Brasília - Após a aprovação do pedido de urgência para votação da proposta de arcabouço fiscal, deputados estão articulando mudanças no texto com o relator, Cláudio Cajado (PP-BA). Com votação prevista no plenário da Câmara dos Deputados para esta quarta-feira, até o momento, já foram apresentadas 40 emendas com sugestões de alteração no texto. A maior parte das propostas de modificação foram feitas pelos partidos União Brasil e Psol. Apenas o União Brasil apresentou 26 emendas, enquanto o Psol apresentou 10. Nessas sugestões, por exemplo, alguns parlamentares buscam maior controle de gastos, enquanto outros querem retomar a excepcionalização de determinadas despesas dos novos limites, assim como a proposta original, como o Bolsa Família, considerado essencial pelo governo Lula.
O Psol, que faz parte oficialmente da base do governo Lula no Congresso Nacional, votou contra o pedido de urgência do novo conjunto de medidas fiscais. Na perspectiva do partido, o parecer do relator é excessivamente rigoroso, e o partido busca flexibilizar o texto. O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) é o autor das 10 emendas propostas pelo partido.
No plenário, o deputado Túlio Gadelha (Rede-PE) deu a tônica da federação Psol-Rede na questão. Ele relembrou que o partido colaborou com a composição de governo, indicando Marina Silva ao Ministério do Meio Ambiente, mas que mudanças no texto precisavam ser feitas. “A Rede tentou incluir um texto melhor, propostas melhores no texto. Ainda não sentimos abertura do deputado Cajado. Nós temos a esperança de poder dialogar sobre a matéria e na votação do mérito estar junto com o governo, desde que haja mudanças no texto. O texto que temos hoje espreme os sonhos do povo brasileiro, não consegue aplicar as políticas que o governo do presidente Lula prometeu em sua campanha. Por isso, presidente, nosso partido, junto com o Psol orienta não”, disse o deputado.
Uma das solicitações é que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) não seja abrangido pelas regras estabelecidas no arcabouço fiscal. Previsto para ficar de fora do teto, os recursos foram inseridos nas limitações de gastos nas alterações realizadas pelo relator. Além das emendas que tratam do fundo da educação, há ainda sugestões para reincluir o piso da enfermagem nas excepcionalidades e retirar o programa Bolsa Família dos chamados gatilhos – mecanismos de corte de gastos acionados em caso de descumprimento das metas fiscais ou quando o governo ultrapassa um determinado patamar de despesas. A blindagem do benefício era uma das medidas consideradas essenciais pelo governo e ainda pode render um grande embate político.
REGRAS
MAIS DURAS
Enquanto a base aliada quer afrouxar as regras do arcabouço, parlamentares de centro e da oposição buscam endurecer as balizas. O relator manteve a regra que determina que as despesas não podem crescer acima de 70% do aumento da receita e que os gastos podem oscilar entre uma banda de alta real (acima da inflação) de 0,6% a 2,5% ao ano. Há emendas que sugerem a limitação do crescimento real (acima da inflação) dos gastos públicos e também o bônus de investimento em caso de excesso de arrecadação.
O deputado Felipe Francischini, vice-líder do União Brasil, é responsável pela autoria de nove emendas. Dentre as propostas de ajuste, ele solicita a diminuição do limite de crescimento real da dívida pública de 2,5% para 2%. Além disso, Francischini requer a eliminação do patamar mínimo de 0,6% estabelecido no texto. “Simulações realizadas por economistas e instituições diversas sinalizam que a regra de despesa proposta pode não ser suficiente para estabilizar a dívida em patamar sustentável”, justifica a proposta.
Na última semana, Kim Kataguiri (União Brasil-SP) e Mendonça Filho (União Brasil-PE) apresentaram aos jornalistas alguns dos pontos de maior rigor que o partido colocaria. Entre eles está a proposta de submeter o governo a penalização criminal, caso a Lei de Responsabilidade Fiscal e o equilíbrio das contas públicas fossem descumpridos, algo que o texto de Cajado não prevê. “Se o governo perceber que vai descumprir as metas, ele vai ter a obrigação e o poder de contingenciar aquilo que for necessário para alcançá-las sob pena de crime fiscal”, alertou Kataguiri.
Deputados do PT acordaram que não vão apresentar sugestões de alteração no relatório de Cajado. O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que a bancada deve votar o texto acordado com o relator. O consenso não foi imediato. O líder da bancada do PT, deputado Zeca Dirceu (PT-PR), havia manifestado a intenção de alguns parlamentares de propor mudanças, no entanto, não devem sugerir a reinclusão de pontos que estavam no texto original do próprio governo federal, como as exceções ao Fundeb e ao piso dos enfermeiros.
Há ainda divergências na bancada sobre os gatilhos previstos no texto, que visam obrigar o governo federal a controlar gastos caso não sejam alcançadas do arcabouço – por exemplo, não concedendo aumentos reais em benefícios ou congelando a abertura de novas vagas de emprego no setor público. O mecanismo de controle de gastos, incluído pelo relator, incomoda parte dos petistas.
O Ministério da Fazenda e o relator do arcabouço têm se esforçado para articular que a proposta não sofra grandes alterações. Havia uma orientação do governo para que o texto fosse votado sem a apresentação de emendas. Cajado afirmou que examinará todas as sugestões, mas não assegurou que vai incorporá-las ao texto e sugeriu a preferência por submeter o texto à votação sem alterações.
Projeto tem gatilhos para conter gastos
Brasília - O plenário da Câmara dos Deputados vai analisar na quarta-feira o projeto de lei complementar que fixa novas regras fiscais para as despesas da União, o chamado arcabouço fiscal. A medida substituirá o atual teto de gastos. Com o requerimento de urgência aprovado na semana passada por 367 votos a favor e 102, contra, o texto poderá ser analisado em plenário sem passar pelas comissões da Casa. Apesar de haver 40 emendas ao parecer do deputado Cláudio Cajado (PP-BA), a perspectiva de líderes da base governista é que o projeto seja aprovado com ampla margem, inclusive com apoio de deputados de partidos de oposição. Caso seja aprovado, o projeto segue para análise do Senado.
Cláudio Cajado incluiu gatilhos para obrigar o corte e a contenção de gastos no caso de descumprimento da meta fiscal. A proposta estabelece o chamado sistema de bandas para o resultado primário, estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada anualmente, e critérios para a correção das despesas públicas. O modelo prevê um piso e um teto para os gastos do governo.
O novo arcabouço fiscal limitará o crescimento da despesa a 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores. O texto de Cajado altera o período de inflação considerado para a correção das despesas para julho de 2022 a junho de 2023. Segundo o parlamentar, a medida permitirá a aplicação das novas regras no Orçamento de 2024, com um valor já realizado. O governo havia proposto considerar somente a inflação de 2023, fazendo uma estimativa para o valor anual.
“Optamos em não trabalhar com estimativas, mas em dar o realismo orçamentário e ‘possibilitar’ a incorporação na base de tal diferença de inflação. Sem esse ajuste, o substitutivo reduziria cerca de 2% do limite de despesas de 2024 (em torno de R$ 40 bilhões), sem considerar os efeitos na inflação do segundo semestre da nova política de preços de combustíveis anunciada pela Petrobras. O que fizemos no substitutivo foi criar uma regra para que não houvesse essa perda”, afirmou o relator. Em momentos de maior crescimento da economia, a despesa não poderá crescer mais de 2,5% ao ano acima da inflação. Em momentos de contração econômica, o gasto não poderá aumentar mais que 0,6% ao ano acima da inflação.
Chamado de Regime Fiscal Sustentável pelo relator, o projeto prevê que, no caso de descumprimento das metas, haverá contingenciamento (bloqueio) de despesas discricionárias. O projeto de Cajado estabelece a adoção, no ano seguinte ao descumprimento, de medidas automáticas de controle de despesas obrigatórias, como a não concessão de aumento real de despesas obrigatórias e a suspensão de criação de novos cargos públicos e da concessão de benefícios acima da inflação.
Caso o descumprimento aconteça pelo segundo ano consecutivo, novas proibições serão acrescentadas às existentes, como o aumento de salários no funcionalismo público, admissão ou contratação de pessoal e realização de concurso público (nos últimos dois pontos, a exceção é para reposição de cargos vagos).
Segundo Cajado, o reajuste real do salário mínimo estará fora dos gatilhos e terá aumento acima da inflação. Inicialmente, havia previsão de também retirar o Bolsa Família do limite de gastos. No entanto, o deputado manteve o benefício sujeito às normas gerais para que seja reajustado acima da inflação.