O mercado automobilístico ganhou espaço nas discussões públicas nesta semana após anúncio de redução de impostos para a produção de carros populares pelo governo federal. Na última quinta-feira (25/5), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) informou que a medida passará, principalmente, por cortes no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Programa de Integração Social e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (PIS/COFINS), que podem chegar a 10,96% de queda no preço final dos veículos. O projeto, que ainda não foi detalhado pelo Planalto, levanta discussões sobre a intersecção com pautas defendidas em diferentes ministérios do próprio governo, com questões ambientais e sobre a viabilidade econômica da proposta. O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), destaca que o governo só teria capacidade de manter os efeitos do programa por cerca de quatro meses.
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Haddad afirma que medida para carros populares será curtaLula conversa com Putin, mas recusa convite para ir a Rússia Lula pede a Pacheco que acelere votações no CongressoServidor do MPMG que participou de ataques terroristas vai pagar multaPor que Lula e Janja devem ficar sem teto em São PauloO equilíbrio com o planejamento de arrecadação do governo é uma das questões levantadas no debate sobre a medida de redução de preço dos carros populares. Enquanto Haddad articula no Congresso Nacional a aprovação do arcabouço fiscal e uma eventual reforma tributária, a redução na arrecadação do setor automobilístico torna-se um ponto a ser acertado na Esplanada dos Ministérios.
O economista Gelton Pinto Coelho, membro efetivo do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), o equilíbrio entre a queda da tributação e a arrecadação está atrelado ao sucesso da medida. Caso a redução nos preços se reverta em um aumento significativo das vendas, a redução na cobrança de impostos será mitigada, mas esse cenário ainda é uma incógnita.
“O governo atual vive uma pressão relacionada aos gastos feitos de maneira incorreta no ano passado, ano eleitoral, com um crescimento muito grande dos investimentos públicos e perda de arrecadação para estados e municípios, que agora negociam e tentam uma compensação. É preciso ver se o aumento da demanda, se a venda de veículos vai ter um aumento que vá compensar a redução na arrecadação. Todas as vezes que se tem um projeto como esse, os cálculos são previstos. Às vezes isso é resolvido e às vezes a demanda não atinge o valor compatível com o que foi estudado e proposto. A gente tem que ter claro que o carro no Brasil é muito caro. A taxa de lucro das empresas é muito alta e isso acaba pressionando tanto o consumidor quanto as revendedoras”, avalia.
Em entrevista à Globo News nesta sexta-feira (26/5), Haddad afirmou que, como o programa envolve corte nos impostos, a área técnica da Fazenda ainda faz contas para determinar a sua duração. “É um programa tópico, ainda estamos discutindo quantos meses ele vai durar em função das contas que estão sendo feitas. Acreditamos que começa um ciclo da redução da taxa de juros brevemente, portanto é um período de transição bastante curto”, disse.
O ministro ainda afirmou que a renúncia fiscal que será feita não deve chegar a R$ 2 bilhões e descartou a possibilidade da medida durar 12 meses. “Nem passa perto disso. Não temos condição de acomodar”, disse, destacando que as contas do ministério devam ser fechadas já no domingo (28/5).
Ainda segundo Gelton Pinto Coelho, a medida pode ser positiva para o setor automobilístico, que tem amargado anos de vendas baixas que, inclusive, motivaram interrupções na atividade das fábricas por falta de demanda. De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), já foram registradas 13 paralisações fabris neste ano, nove delas em abril. Ainda assim, há alta de 4,8% na venda de veículos em comparação com o primeiro quadrimestre do ano passado.
A curto prazo, no entanto, a redução no preço dos carros populares (inicialmente considerada uma faixa de veículos que custam até R$ 120 mil), esbarra na atual situação econômica das famílias brasileiras. O economista destaca que o cenário empregatício e as altas taxas de juros administradas no país são um empecilho para a compra de bens mais caros.
“O incentivo é interessante, mas ele é freado pela incapacidade de financiamento da venda. A primeira coisa que a gente tem que falar é sobre a restrição de crédito. Ou seja, desde o ano passado, já percebemos em vários setores a dificuldade de concessão de crédito, os juros muito altos e incompatíveis com as atividades comerciais e de investimento realmente travam e impedem o crescimento da demanda. Além disso, temos dois problemas graves que são o nível de endividamento da população, agravado pela manutenção das taxas altas de juros, e a instabilidade dos empregos. Houve uma mudança no mercado de trabalho e hoje não se tem a garantia de emprego que se tinha há cinco, seis anos. Essa transição gera uma instabilidade muito grande principalmente relacionada a bens de consumo duráveis. Você fazer um financiamento de maior prazo sempre gera dúvidas se vai haver emprego durante todo o contrato”, explica.
A crise no setor automobilístico é um dos fatores que endossaram a cruzada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra o Banco Central e seu comandante Roberto Campos Netto, que mantém a taxa básica de juros a 13,75% à revelia das constantes reclamações do Executivo Federal. A dificuldade em obter financiamento para a compra dos veículos foi apontada tanto pelo setor como pelo petista como uma das razões que dificultam a retomada do crescimento.
Retrocesso ambiental
Em uma semana marcada pelo esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente no relatório da medida provisória (MP) dos Ministérios, proposto pelo deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), a área sofre outro revés com o anúncio da redução de imposto aos carros populares, na visão de ambientalistas.
Para a pesquisadora e ambientalista do Projeto Manuelzão, Jeanine Oliveira, outras iniciativas da mesma natureza já tiveram resultados frustrados em relação à ampliação do acesso popular a veículos e registraram piora em indicadores ambientais. Ela avalia que o anúncio de Alckmin revela uma fragilidade do governo no relacionamento com as empresas.
“Dilma (Rousseff) já fez isso e deu errado. As empresas estão pensando em lucro e não a longo prazo, eles precisam bater a meta de vendas do ano. O governo mostra que perdeu uma batalha política em algum momento. Mais carros nas cidades significam mais carbono, independente de quem compre. Isso é uma lógica estabelecida nas discussões climáticas e deveria ser o que norteia as decisões se não houvesse a interferência desses lobbies. É uma medida que atropela o Meio Ambiente e a Fazenda, o que mostra a força dos interesses”, comenta.
Para Oliveira, a medida vai na contramão das medidas incentivadas para combater mudanças climáticas e pode afastar quem tem interesse sério em investir no país diante do papel internacional que pretende assumir na área ambiental.
A ambientalista destaca que mesmo que o impacto seja percebido em áreas adensadas, como as grandes cidades, o impacto é amplo e pode refletir em quedas de indicadores importantes para a política externa do país. De acordo com relatório publicado neste ano pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), automóveis são responsáveis por 31% das emissões de gases efeito estufa do transporte no Brasil, atividade líder no quesito nos setores de energia e Processos Industriais e Uso de Produtos (PIUP) do Brasil.
Cidades brasileiras não têm estrutura para comportar mais carros
“Toda vez que o Brasil teve um boom de automóveis, uma série de indicadores nas cidades se degradam muito, isso acontece desde o início na década de 1920 em São Paulo. Nos anos 1970 e 1980 tivemos uma escalada de poluição do ar, de acidentes, dos congestionamentos, entupimento do trânsito e o prejuízo disso sempre foi dos mais pobres. Quem mais morre, historicamente, são os pedestres, depois vieram os motociclistas, quem mais respeita o ar poluído é quem tá a pé na rua, os congestionamentos sempre prejudicaram mais o transporte coletivo-, o tempo dos ônibus fica muito mais lento em trânsitos congestionados”, afirma o urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Roberto Andrés.
Para o professor, a medida deve ser considerada um aceno à classe média e não um programa com intuito de popularizar os carros no país. Ele afirma que o rendimento familiar de metade da população brasileira limitou-se a R$ 537 no passado, um valor que não condiz com a possibilidade de comprar um automóvel, mesmo com a redução dos impostos. Ele destaca que as camadas mais pobres e dependentes do transporte público tendem a ser prejudicada por programas desta natureza.
“É um círculo vicioso, você incentiva o automóvel, então as pessoas de estrato intermediário vão comprar a prestações, muitas vezes se endividando, e isso reduz o usuário do transporte público. Então você diminui a receita do transporte público e os serviços lidam com isso reduzindo a oferta ou aumentando a tarifa. Essas duas respostas afastam mais ainda o usuário - isso foi acontecendo ano a ano na década de 2000 quando a tarifa nas cidades aumentou acima da inflação e a oferta foi diminuindo. Só que tem pessoas que não conseguem fugir do transporte público e elas são prejudicadas em várias frentes”, avalia.
Andrés ainda comenta que o governo federal deveria investir em medidas como programas nacionais de subsídio de tarifas, de investimento em corredores exclusivos de ônibus e ciclovias. Para Marcelo Amaral, especialista em mobilidade urbana e integrante do movimento NossaBH, cabe também às prefeituras o estímulo a medidas que tornem o aumento dos carros menos nocivos ao espaço urbano.
“Se isso for feito, o recado é que Belo Horizonte faça sua parte, implante um plano de mobilidade que estimule a caminhada, a bicicleta, melhorar o transporte coletivo, estamos vivendo a batalha de redução da tarifa e, principalmente criar faixas exclusivas de ônibus, esse é o grande instrumento”, comenta citando a capital mineira. Ele ainda comenta que o aumento do número de automóveis cria uma pressão de infraestrutura que as cidades não têm capacidade para arcar, como o alargamento de vias, criação de estacionamentos e cobertura de rios.