O PPCDAm estabelece as diretrizes para a proteção da floresta amazônica nos próximos quatro anos e chega agora à sua quinta versão com a meta de alcançar desmatamento zero até 2030.
Ambientalistas afirmam que, para cumprir essa meta, que é considerada ousada, é necessário que os órgãos ligadas ao tema sejam fortalecidos. No entanto, a bancada ruralista do Legislativo decidiu esvaziar os ministérios do Meio Ambiente e o dos Povos Indígenas e o governo não se esforçou para reverter o cenário.
A gestão do CAR (Cadastro Ambiental Rural), o instrumento para controlar terras privadas e conflitos em áreas de preservação, por exemplo, saiu do guarda-chuva de Marina e foi para a pasta da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.
Criado em 2004, o PPCDAm teve quatro atualizações até ser descontinuado por Jair Bolsonaro (PL) em 2019. No primeiro dia de seu novo governo, Lula e Marina publicaram um decreto reinstituindo o plano, mas os detalhes só foram definidos agora.
Considerado um dos principais mecanismos para proteção da floresta amazônica nos governos anteriores do PT, o PPCDAm estabeleceu uma política transversal de atuação e ajudou a reduzir a taxa de desmatamento em 83% entre 2004 e 2012.
O plano atual repete parte da fórmula inicial e prevê obrigações não só para o Ministério do Meio Ambiente, mas também para a Casa Civil e outras pastas, como os ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário, da Indústria, da Defesa, e da Justiça e Segurança Pública.
Veja principais pontos do PPCDAM
Eixo 1: atividades produtivas sustentáveis
- Elaborar Plano Nacional de Bioeconomia (até 2024)
- Criar selos e certificações para produtos de agricultura familiar e bioeconomia (2024)
- Instituir programa de base comunitária e de etnoturismo na Amazônia (2025)
- Criar programa federal de apoio à restauração ecológica e ao manejo florestal comunitário (2024)
Eixo 2: monitoramento e controle ambiental
- Criar centros estaduais de inteligência na Amazônia Legal (2023)
- Embargar 50% da área desmatada ilegalmente no último ano em unidades de conservação federais (2023)
- Aumentar em 10% os autos de infração julgados em relação ao ano passado (2023)
- Estruturar 10 bases para combate aos crimes e infrações ambientais na Amazônia (2023)
- Contratar 1.600 analistas ambientais para combate ao desmatamento (2027)
- Produzir alertas diários de desmatamento e degradação florestal
- Suspender ou cancelar 100% dos registros irregulares de Cadastro Ambiental Rural em terras federais (2027)
Eixo 3: ordenamento territorial e fundiário
- Incorporar 100% das terras públicas sem destinação ao patrimônio da União (2027)
- Regularização fundiária de 50 mil ocupantes de terras públicas (2027)
- Regulamentar identificação, reconhecimento e regularização de povos e comunidades tradicionais (2025)
- Destinar 29,5 milhões de hectares de florestas públicas federais (2027)
- Auditar 20% dos pedidos de regularização fundiárias em terras públicas com indício de irregularidades (2027)
- Criar 3 milhões de hectares de unidades de conservação (2027)
Eixo 4: instrumentos normativos e econômicos
- Ampliar carteira de projetos do Fundo Amazônia (2027)
- Criar premiação com juros baixos e outros incentivos no Plano Safra e para Agricultura Familiar a quem adotar boas práticas (2023)
- Regulamentar mercado de carbono no Brasil (2025)
O texto foi colocado em consulta pública em abril e recebeu mais de 500 sugestões. A versão final inclui o quadro de metas e indicadores, que detalha resultados esperados, prazos e atores-chave. O decreto que restabeleceu o PPCDAm prevê ainda a publicação anual de um relatório de monitoramento.
O plano apresenta 12 objetivos estratégicos, divididos em quatro eixos principais: fomento a atividades produtivas sustentáveis; monitoramento e controle ambiental; ordenamento fundiário e territorial; e infraestrutura ambientalmente sustentável.
Um dos principais objetivos ainda para 2023, segundo o texto, é o de embargar metade da área desmatada ilegalmente no último ano em unidades de conservação federais.
Além de acompanhar os alertas de desmatamento por satélite, o novo PPCDAm se propõe a monitorar indicadores de degradação florestal para organizar a fiscalização. A degradação florestal é considerada mais silenciosa porque a "vegetação permanece, mas em estágios que levam à perda da biodiversidade".
O texto destaca que, nos últimos quatro anos —sob Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (PL-SP), hoje deputado federal—, houve a redução da capacidade de atuação dos órgãos ambientais, como o Ibama e o ICMBio.
Uma das alterações mais significativas no padrão da destruição da floresta são a presença cada vez maior do crime organizado e do tráfico de drogas na Amazônia, que potencializam a violência e os conflitos pela posse da terra.
O plano elenca ainda outras cinco mudanças ocorridas nas últimas décadas: interiorização do desmate; reconcentração do desmatamento em grandes áreas; redução da governança estatal em áreas protegidas; persistência do crime ambiental nas cadeias produtivas; e aumento da degradação florestal.
A expectativa do governo federal é iniciar a revisão do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado —o equivalente ao PPCDAm para o cerrado— em julho.
'Retrocesso'
Ao lado de Lula no evento desta segunda-feira, Dia Mundial do Meio Ambiente, Marina classificou como "retrocesso" a decisão do Congresso que esvaziou a pasta que está sob sua responsabilidade.
A ministra afirmou que as mudanças aprovadas pelo Legislativo vão "na contramão daquilo que significa ter legislação ambiental robusta". Ela lembrou que Lula tinha colocado o CAR (Cadastro Ambiental Rural) e a ANA (Agência Nacional de Águas) sob a gerência do Ministério do Meio Ambiente, mas a decisão foi revertida pelo parlamento.
"Infelizmente, em recente decisão do Congresso tivemos um retrocesso e reversão dessa sua decisão. É uma decisão que não está em acordo com aquilo que é o fortalecimento do sistema nacional do meio ambiente, que acatamos porque na democracia a gente acata decisões legítimas do Congresso, mas não posso concordar", disse.
"Não posso concordar porque vão na contramão daquilo que significa ter legislação ambiental robusta e [que] faça com que o Ministério do Meio Ambiente possa cumprir com suas atribuições que lhe são conferidas na Constituição e em todas as leis que asseguraram a criação do sistema nacional de meio ambiente", completou no evento.
À noite, em pronunciamento em cadeia nacional, Marina discursou em tom de otimismo e conciliação com o governo.
"Estamos em meio a um processo de grandes dimensões que exige sabedoria, clareza e coragem para seguir adiante em meio às adversidades, persistindo sempre no compromisso com mudanças profundas e irrenunciáveis", disse.
A ministra lembrou que o Dia Mundial do Meio Ambiente é uma data criada há 50 anos e que muitas ações ainda precisam ser realizadas. "Passado meio século deste alerta, sabemos que não fizemos o suficiente e chegamos à situação atual. Mudanças no clima, com secas e enchentes cada vez mais severas."
O texto aprovado no Congresso desidratou a pasta comandada por Marina e também a de Sônia Guajajara (Povos Indígenas), que perdeu a função de tratar da demarcação de terras indígenas.
O relatório aprovado retirou a ANA do Meio Ambiente e a transferiu para o Desenvolvimento Regional —pasta comandada por Waldez Góes (PDT), indicado por parlamentares da União Brasil.
O CAR, instrumento para controlar terras privadas e conflitos em áreas de preservação, também saiu do ministério chefiado por Marina e foi alocado sob Gestão e Inovação em Serviços Públicos, chefiado por Esther Dweck.
Com receio de derrotas maiores, o governo decidiu não lutar para manter a sua proposta original relacionada com a área ambiental.
Um dia antes, na terça-feira (30), a Câmara dos Deputados também aprovou o projeto de lei do marco temporal, em mais uma vitória da bancada ruralista ante a agenda ambiental do governo.