Brasília – A comissão mista do Congresso Nacional formada por deputados e senadores que analisa a Medida Provisória 1.154/23, que reorganiza a Esplanada dos Ministérios, aprovou ontem à noite mudanças no governo Lula (PT) que fortalecem o Centrão e esvaziam o Ministério do Meio Ambiente e, consequentemente, retira poder da titular da pasta, Marina Silva (Rede).
O texto, de autoria do líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões Jr. (AL), desidratou a política ambiental do governo — competências de órgãos que atualmente estão as pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas serão transferidas para outros ministérios.
O texto foi aprovado por 15 votos a 3. A MP agora deverá ser votada nos plenários da Câmara e do Senado. Há uma pressão pela celeridade da apreciação da matéria, uma vez que ela perderá a validade no próximo dia 1º.
Enquanto o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, considerou positivo o relatório final, Marina Silva criticou. “O mundo vai olhar para o arcabouço legal e ver que a estrutura do governo não é a que ganhou as eleições, é a estrutura do governo que perdeu. Isso vai fechar todas as nossas portas”, disse.
O novo relatório restabeleceu ainda texto original da MP, como foi enviada por Lula, devolvendo a competência de coordenação das atividades de inteligência federal para a estrutura do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) —pavimentando a volta da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para o órgão militar.
Em seu primeiro relatório, Isnaldo havia transferido essa competência para a estrutura da Casa Civil, seguindo decreto enviado pelo governo Lula em fevereiro. Integrantes do governo ouvidos pela reportagem disseram que a mudança no texto da MP reforça que a agência deverá retornar para o GSI.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues, disse que o Executivo tentou ao longo da manhã de ontem um acordo com o relator para tentar reverter pontos relativos à pauta ambiental, mas sem sucesso.
“Nós, o governo, não conseguimos avançar embora tenhamos advogado, mas nenhum dos aspectos da questão ambiental conseguimos ter avanços”, afirmou. Randolfe disse, porém, que o governo sai vitorioso, por ter conseguido manter 90% da medida provisória enviada ao Congresso.
“Pressionado por uma circunstância que não foi do governo — o impasse entre Câmara e Senado [pela tramitação das MPs]—, o objetivo final central do governo, de aprovação em tempo hábil, [...] esse objetivo está sendo alcançado”, completou. Houve, inclusive, uma reunião na noite de terça-feira na qual foram apresentadas algumas demandas, como uma que alteraria a redação do trecho que retira a demarcação de terras do ministério de Sônia Guajajara e coloca na Justiça, mas sequer isso foi acatado.
Segundo integrantes do governo, o relatório apresentado por Bulhões foi além do que havia sido acordado previamente com o governo, sobretudo na questão das demarcações e também da Agência Nacional de Águas (ANA), que deixará o Meio Ambiente para o Desenvolvimento Regional —pasta comandada por Waldez Góes (PDT), indicado por parlamentares da União Brasil para o cargo.
Também foi aprovada a transferência do CAR (Cadastro Ambiental Rural), instrumento para controlar terras privadas e conflitos em áreas de preservação, do ministério chefiado por Marina para o da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. O órgão é considerado importante por gerenciar a fiscalização de crimes ambientais em propriedades rurais, como grilagem e desmatamento. O relatório aprovado consolida uma manobra da bancada ruralista, que atuou para esvaziar o ministério de Marina Silva. Parlamentares ligados à bancada ruralista apresentaram emendas que, na prática, retomavam o organograma ministerial da gestão de Jair Bolsonaro (PL), inclusive com a extinção do Ministério dos Povos Indígenas. A intenção dos ruralistas era que a política ambiental fosse esvaziada.
INDÍGENAS
Apesar de a pasta indígena não ter sido extinta, ela perdeu uma de suas principais atribuições, a de aprovar ou não estudos de demarcação de terra. Já o CAR, por mais que não tenha ido para a Agricultura, como era no governo Bolsonaro —foi para a Gestão—, deixou as mãos de Marina Silva, que nos últimos dias deu diversas declarações defendendo que o instrumento ficasse sob sua tutela.
Ainda, o Ministério das Cidades, comandado por Jader Filho (MDB-PA), passará a ficar responsável por sistemas de informações que, pela MP de Lula, estavam na alçada de Marina. São eles: Sinisa (Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico), Sinir (Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos) e Singreh (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos).
O Planalto agiu para tentar evitar derrotas em áreas prioritárias para Lula na MP. Com o aval do petista, a articulação política do governo cedeu à pressão do centrão, principalmente dos ruralistas, para blindar a Casa Civil, responsável pela execução dos projetos mais importantes para o presidente, como o PPI (Programa de Parceria de Investimentos). Por outro lado, algumas competências da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) que inicialmente seriam retiradas do Ministério do Desenvolvimento Social para o Ministério da Agricultura, se mantém em sua pasta original. Esse movimento pode ser considerado uma vitória para o ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) que tentava desde terça-feira o reestabelecimento dessas atribuições. (Folhapress)
Marina rejeita mudanças
São Paulo – A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, criticou o relatório da medida provisória que reestrutura os ministérios, aprovada ontem na comissão mista. A MP agora segue para os plenários da Câmara e do Senado. Para ele, se o Congresso aprovar as mudanças propostas pelo deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), a imagem do país pode ficar comprometida no exterior. “Não basta a credibilidade do presidente Lula, ou da ministra do Meio Ambiente. O mundo vai olhar para o arcabouço legal e ver que a estrutura do governo não é a que ganhou as eleições, é a estrutura do governo que perdeu. Isso vai fechar todas as nossas portas”, disse Marina.
O relatório de Bulhões determina, por exemplo, a retirada da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Ministério do Meio Ambiente. “Será um erro estratégico para a agricultura brasileira tirar o cadastro ambiental rural do Ministério do Meio Ambiente, do serviço florestal brasileiro, e levá-lo para o Ministério da Agricultura”, avaliou a ministra.
Outra mudança prevista pelo relator é a saída da demarcação de terras indígenas do Ministério dos Povos Indígenas para o da Justiça e Segurança Pública. Apesar de não afetar a sua pasta, Marina reagiu também: “A proposta de retirada da demarcação de terras indígenas e da Funai do Ministério dos Povos Indígenas é um dos piores sinais”. Estamos dizendo que os indígenas não têm isenção, para fazer o que é melhor para eles mesmo em relação a suas terras”, afirmou.
Mais cedo, Marina Silva usou as pelas redes sociais para chamar de “desserviço” as mudanças feitas por deputado Isnaldo Bulhões: “Estamos todos trabalhando para manter as competências do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério dos Povos Indígenas. Qualquer tentativa de desmontar o sistema nacional de meio ambiente brasileiro é um desserviço à sociedade brasileira, ao Estado brasileiro. Isso pode criar gravíssimos prejuízos aos interesses econômicos, sociais e ambientais”.
Já em conversa com jornalistas, Marina declarou: “Com todo respeito ao Congresso Nacional, à autonomia que ele tem, vamos para o debate, para o convencimento, com os parlamentares. Isso não ajuda o Brasil, nem a agricultura brasileira o final da audiência na Câmara, em entrevista as jornalistas, Marina classificou o relatório do deputado como um “ataque aos ministérios das mulheres”. “Agora, tem uma curiosidade. O Ministério dos Povos Indígenas com a indígena Sonia Guanabara. O Ministério do Meio Ambiente com a ministra Marina Silva. É um ataque aos ministérios das mulheres. Mulheres de origem humilde, mulheres de origem indígena e mulheres pretas. Tem um viés de gênero”, declarou Marina também.
Ruralista aponta retrocesso
São Paulo – A transferência da gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, proposta pelo relatório do deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL) sobre a Medida Provisória 1154/23, tem motivado críticas não só entre ambientalistas como também no setor do agronegócio.
“Tal proposta resultará na paralisação da implementação do Código Florestal, impactando negativamente os produtores rurais brasileiros”, afirma João Adrien, produtor rural que foi assessor especial do Ministério da Agricultura durante a gestão de Jair Bolsonaro, quando também ocupou o posto de diretor de regularização ambiental do Serviço Florestal Brasileiro, então transferido à Agricultura. Atualmente, Adrien é vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira.
“O Ministério da Gestão e da Inovação não tem competência legal, tão pouco capacidade técnica qualificada para implementação do Código Florestal”, afirmou também. Ontem, Adrien enviou nota técnica à Frente Parlamentar da Agropecuária explicando, em quatro pontos, as implicações da transferência de atribuição do CAR, que é o principal instrumento do governo para controlar o desmatamento em propriedades rurais e regularizar ambientalmente os imóveis. Ele faz ressalva de que a posição da nota é pessoal e não necessariamente representa a Sociedade Rural Brasileira.
“Não havendo equipe técnica qualificada que entenda da legislação ambiental, não haverá o desenvolvimento dos módulos necessários para implementação do Código Florestal, tampouco para avançar na implementação do módulo de análise dinamizada do CAR e do sistema do PRA (Programa de Regularização Ambiental) nos estados, ações essas de grande interesse dos produtores rurais”, diz o primeiro ponto da nota, em alerta sobre a falta de competência técnica da pasta da Gestão. O segundo alerta é sobre a necessidade de integração dos estados, que são os implementadores da ferramenta.
“Haverá desistência da utilização do sistema federal por parte dos estados e criação de sistemas estaduais, que resultarão em uma pulverização de sistemas distintos, levando a maior insegurança jurídica para os produtores, sendo que em cada estado haverá uma regra e um sistema diferenciado”, afirma a nota divulgada pelo ruralista sobre as alterações na medida provisória.