Brasília – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu ontem o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e disse que a visita é momento histórico que “reflete uma política externa séria”. Chamou de “narrativa” a visão de que a Venezuela virou ditadura e acrescentou que ele e o assessor especial Celso Amorim buscam explicar ao mundo que a situação não é essa.
“Depois de oito anos, o presidente Maduro volta a visitar o Brasil, e nós recuperamos o direito de fazer política de relações internacionais com a seriedade que sempre fizemos, sobretudo com os países que fazem fronteira com o Brasil”, disse o petista. Lula deu a declaração à imprensa ao lado de Maduro.
decisões que impediram a vinda de Maduro e de outras autoridades venezuelanas ao Brasil nos últimos anos, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), e defendeu a Venezuela na disputa com os EUA, ao dizer que “bloqueios econômicos são piores que a guerra”.
O presidente também chamou de “equívocos” as Hoje, Maduro participará de encontro proposto por Lula com presidentes da América do Sul, na tentativa de retomar planos de integração das nações da região. Ambos deram declaração ao término das primeiras reuniões de trabalho.
O petista disse que o venezuelano era bem-vindo e lamentou o tempo em que as relações entre Brasil e Venezuela foram obstruídas, após a imposição de proibições do ingresso de altas autoridades do país caribenho. “A Venezuela sempre foi parceiro excepcional, mas em razão das contingências políticas, dos equívocos, o presidente Maduro ficou oito anos sem vir ao Brasil. E o Brasil ficou muito tempo sem ir à Venezuela.”
Ele ainda chamou de “narrativa” a visão de que a Venezuela virou uma ditadura e acrescentou que ele e o assessor especial Celso Amorim buscam explicar ao mundo que a situação não é essa.
“Cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possa efetivamente fazer as pessoas mudarem de opinião. É preciso que você [Maduro] construa a sua narrativa. E a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que o que eles têm contado contra você. Está nas suas mãos construir a sua narrativa e virar esse jogo, para que a gente possa vencer definitivamente, e a Venezuela voltar a ser um país soberano, onde somente seu povo, por meio de votação livre, diga quem é que vai governar esse país”, afirmou Lula.
Durante seu discurso, o brasileiro ainda deu uma guinada para criticar potências ocidentais. Em particular, mirou os EUA e lamentou duramente as sanções impostas por Washington a Caracas. Lula afirmou que bloqueios comerciais e financeiros têm efeito pior que o de guerras.
“É culpa dele [de Maduro não ter dólares para arcar com suas exportações]? Não. É culpa dos EUA, que fizeram um bloqueio extremamente exagerado. Sempre acho que o bloqueio é pior do que uma guerra. A guerra, normalmente, morre soldado que está em batalha. Mas o bloqueio mata criança, mata mulheres, mata pessoas que não têm nada a ver com a disputa ideológica que está em jogo”, afirmou.
Autoridades brasileiras então prometeram trabalhar com Caracas para saldar a dívida com o Brasil, além de abrir a possibilidade para uma cooperação energética, com a venda de energia venezuelana. Após a reunião com Maduro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou que será constituído um grupo de trabalho para estudar a dívida do país caribenho.
“E, a partir dessa consolidação dos números, [vamos] reprogramar o pagamento. Cuido da relação com o Tesouro, e Minas e Energia cuidará da questão da energia para Roraima. Mas a encomenda é essa, consolidação da dívida e reprogramação.”
COOPERAÇÃO
Maduro também destacou a possibilidade de uma cooperação no setor energético e confirmou o interesse de vender energia ao Brasil. Para tal, no entanto, afirmou ser necessário um investimento de cerca de US$ 4 milhões a US$ 5 milhões (entre R$ 20 milhões e R$ 25 milhões) para que a transmissão seja possível. Maduro afirmou que o encontro foi um “feito histórico” e uma vitória da “dignidade dos povos”. “O resgate da união entre Brasil e Venezuela é o caminho que nos conduzirá até o desenvolvimento e a integração da Grande Pátria.”
A visita oficial de Maduro só entrou na agenda de Lula na manhã de ontem, poucas horas antes do início dos eventos —passagens de chefes de Estado costumam ser divulgadas com muita antecedência. Maduro chegou no meio da manhã à sede do governo e foi recebido por Lula na rampa presidencial.
Os dois tiveram encontro reservado, seguido de reunião ampliada, com assessores e ministros dos dois lados. Da parte do Brasil, participaram, além de Lula, o vice Geraldo Alckmin, o assessor especial da Presidência Celso Amorim e os ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores), Fernando Haddad (Fazenda), Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação Social), Carlos Fávaro (Agricultura) Alexandre Silveira (Minas e Energia) e o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli.
Também estiveram na reunião as primeiras-damas Rosângela Lula da Silva, a Janja, e a venezuelana Cilia Flores de Maduro. Seguiu-se, então, uma cerimônia de assinaturas. A agenda também previa um almoço no Palácio do Itamaraty. A última vez que o venezuelano esteve em Brasília foi em janeiro de 2015, para a posse de Dilma Rousseff, que inaugurava seu segundo mandato. A entrada de Maduro em território brasileiro depois acabou proibida: em 2019, o governo Bolsonaro editou uma portaria proibindo o ingresso de autoridades de alto escalão do país. (Folhapress)
Oposição cita “vergonha” com visita
Brasília – Parlamentares da oposição fizeram críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por ter recebido o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. As críticas partiram principalmente de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que lembraram, em tom de ironia, decisão do Tribunal Superior Eleitoral, no ano passado, que impediu peças de campanha que relacionassem Lula a Maduro.
Um dos poucos governistas a defender a visita, o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), afirmou que a visita representa que o “Brasil volta ao cenário internacional com protagonismo”.
O senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil na gestão Bolsonaro, ironizou o slogan “o Brasil voltou”, usado frequentemente por petistas. “Voltou a paparicar ditadores da América Latina e a tratá-los como ‘chefes de Estado’. Democracia para o PT é uma palavra no dicionário”, escreveu Ciro, que já foi aliado de Lula, em suas redes sociais.
O filho mais velho do ex-presidente, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), afirmou que Lula não tem compromisso com a democracia por ter recebido o venezuelano. “Lula demonstra, mais uma vez, a sua falta de compromisso com a democracia ao receber o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, acusado de crimes contra a humanidade, como assassinatos, tortura, agressões, violência sexual e desaparecimentos”, afirmou.
O ex-vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS) afirmou que a visita de Maduro era uma “vergonha para os brasileiros” e um “desrespeito com o povo venezuelano”. “Na campanha de 2022, o TSE determinou a retirada de inserções que associavam Lula a ditadores como Maduro e [Daniel] Ortega, [da Nicarágua]. Maduro é acusado de torturas, desaparecimentos, agressões e crimes contra a humanidade. Lula, ao receber Maduro, mostra que não tem compromisso com a democracia e nossos valores!”, escreveu o senador.
Outros bolsonaristas adotaram uma estratégia diferente, enviando ofícios para a embaixada dos Estados Unidos para que tome providências e prenda Maduro.
O ex-ministro do Turismo e deputado Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG) foi um dos que acionaram o posto americano. “Enviei um ofício para a embaixada dos EUA, comunicando que Nicolás Maduro, foragido do governo americano, se encontra em território brasileiro, sendo recebido por Luiz Inácio Lula da Silva. Solicitei que o governo americano se manifeste pela prisão de Maduro pela justiça do Brasil”, escreveu.
Foram poucos os governistas e petistas que saíram em defesa da visita oficial de Nicolás Maduro. O deputado André Janones (Avante-MG) partiu para o enfrentamento com bolsonaristas. Em suas redes sociais, ele ironizou ao escrever “ain, mas Bolsonaro odeia ditadores”, em uma postagem que mostrava falas de Bolsonaro louvando personagens, como o ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner. “Não quero discutir mérito sobre Maduro. O fato é que, ele foi indiciado pelos EUA, mas não foi acusado formalmente, nem condenado. Toda ação dos deputados de direita, pedindo providência dos EUA é engodo para gado. São despreparados e desesperados por like; para isso, enganam os próprios apoiadores”, escreveu.