A discussão sobre como o país absorveu a convulsão social que tomou as ruas em todos os estados brasileiros em junho de 2013 ocupou o debate público ao longo dos últimos dez anos. Seja em ambientes acadêmicos, nos lares, no trabalho ou em mesas de bar, estabelecer relações entre os protestos daquele mês e os eventos igualmente transformadores que os sucederam virou tema nacional. Entender os impactos daquele período, no entanto, é tarefa bastante complexa.
Leia: Dez anos dos protestos de junho de 2013: o que pediam os manifestantes
Leia: Há 10 anos, protestos de junho de 2013 mudavam para sempre o Brasil
Leia: Aumento de 20 centavos marcou o início dos protestos de junho de 2013
“Eu costumo falar para os meus alunos que há períodos na história que podemos chamar de densos. São períodos em que em alguns anos acontece tanto que eles se tornam momentos chave. Essa década de 2013 a 2023 é um exemplo. Houve tantas reviravoltas, o PT estava no poder, a Dilma é derrubada em 1016, tivemos a extrema direita no poder entre 2019 e 2022 e, depois, a volta do Lula. Nesse meio tempo aconteceu o final do julgamento da ação penal do chamado Mensalão, a reeleição da Dilma, a Operação Lava-Jato”, comenta a professora do departamento de História da UFMG, Kátia Gerab Baggio.
A professora ainda aponta que as manifestações de 2013 incensaram a pauta anticorrupção a um nível de aceitação popular que mais tarde legitimaria os métodos usados na Operação Lava-Jato, por exemplo: “Abriu-se uma janela que demonstrou que havia um espaço muito grande para usar a corrupção como um elemento central para desestabilizar o governo Dilma. Esse sentimento se fortaleceu após 2013 e seguiu em movimentos como o ‘não vai ter Copa’ e abriu espaço inclusive para a forma como se desenvolveu a Lava-Jato”.
O professor da Escola de Arquitetura da UFMG, Roberto Andrés, ressalta que os movimentos de rua se seguiram após junho de 2013, com pautas mais definidas e com alternâncias ideológicas na ocupação das cidades. “A gente teve, no segundo semestre de 2013, muita atividade, o maior ciclo de ocupações em câmaras municipais, que começou aqui em BH. Tivemos um salto nas ocupações por moradia que até projetou o Guilherme Boulos em São Paulo. Tivemos ainda greve dos professores no Rio de Janeiro, greve dos garis. Mas há também uma repressão muito forte, com centenas de pessoas presas, uma eleição acirrada em 2014. Isso gera um vácuo nas ruas que depois é ocupado pela direita, especialmente em 2015 e 2016, quando, inclusive, o perfil dos manifestantes muda, fica mais velho e mais rico”, comenta.
Para Andrés, os desdobramentos políticos das jornadas de junho de 2013 precisam ser avaliados meticulosamente e não há relações de causalidade que demonstrem um fortalecimento direto de setores à esquerda ou à direita, mas sim uma cadeia complexa de efeitos. “É uma cadeia causal que tem muitos fatores. No Brasil, essa questão de procurar a origem, o pecado original é também uma forma de livrar a classe política do que fez e do que não fez e da responsabilidade pelo que acontece”, explica.