Quem abriu a edição de Política do Estado de Minas em 30 de junho de 2013 se deparou com uma página dupla e o título: “Clamor fez resposta ser rápida”. No centro da edição, sobreposta a uma imagem da Praça Sete completamente tomada por manifestantes, estavam elencados uma série de movimentos imediatos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para responder aos protestos que viraram o país de ponta-cabeça naquele mês que se encerrava. Sob o calor do momento, as autoridades brasileiras reagiram rápido, mas a maior parte das medidas de impacto a longo prazo ficou pelo caminho com o passar dos anos.
A Câmara dos Deputados trabalhou em ritmo acelerado para discutir e votar medidas que ecoassem o grito das ruas na casa legislativa. Foi aprovado o Projeto de Lei (PL) 323/07 que determinava a destinação de 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde. Outro PL aprovado reduziu as alíquotas do PIS/Pasep dos serviços de transporte público. Também naquele mês, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, um dos principais alvos dos manifestantes por retirar atribuições investigativas do Ministério Público, foi arquivada no Congresso.
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A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) também teve dias de trabalho duro em junho. O grupo permanente que avalia todos os projetos de lei propostos aprovou naquele mês a PEC 90/2011, que incluiu o transporte público na lista dos direitos sociais; a PEC 196/2012, que instituiu o voto aberto nos processos de cassação de mandato parlamentar por quebra de decoro e processos criminais; e a PEC 205/2012, que regulamenta o uso de verba indenizatória por deputados estaduais.
No Senado, foi aprovado um novo regulamento para o Fundo de Participação dos Estados (FPE). Também teve votação favorável o PL 204/2011, que torna a corrupção um crime hediondo. Os senadores ainda aprovaram urgência para a tramitação do PL 248/2013, que institui o passe livre estudantil e para a PEC 2/2012, que exige ficha limpa para servidores públicos.
Na esfera municipal, a reação mais comum entre as prefeituras está relacionada à pauta original das jornadas de junho. Em seu livro “A Razão dos Centavos”, o urbanista e professor da Escola de Arquitetura da UFMG Roberto Andrés recorda que mais de 100 cidades brasileiras tiveram o aumento no preço das passagens de ônibus revogado como medida imediata após os protestos.
O professor avalia que não houve, no entanto, a estruturação de políticas de transporte mais perenes que permitiriam uma melhoria contínua nos sistemas brasileiros. Ainda assim, as manifestações de 2013 contribuíram para incutir no debate público a discussão sobre os modelos de cobrança das passagens e a ideia da tarifa zero.
“Houve essa reação imediata das 100 cidades revogando o aumento da tarifa, mas não houve um endereçamento institucional e político para a questão do transporte. Mesmo a esquerda política no poder não levou adiante propostas para de fato transformar institucionalmente a questão do transporte. Mas um ciclo de manifestações é capaz de produzir mudanças no senso comum da política e, nesse sentido, a ideia de ‘tarifa zero’, que era absurda naquele momento, foi se tornando mais palpável e mais possível. Hoje a gente tem mais de 70 cidades com tarifa zero no Brasil e eram menos de 10 em 2013”, analisa o pesquisador.
Os cinco pactos de Dilma
No Executivo Federal, a presidente Dilma Rousseff (PT) fez sua primeira movimentação formal no dia 21 de junho, em um pronunciamento em cadeia aberta de rádio e televisão. Ela anunciou que reuniria prefeitos e governadores para discutir medidas em resposta aos protestos no país.
A reunião anunciada aconteceu quatro dias depois em Brasília. O encontro rendeu a proposta de cinco pactos para atender às demandas das ruas. O primeiro tratava sobre responsabilidade fiscal com objetivo de garantir a estabilidade da economia e controle da inflação. O segundo versava sobre a convocação de um plebiscito para convocar uma assembleia constituinte que guiasse uma reforma política, além do envio de um projeto para tornar a corrupção dolosa em crime hediondo ao Congresso.
O terceiro pacto incluía medidas para a área da saúde. Destacam-se pedido para governadores e prefeitos acelerarem investimentos em hospitais; ampliação da adesão de hospitais filantrópicos ao SUS; importação de médicos para o serviço público; e criação de mais de 11 mil vagas em cursos de medicina.
O quarto pacto trazia medidas relacionadas ao transporte, como a desoneração do PIS sobre o óleo diesel; pedidos aos estados e municípios para diminuir a carga de impostos do transporte coletivo; destinação de R$ 50 bilhões para obras de mobilidade urbana; e a criação de um Conselho Nacional do Transporte Público. O quinto e último pacto foi um pedido de apoio para o repasse total dos royalties do petróleo para saúde e educação.
O conturbado cenário político e econômico que sucedeu o anúncio dos pactos afetou a concretização de algumas das ideias. Para o professor Roberto Andrés, as ideias poderiam não surtir efeito real no cenário da mobilidade urbana e as propostas de médio e longo prazo foram comprometidas nos anos após 2013.
“As ideias eram muito relacionadas às obras, fazer um novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), e eu tenho muita dúvida se isso resolveria o problema. Eram ideias caras que não lidavam com os problemas principais da mobilidade urbana. Depois disso, o governo entrou em recessão e muito daquilo não saiu do papel”, comenta.
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Um congresso modificado
Os dez anos das jornadas de junho de 2013 suscitam muitas análises sobre o que mudou no cenário político do Brasil. A composição da Câmara dos Deputados fornece uma percepção sobre as alterações na vida partidária do país.
Em 2010, ano da primeira eleição de Dilma Rousseff, o PT conseguiu eleger a maior bancada da Câmara, com 88 parlamentares. No pleito seguinte, o partido teve uma queda nesta contagem, mas seguiu como a legenda com mais representantes, 70. Este número cai para 56 em 2018 e aumenta para 68 em 2022. Embora tenha se recuperado nas últimas eleições, o PT foi superado em número de parlamentares pelo PL, que conseguiu 99 cadeiras.
O PMDB perdeu cadeiras nas duas eleições seguintes às jornadas de junho. O partido, hoje chamado MDB, saiu de 79 parlamentares em 2010 para 66 em 2014 e 34 em 2018. A queda mais acentuada, no entanto, aconteceu no PSDB. Os tucanos eram a terceira maior bancada em 2010, com 53 deputados, e viram esse número cair pleito a pleito até chegar a 13 nomes eleitos em 2022, uma redução de 75% na representação na Câmara.
Neste período, o efeito de ter Jair Bolsonaro como candidato se mostrou eficiente em angariar nomes no Legislativo. Candidato eleito em 2018 pelo PSL fez a bancada do partido subir de 1 para 52 cadeiras de 2014 para 2018. Derrotado em 2022 concorrendo pelo PL, o ex-presidente ajudou a legenda a saltar de 33 para 99 deputados.