Brasília - O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na noite de ontem, o Projeto de Lei 490, que trata do marco temporal sobre demarcação de terras indígenas. As bancadas governistas e do cocar passaram o dia em tratativas para derrubar a proposta, no entanto, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), abriu a sessão que terminou com 283 votos favoráveis, 155 contra e apenas uma abstenção.
O relator da proposta substitutiva, Arthur Maia (União-BA), frisou que o texto aprovado na Câmara dos Deputados é o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e agora será enviado ao Senado.
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Indígenas bloqueiam estrada mineira em protesto contra PL do Marco TemporalMarco temporal cria insegurança fundiária que agravará conflitos, relatórioSecretário de Tarcísio diz que marco temporal evita ruptura do território nacionalApenas um deputado do PL votou contrário ao Marco Temporal; saiba quem foiVeja como votou cada partido no PL do Marco TemporalDessa forma, se a comunidade indígena não ocupava determinado território antes desse marco temporal, independentemente da causa, a terra não poderá ser reconhecida como tradicionalmente ocupada. O substitutivo determina ainda permissão para plantar cultivares transgênicos em terras exploradas pelos povos indígenas; proibição de ampliar terras indígenas já demarcadas; adequação dos processos administrativos de demarcação e ainda não concluídos às novas regras; e nulidade da demarcação que não atenda a essas regras.
“O que estamos aprovando hoje na Câmara dos Deputados nada mais é do que aquilo que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, aquilo que, de fato, prevaleceu na decisão da demarcação das terras da reserva indígena Raposa Serra do Sol: a tese de que tem que existir um marco temporal, tem que existir uma data para que se considere uma terra indígena ocupada como tradicional. E essa data foi estabelecida na decisão do ministro Ayres Britto, que definiu a data de 5 de outubro de 1988”, disse Maia.
A deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) discursou contra o projeto. “Todos os territórios indígenas no Brasil que eu conheço só foram demarcados depois da morte de alguma liderança indígena. Vocês sabem o que é isso? Eu venho de um território indígena onde, em 12 de fevereiro de 1987, assassinaram Rosalino Xakriabá, ato julgado como o primeiro genocídio indígena do Brasil. Eu sou fruto desta luta”, disse. A deputada afirmou ainda que o projeto é uma ameaça aos povos, especialmente no ponto que “pretende abrir os territórios indígenas de isolamento voluntário”.
Apesar das negociações, a bancada do cocar teve apenas uma solicitação atendida dos três pedidos feitos ao relator. “Eles me pediram a supressão do artigo 20, que é uma supressão do que já está na Constituição. Vai haver uma emenda e eu acatarei, que será feita no plenário. O trecho era uma reprodução do que já está na Constituição, não há nenhuma inovação. O fato de tirar do PL 490 não muda nada, porque já está na lei maior do país”, explicou Maia, que disse, ainda, que esse foi o único acordo estabelecido antes da matéria ir a plenário.
Decisão do Supremo
Arthur Maia disse esperar que o Supremo Tribunal Federal paralise o julgamento sobre o tema. O julgamento sobre o assunto no STF foi suspenso em setembro de 2021, com um voto favorável e outro contrário ao marco temporal, e a retomada está marcada para para o próximo dia 7. A suspensão foi motivada por um pedido de vista feito pelo ministro Alexandre de Moraes. Maia destacou ainda que, sem o marco temporal, o país teria 1,5 milhão a mais de desempregados e uma perda significativa das exportações.
“Cada índio atualmente tem direito a 390 hectares. Caso não prevaleça a nossa vitória do PL 490 e se acabe com o marco temporal, teríamos a demarcação de mais do dobro da quantidade de terras indígenas já demarcado, e cada índio teria 790 hectares de terra”, disse o parlamentar.
A deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) afirmou que o PL 490 não é um atentado contra os direitos indígenas. Segundo ela, a Constituição garantiu o direito à terra dos povos indígenas. “Estamos discutindo o futuro da nação. Querem criar guerras de narrativas para subjugar um povo para viver eternamente em 1500”, disse a parlamentar.
Entenda o marco temporal
Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
A tese surgiu em 2009, em parecer da Advocacia-Geral da União sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, quando esse critério foi usado.
Em 2003, foi criada a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, mas uma parte dela, ocupada pelos indígenas Xokleng e disputada por agricultores, está sendo requerida pelo governo de Santa Catarina no Supremo Tribunal Federal (STF).
O argumento é que essa área, de aproximadamente 80 mil metros quadrfados, não estava ocupada em 5 de outubro de 1988.
Os Xokleng, por sua vez, argumentam que a terra estava desocupada na ocasião porque eles haviam sido expulsos de lá.
A decisão sobre o caso de Santa Catarina firmará o entendimento do STF para a validade ou não do marco temporal em todo o País, afetando mais de 80 casos semelhantes e mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão pendentes.
Bolsa Família
O texto-base da Medida Provisória 1164/23, que retoma o programa Bolsa Família e extingue o Auxílio Brasil foi aprovado ontem à noite pela Câmara dos Deputados. O valor mínimo de R$ 600 por família fica garantido, incluindo mais R$ 150 por cada criança de até 6 anos.
Esse adicional por criança, chamado Benefício Primeira Infância, é o único valor de vigência imediata, que pode ser pago desde a edição da MP, em 2 de março, juntamente com benefícios do Auxílio Brasil enquanto vigente este programa. Quando a MP virar lei, poderão ter acesso ao programa famílias com renda mensal familiar per capita igual ou menor a R$ 218,00. Atualmente, o valor é de R$ 210.