O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, na noite de ontem, ver como “normal” o embate entre o Congresso e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede). Minimizando a crise gerada pela medida provisória (MP) de reorganização da Esplanada dos Ministérios, que desidratou a política ambiental, ele disse que agora o governo tem que “jogar” e negociar com o Legislativo.
O petista afirmou ainda que “o que não pode é se assustar com a política”. Mais cedo, ao empossar o novo presidente do ICMBio, Mauro Pires, Marina Silva lembrou que “a democracia venceu”. “Isso só é possível porque a democracia venceu, só é possível porque na democracia as instituições funcionam, os processos republicanos funcionam.
Estamos vivendo um momento difícil, está difícil para todo mundo, mas para alguns pode estar mais difícil”, afirmou a ministra, um dia após seguidas derrotas em votações no Congresso.
Em seu discurso, ela também elogiou o presidente Lula, que não estava presente. “Agradeço ao presidenre Lula por estarmos aqui, inclusive resgatando a origem de como se escolhe o presidente do ICMBio, que é pelo comitê de busca. Só é possível a posse do Mauro por causa do trabalho desse comitê”, disse.
As falas de Lula e Marina vem um dia após a comissão mista formada por deputados e senadores que analisa a MP aprovar, com a anuência do governo, mudanças que fortalecem o centrão e retiram poder de Marina. O texto, aprovado por 15 votos a 3, transfere órgãos que atualmente estão com o Meio Ambiente e os Povos Indígenas para outras pastas.
Marina iniciou sua fala no ICMBio relembrando nomes de personalidades que lutaram pelo meio ambiente, inclusive o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Philips, que foram assassinados no Vale do Javari (AM), no ano passado em razão do aumento de violência e da influência das organizações criminosas na região.
Segundo ela, “Dom Philips e Bruno sobreviveram. Poderia citar uma lista enorme de pessoas que mesmo não tendo mais seus corpos aqui sobreviveram aos seus legados”. E completou: “Esse é o momento das árvores fortes se colocarem na frente para protegerem o que é essencial”.
Apesar de dizer que o que aconteceu foi normal, Lula convocou uma reunião para hoje com Marina e a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, para discutir o cenário de pressão do Congresso contra a agenda ambiental.
Em seu discurso na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), ao lado de ministros, Lula não mencionou Marina especificamente. Ele começou dizendo que, ao ler o noticiário, teve a impressão “de que o mundo tinha acabado”. “‘Lula foi derrotado pelo Congresso, acaba-se o ministério disso, acaba-se o ministério daquilo’. Eu fui ler e o que estava acontecendo era a coisa mais normal”, afirmou.
“Até então a gente estava mandando a visão de governo que nós queríamos. A comissão, no Congresso Nacional, resolveu mexer. Coisa que é quase que impossível de mexer na estrutura de governo, que o governo que faz. E agora começou um jogo, vamos jogar, vamos conversar com o Congresso. E vamos fazer a governança daquilo que a gente precisa fazer”, disse o presidente.
“O que a gente não pode é se assustar com a política. Vou repetir: toda vez que a sociedade se assusta com a política e ela começa a culpar a classe política, o resultado é infinitamente pior. Nós já tivemos lições e é importante a gente lembrar. Por pior que seja a política, é nela e com ela que se tem as soluções dos grandes e pequenos problemas desse país”, completou Lula.
A MP original foi editada por Lula logo no início do governo com a nova organização da Esplanada. Foi ela que ampliou, por exemplo, o número de ministérios de 23 para os atuais 37. Agora, o texto aprovado pela comissão gerou reação de Marina. “Vivemos momentos de muitas contradições, e temos uma contradição que não depende da nossa vontade. Temos que resistir e vamos resistir”, disse ela ontem.
A orientação do governo era para que parlamentares da base votassem a favor do texto – uma vez que o Executivo tem pressa, já que a MP perderá sua validade no dia 1º de junho. A medida provisória ainda precisa ser votada nos plenários da Câmara e do Senado.
Crítica aos juros
No evento de encerramento do Dia da Indústria, Lula ainda acenou ao agronegócio e voltou a criticar a taxa de juros. Ele estava acompanhado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e do vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), titular da pasta do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Também estavam presentes o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, e o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.
Assim como Lula, as autoridades criticaram a taxa de juros e enalteceram o papel da indústria. A aprovação de uma reforma tributária também foi defendida por Josué, Alckmin, Pacheco e Haddad.
O presidente do Senado afirmou que o momento é de reconstrução, exaltou a harmonia entre os Poderes e fez referência ao governo Jair Bolsonaro (PL), sem citá-lo. “Hoje nós temos uma oportunidade muito singular, num momento difícil que enfrentamos tempos atrás, de questionamentos democráticos, de uma notável polarização e radicalização. [...] Temos a constatação de que a democracia enfrentou momentos muito difíceis, mas saiu mais forte, inabalada”, disse.
Planalto descarta recorrer à Justiça
Mônica Bergamo* e Victor Correa
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu que não vai judicializar a discussão sobre as mudanças em seus ministérios que estão sendo debatidas no Congresso Nacional, e que atingem especialmente a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Uma comissão mista formada por deputados e senadores aprovou uma Medida Provisória (MP) que prevê mudanças na estrutura do governo que fortalecem o centrão e retiram poder da pasta comandada por Marina.
A medida retira também do Ministério dos Povos Indígenas a responsabilidade sobre a demarcação de terras indígenas.
Apesar de as mudanças desfigurarem parte da área social da administração federal, recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra as decisões dos parlamentares, na visão de integrantes do Palácio do Planalto, seria uma verdadeira “loucura”, que só agravaria os problemas de Lula no Congresso. A possibilidade de o Executivo recorrer à corte para evitar essas mudanças foi divulgada em redes sociais ontem pela presidente do PT, Gleise Hoffman. E passou a circular com intensidade depois que o próprio ministro da Justiça, Flávio Dino, postou uma mensagem no Twitter sobre o assunto.
Nela, Dino diz que “sobre controvérsias acerca de competências de órgãos do Poder Executivo” seria importante “lembrar o que dispõe a Constituição Federal”. O artigo 84 da Carta Magna diz que “compete privativamente ao presidente da República” baixar decretos sobre a organização e o funcionamento da administração federal, “quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”.
Já Gleise disse que a base governista no Parlamento trabalhará para reverter as mudanças na estrutura dos ministérios que desidrataram as pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Segundo a parlamentar, eles recorrerão ao STF se for necessário. “Sobre o atraso ocorrido ontem (quarta-eira) no Congresso, vamos trabalhar pra que seja revertido. Se for preciso, vamos ao STF pra reaver a estrutura do Meio Ambiente e Povos Indígenas. E Lula vai vetar a flexibilização da proteção à Mata Atlântica”, escreveu a deputada em sua conta no Twitter.
Apesar das mensagens de Dino e Gleisi, a hipótese de o governo ir ao STF está descartada. No entendimento da Advocacia-Geral da União (AGU), comandada pelo ministro Jorge Messias, o assunto está sendo debatido no Congresso e a discussão tem que se dar na esfera política, por meio do processo legislativo, e não na Justiça. Messias já afirmou a interlocutores que o Supremo não é “o Procon” da política, referindo-se ao órgão a que consumidores recorrem sempre que enfrentam problemas de atendimento em empresas privadas ou públicas. (*Folhapress)
Apelo por votações rápidas
Rosana Hessel
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu ao presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para acelerar as votações de propostas do Executivo encaminhadas ao Legislativo e das reformas necessárias para o país voltar a crescer de forma sustentável, como é o caso da tributária que vem sendo defendida. “É preciso que a gente tenha clareza que o país precisa de tudo e só temos 1.200 dias de governo. Pacheco, apressa as votações, porque o trem está apitando”, afirmou Lula, ontem, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), olhando para o presidente do Senado e do Congresso, presente no local.
Antes de Lula, Pacheco e Haddad reconheceram a importância da indústria para a economia e o crescimento do país e destacaram o avanço na tramitação da nova regra fiscal, que foi aprovada pela Câmara dos Deputados e ainda precisa passar pelo Senado. O presidente da Casa e do Congresso afirmou que o arcabouço fiscal, chegando ao Senado, “será encaminhado para o seu rito próprio”, e, “até o fim de junho”, deverá ser aprovado pelos senadores.
“A reforma tributária é a mais desejada há décadas e se a necessidade de mudança do atual regime tributário é uma realidade, é porque o atual não é bom”, disse Pacheco. Segundo ele, é preciso aprovar a reforma tributária para dar um novo sinal de que “a democracia saiu mais forte e inabalada” “Temos a iminência de reformas para o nosso país e não podemos nunca perder o otimismo e a esperança com o Brasil. Acreditem. Deem um tempo necessário para a política construir”.
Após a aprovação do novo arcabouço fiscal na Câmara, o governo atuará para que o texto que vai substituir o teto de gastos tenha rito célere no Senado, evitando que a Casa faça mudanças substanciais. Para economizar tempo, aliados do presidente Lula querem que o texto vá direto ao plenário, sem passar por comissões temáticas. A ideia, porém, sofre resistência de líderes partidários, inclusive da base. Além disso, o objetivo de governistas é trabalhar para que o texto não volte para análise da Câmara, para que a regra entre logo em vigor.
Crítica a Bolsonaro O chefe do Executivo também não deixou de alfinetar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao comentar o seu desempenho no encontro do G7 – grupo das sete economias mais industrializadas do planeta: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Canadá e Itália – , no Japão, no último fim de semana. “Fizemos mais bilaterais em um dia do que o outro presidente fez em quatro anos”, disse Lula. O petista contou que conversou com chefes de governo dois países no último sábado e de 10 países no domingo, em paralelo à reunião de cúpula do G7, na cidade japonesa de Hiroshima. Segundo ele, há interesse em relação ao Brasil e será preciso que o país coloque embaixo do braço os projetos de parcerias para começar a vender essas propostas.