o Legislab, uma entidade que pesquisa o funcionamento do Poder Legislativo no Brasil.
Para o professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Antonio Teixeira, ainda que Collor seja condenado, dificilmente uma sentença contrária iria representar uma grande alteração no legado político de Collor.
"Ele tem um passado maior do que qualquer novidade em termos de eventual condenação. Ele renunciou à Presidência da República e ela não foi considerada e nada supera isso. Hoje, ele não tem cargo algum. Se for condenado, o impacto será pequeno", diz Teixeira.
Andrade avalia, no entanto, que uma eventual condenação de Collor por um processo oriundo a Operação Lava Jato seria um fato inusitado.
"Nos últimos anos, a gente viu uma série de decisões judiciais revertendo condenações ou mesmo invalidando processos que tiveram origem na Lava Jato. Seria um fato curioso ter um ex-presidente condenado em um processo de uma operação com um legado tão controverso", disse Andrade.
As controvérsias em relação à Lava Jato se fortaleceram após 2019, quando foram divulgados os conteúdos de conversas supostamente mantidas entre procuradores da República que atuava na operação e então juiz federal (atual senador) Sergio Moro.
Lideranças do PT e de outros partidos de esquerda alegaram que as conversas revelavam uma espécie de conluio entre os procuradores e o então juiz. Tanto os procuradores da Lava Jato quanto Moro negaram qualquer irregularidade.
Nos últimos anos, porém, uma série de decisões reverteram condenações originadas em processos da operação. A mais conhecida delas foi a decisão do STF de anular as condenações contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após a avaliação de que ele deveria ter sido julgado por outras varas que não a vara federal de Curitiba onde Moro atuou.
Para Fabio Andrade, uma eventual condenação de Collor teria, porém, um impacto negativo na cena política.
"Acho que uma possível condenação dele nesse caso, por ser um ex-presidente, reforçaria uma opinião negativa que a população brasileira já tem sobre a classe política em geral", avaliou.
Questionado sobre o que Collor faria caso fosse condenado, o advogado Marcelo Bessa disse que essa hipótese não é cogitada.
"A gente está confiante na absolvição. Não trabalhamos com esse cenário", disse.