Vinicius Doria
Depois de uma maratona de eventos internacionais do grupo Lide, em que ouviu empresários e autoridades tendo o Brasil como centro das discussões, o ex-governador de São Paulo João Doria, hoje sem partido, avalia que o governo federal ainda não encontrou o ponto de diálogo com o empresariado e faz um apelo: “Vamos olhar para a frente. Vamos colocar o Brasil olhando para frente, nada de ficar olhando no retrovisor, fazendo críticas ao passado, não vamos perder mais tempo com isso”. Ele cita, especialmente, o agronegócio: “Não pode haver uma visão de que o agro é bolsonarista, é isso ou aquilo. O agro é do Brasil. É preciso que o governo também compreenda isso e tire completamente da pauta questões ideológicas, partidárias, políticas e a visão do passado”, diz. Doria considera que, para que esse diálogo ocorra, Lula precisa estar mais presente no Brasil ou delegar mais ao vice, Geraldo Alckmin, que governou São Paulo por 16 anos. Ele também fala das dificuldades de negociação entre governo e Congresso e elogia a decisão de Lula de priorizar a agenda ambiental. “O Brasil deu um salto numa pauta onde a deficiência era total, era um zero à esquerda”, diz, ao lembrar a “vergonha” que passou, por ser brasileiro, na cúpula do clima de Glasgow, quando o presidente era Jair Bolsonaro.
"O agro tem que estar ao lado do governo e o governo ao lado do agro. Não pode haver uma visão de que o agro é bolsonarista, é isso ou aquilo. O agro gera milhares de empregos, gera renda"
O senhor vem de uma temporada de reuniões do Lide, com ministros, presidentes do Senado, da Câmara, em Nova York, Londres, Lisboa. Qual a principal mensagem desses encontros?
E ainda vamos ter este ano, em Washington, um grande encontro com Bird, Banco Mundial, o IFC (International Finance Corporation); e, depois, em novembro, um grande evento em Shanghai, na China. O grande fator que motiva esses encontros é o Brasil, realizarmos projetos, programas e debates que possam apresentar o Brasil como bom destino para investimentos internacionais. Investimentos na área industrial, comercial, setor de serviços, tecnologia. O setor de saúde e também na infraestrutura dos municípios e dos estados. E tenho como referência que há um desejo manifesto do empresariado brasileiro por um bom dialogo com o governo e, a meu ver, ainda falta intensificar esse diálogo. Acredito que o governo Lula, não apenas através do seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas também por outros ministros, precisa intensificar o diálogo com o setor privado, setor produtivo, setor do agronegócio, setor financeiro, setor da indústria, do comércio, no campo de serviços de forma geral. Ainda falta um pouco de diálogo. Acho que pode se intensificar esse diálogo na busca de soluções comuns para o bem do Brasil.
O governo Lula entrou com muita expectativa, veio uma tentativa de golpe de janeiro, depois, houve um embate, que parece que se mantém, em torno alas ideológicas dentro do governo. E agora temos a reta final desse primeiro semestre com a questão do arcabouço fiscal e reforma tributária. Como é que os atores que participaram desses eventos avaliam essa gangorra que tem sido esses primeiros seis meses do governo Lula?
Primeiro um elogio, ao esforço pessoal do ministro Fernando Haddad, na busca do entendimento para o arcabouço fiscal e também do enunciado da reforma tributária. Vale uma outra positiva ressalva às manifestações pacificadoras do ministro na relação com o Banco Central e, especialmente, com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Louvo essa postura até porque tem sido um pouco isolada como comportamento de governo. Eu gostaria que fosse multiplicada, compartilhada pelo governo Lula como um todo. Ou seja, mais exemplos de diálogo e pacificação e menos exemplos de distanciamento e confronto. Se seguirmos esta boa linha de conduta do ministro da Fazenda, entendo que o resultado será melhor, os erros serão minimizados, e o potencial de acento será ampliado. E essa conduta econômica do governo pode pautar o resultado da administração de Lula. Se o governo tiver êxito na parte econômica, será um governo bem avaliado. Não apenas pelo setor produtivo, mas pela população de forma geral. Vale lembrar que um país que prospera, gera novos negócios, amplia a oportunidade de empregos, melhora a renda dos brasileiros, reduz o custo do estado no âmbito social, melhora a percepção dos mercados internacionais e coloca a bandeira da prosperidade desfraldada no país como um todo. Portanto, espero que este seja o caminho adotado e fortalecido pelo governo, mais diálogo, mais entendimento, mais busca por pontos comuns, que atendam ao interesse, majoritário de todos, menos política, menos confronto, menos ideologia, talvez até menos partidarismo sejam contributivos para o Brasil que todos desejamos.
Não lhe parece anacrônico que essa interlocução política esteja sendo feita pelo ministro Fernando Haddad e não pela interlocução institucional no Congresso?
É preciso definir isso com mais clareza, mas essa é uma competência do governo Lula e do próprio presidente. Ele tem que ter sensibilidade, atenção para isso. Talvez falte mais a presença do presidente aqui. Ele tem tido uma agenda intensa de viagens internacionais. Não sou contra o restabelecimento ou a reinserção do Brasil na diplomacia internacional, o Brasil se tornou, durante o governo Bolsonaro, um país isolado. Lula quer reinserir. Mas precisa ter um esforço adicional, também aqui, ou delegar isso a quem merecer conduzir esse processo para evitar dicotomias. Ou seja, o ministro da Fazenda tem um discurso, o presidente do partido que representa o governo tem outro, e ministros do próprio governo tem posições antagônicas. Isso não é saudável. Repito, o ministro da Fazenda tem tido um esforço louvável, de diálogo constante com o setor produtivo. Obviamente, que ele reproduz uma parte desse sentimento. O outro é o diálogo com o povo, com a população de forma geral, mesmo não sendo representantes dos setores produtivos, mas falta um pouco mais de harmonia. Creio que Lula, na volta de sua viagem ao Japão, talvez possa se aplicar um pouco mais, ou delegar, porque se a pauta de viagens continuar intensa, como tem sido demonstrado em seus primeiros cinco meses, vai ser difícil Lula governar e gerenciar as operações aqui no Brasil a distância. Ele terá que delegar, por exemplo, ao vice-presidente Geraldo Alckmin, que tem a experiência consolidada, foi governador de São Paulo por 16 anos, talvez delegar ao vice-presidente a conduta e o gerenciamento de temas que hoje estão centralizadamente sobre comando de Lula.
Como observador atento, qual tem sido o maior acerto e o maior erro do governo?
Prefiro me ater aos acertos. Não quero ser crítico do governo, quero ser observador construtivo. Nesse sentido, destaco a pauta ambiental. O Brasil deu um salto numa pauta onde a deficiência era total. O Brasil era um zero esquerda. A sua política ambiental, na propagação de compromissos ambientais. Eu assisti isso presencialmente, fui a COP em Glasgow, a penúltima. Fiquei muito envergonhado de ver, assistir, ouvir e acompanhar manifestações de países do primeiro mundo criticando o desinteresse e a falta de compromisso do Brasil com a pauta ambiental. Isso já mudou. A COP realizada no Egito recentemente, o presidente Lula, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente), e outros representantes do governo deixaram claro o compromisso do Brasil com a descarbonização, com o Race to Zero, com o projeto 2050, da ONU, e com o programa de preservação da floresta amazônica e do território indígena. Este sim, considero como uma vitória concreta, como um caminho, bem direcionado. Obviamente, há um longo caminho a ser perseguido nessa questão ambiental, mas já há demonstração clara, de um compromisso completamente diferente dos equívocos que foram praticados no governo anterior. Então, essa é uma pauta positiva, sensível e o Brasil deu uma demonstração positiva nos últimos meses, bem recebida, inclusive, por países do primeiro mundo, haja visto, as contribuições ao fundo soberano, ao fundo amazônico pelos EUA, pela Alemanha, pelos países nórdicos, e a própria Grã-Bretanha, que já anunciaram destinação de recursos para o fundo amazônico. Essa é uma vitória do atual governo, mas não podemos governar apenas com uma pauta.
E não dá para governar só com discurso, porque a questão ambiental também é, hoje, uma das principais barreiras aos produtos brasileiros do agronegócio, por exemplo. É usada politicamente pelos países que competem com o Brasil e protegem seus mercados. União Europeia, Estados Unidos.
O governo tem que dialogar. O governo não deve confrontar, nem se afastar nem esfriar relações com o agro. Temos que esquecer ideologias, partidos e até um pouco o passado. Se possível, recolher o retrovisor e trabalhar com a visão frontal. Presencial, do hoje e do amanhã. Senão, vamos ficar sempre na situação do conflito, da acusação, do emparedamento. E esse não é um bom caminho. Entendo que o agro tem que estar ao lado do governo e o governo ao lado do agro. Não pode haver uma visão de que o agro é bolsonarista, é isso ou aquilo. O agro é do Brasil. Gera milhares de empregos em todo país, gera renda, é fator econômico que mais impulsiona a economia brasileira no plano mundial, as exportações de commodities seguem avançando. É preciso que o governo também compreenda isso e tire completamente da pauta questões ideológicas, partidárias, políticas e a visão do passado. Vamos olhar para frente. Vamos colocar o Brasil olhando para frente, nada de ficar olhando no retrovisor, fazendo críticas ao passado, não vamos perder mais tempo com isso. Vamos olhar as questões que podem colocar o brasil no patamar de um país em desenvolvimento, atraindo investidores internacionais, dando garantias jurídicas que as regras não serão modificadas, que aquilo que foi desestatizado será mantido assim, que as regras foram debatidas e votadas no Congresso serão obedecidas. Ou seja, segurança jurídica e segurança institucional. Havendo isso, o Brasil será um extraordinário destino de investimentos internacionais e isso vai ajudar o Brasil.
Mas o que se ouve aqui, nos bastidores, é que passado o arcabouço fiscal, o PT pretende retomar a agenda de desestatização, há uma tensão no ar, uma parte deseja rever a desestatização da Eletrobras, tudo o que estava encaminhado para privatizar, foi parado. Como o senhor vislumbra o futuro governo com essa pauta?
Vejo um risco desnecessário. Reanalisar a privatização da Eletrobras para reestatizá-la é uma mensagem péssima para o mundo econômico-financeiro e produtivo mundial. Não é com recado ruim apenas para o Brasil, para as empresas que acreditando na segurança de jurídica, nos procedimentos que foram avaliados pelo Congresso, pelo Tribunal de Contas da União e, seguindo os movimentos que foram realizados com transparência na Bolsa de Valores na B3. Voltar atrás seria colocar em risco a credibilidade do governo e do país na segurança jurídica, porque, quem volta atrás no tema da Eletrobras pode voltar atrás em outros temas também.
Tentou voltar no saneamento e não conseguiu.
Não conseguiu porque o Congresso, a meu ver acertadamente, impediu que isso evoluísse, um equívoco do governo querer rever. O marco do saneamento foi uma conquista para o país ter a oportunidade de empresa de saneamento dos estados recebam recursos privados para sua expansão e melhoria dos seus serviços. E a implantação de serviços, onde milhões de lares brasileiros não têm água nem esgoto, não há recurso público para isso, sabemos, fui governador, falo com conhecimento de causa. A maior empresa de saneamento do país, da América Latina e terceira maior empresa do mundo, é do governo de São Paulo que, aliás, será privatizada. Corretamente privatizada. Nós planificamos isso e acertadamente o governador Tarcísio de Freitas vem dando continuidade e fazendo a modelagem para sua privatização. E deve prosseguir, ele está certo. O que não está certo é o governo querer revisar, voltar atrás em conquistas importantes, o marco do saneamento, a privatização da Eletrobras, a reforma trabalhista. São pontos que não devemos retroagir. Ficar afeito a vocações políticas, intenções partidárias, compromissos ideológicos isso não é bom para o Brasil. Já não foi bom no governo passado, como uma visão de extrema direita para o país, assim como a visão dos extrema esquerda no momento é ainda inadequada. Dialogar sim, não há problema em visões mais à esquerda, mais à direita. Isso faz parte da democracia. O contraditório enobrece, engrandece e aprimora a democracia. Agora, o extremismo piora, enfraquece a democracia, principalmente, a economia.
Lula enfrenta uma situação institucional que não conhecia nos dois mandatos anteriores: um Congresso com muito mais poder, o STF também, e comanda um Executivo mais enfraquecido.
O embate já está definido. O recado dado em Nova York, no fórum que o Lide promoveu, pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, e outros parlamentares que lá estiveram, Fica claro que o Congresso não será conduzido pelo governo nem será fiel cão de aceitação de todas as medidas que o governo deseja, terá que dialogar. E dialogar exige consenso. E não conversar é pior ainda. O Congresso acertou ao dizer: “Não vamos perder o marco do saneamento”. E, posso antecipar, esse é o sentimento da grande maioria dos governadores, a grande maioria é a favor do marco e da privatização de suas empresas de saneamento. Assim como a reforma trabalhista foi importante para o setor privado e abriu várias novas oportunidades para investidores internacionais. Voltar atrás, retroagir, é caminho muito nocivo para o Brasil e um péssimo recado para o futuro.
O senhor pensa em voltar à política?
Não voltarei. E sou peremptório nisso. Não sou mais filiado a nenhum partido e não estou mais na política, o que não significa que tenha mágoa, ressentimentos ou arrependimentos. Tomar a decisão de votar para onde vim, o setor privado. Governei o maior estado do país, venci todas as eleições das quais participei, incluindo as prévias do PSDB, e volto ao setor privado sem mágoas.
Como o senhor vê o PSDB hoje?
Desejo boa sorte ao PSDB.