Ministros do próprio governo, integrantes do Judiciário, políticos e empresários, entre outros, aparecem nesses diálogos como tendo se reunido com o então presidente da República apesar de nada disso constar na agenda pública.
De acordo com mensagens trocadas entre Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro, e Célio Faria, então chefe do gabinete pessoal do presidente e depois ministro da Secretaria de Governo, um desses encontros ocorreu em 13 de outubro de 2021 na casa do ministro Dias Toffoli, do STF.
Quando Cid escreveu "André Esteves", Célio questionou com um "do BTG?". O ajudante de ordens então confirma ("isso") e emenda: "comprar a Globo...".
"Está falida", escreveu ainda Cid. Célio respondeu com críticas à Globo e a afirmação de que, se fosse para alguém comprar a empresa, seria melhor Esteves do que os "chineses".
Procurado pela reportagem, o BTG Pactual não se manifestou.
Em nota, a Globo afirmou que a emissora "desconhece a realização desse suposto encontro, mas, se existiu e se o tema foi o mencionado, tratou-se de uma fantasia: não há nem nunca houve qualquer intenção de venda do Grupo Globo, cuja saúde financeira é reconhecida pelo mercado".
A reportagem não conseguiu falar com Célio Faria. A defesa de Mauro Cid disse que se manifestará nos autos. A assessoria de Augusto Aras não se manifestou. Toffoli não respondeu ao contato da reportagem.
Outras reuniões não agendadas
Outros encontros que não constam da agenda de Bolsonaro ocorreram com o deputado federal e ex-presidenciável Aécio Neves (PSDB-MG), em 27 de março e em 19 de outubro de 2021, indicam as mensagens dos assessores de gabinete de Bolsonaro.
Aécio afirmou, por meio de sua assessoria, que esteve com o ex-presidente "para buscar apoio do governo para o projeto de quebra de patentes de vacinas do qual foi relator e defendeu como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, e, depois, para discutir a posição do governo em relação aos vetos".
Outro encontro foi com Aras, no Palácio do Planalto, fora da agenda de ambos, em 30 de abril de 2021. A CPI da Covid estava à época em sua fase inicial e, na semana seguinte, começaria a etapa de tomada de depoimentos, com as falas dos ex-ministros da Saúde de Bolsonaro Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello, além do então titular da pasta, Marcelo Queiroga.
Os diálogos entre os assessores, por meio do aplicativo WhatsApp, mostram também um encontro sigiloso entre Bolsonaro e o ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Carlos Horbach, revelado pela Folha de S.Paulo.
Embora a Constituição estabeleça como um de seus princípios o da publicidade na administração pública, não há uma lei específica para o caso das agendas dos presidentes da República, o que leva a situações como a de Bolsonaro e também de seus antecessores.
O decreto 10.889/2021 regulamentou a Lei de Conflito de Interesses (12.813/2013) no ponto que trata da divulgação da agenda pública de compromissos, mas só para ministros de Estado e outras autoridades da administração pública.
O decreto instituiu o e-Agendas, o Sistema Eletrônico de Agendas do Poder Executivo Federal, que passou a ser de uso obrigatório a partir do final de 2022.