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Estado de Minas ENTREVISTA/FRANCISCO JOSELI PARENTE CAMELO

'Militar que vai para a política tem que deixar as Forças Armadas'

À frente do Superior Tribunal Militar, tenente-brigadeiro do ar Francisco Camelo defende a separação entre as duas atividades


18/06/2023 04:00 - atualizado 18/06/2023 14:09
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ENTREVISTA/FRANCISCO JOSELI PARENTE CAMELO
''Não é ruim que um militar vá para a política, desde que seja afastado, porque é bom que tenhamos representantes no Congresso Nacional, mas não concordo que ele permaneça [nas Forças Armadas]'' (foto: JAIR AMARAL/EM/D.A. PRESS)

Presidente do Superior Tribunal Militar (STM), o tenente-brigadeiro do ar Francisco Joseli Parente Camelo não usa meios-termos quando o assunto é a participação de militares da ativa na política. Em entrevista ao Estado de Minas, ele deixou bem clara a sua posição a respeito: “Militar não é para estar em funções políticas. Os militares têm uma atividade muito específica, dentro das Forças Armadas. Compete às Forças Armadas a defesa da pátria, garantir os poderes constitucionais e, por iniciativa deste, a garantia da lei e da ordem, a paz social do país.”
 
Ele defende, entretanto, que os militares tenham representantes na política, mas desde que deixem as Forças Armadas. “Militares que queiram ir para a política têm que se afastar. Não é ruim que um militar vá para a política, desde que seja afastado, porque é bom que tenhamos representantes no Congresso Nacional, mas não concordo que ele permaneça [nas Forças Armadas]”, diz.

Aos 69 anos, natural de Fortaleza, Francisco Camelo tem uma passagem importante por Minas Gerais em sua trajetória. Ele se formou na Escola Preparatória de Cadetes do Ar, em Barbacena, no Campo das Vertentes. Em rápida viagem esta semana a Belo Horizonte, onde veio participar do Congresso Jurídico de Direito Militar, o presidente do STM concedeu entrevista ao Estado de Minas sobre as atribuições da Justiça Militar, que completou 215 anos em abril, aspectos da Justiça de uma maneira geral e as investigações dos atos golpistas de 8 de janeiro, quando extremistas, insatisfeitos com o resultado da eleição presidencial de 2022, invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional.

Ele defende que a Justiça Comum julgue os envolvidos nos atos antidemocráticos e elogia a atuação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, a quem se referiu como corajoso. Confira a entrevista, feita antes do fato ocorrido na última sexta-feira, quando Moraes retirou o sigilo de investigação do caso e foi divulgado que um documento com instruções para um golpe de Estado foi encontrado no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro.



Como é a atuação da Justiça Militar e qual a estrutura da instituição?
A Justiça Militar da União foi criada em 1808, logo que dom João chegou ao Brasil. Então, ele tomou três providências: criou a Justiça Militar, abriu os portos e nomeou seus ministros. A importância da Justiça Militar é que nós temos a responsabilidade de tutelar a disciplina e a hierarquia no seio das Forças Armadas. É esse o objetivo maior. O Poder Judiciário brasileiro é composto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e abaixo tem os tribunais superiores, são eles: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Superior Tribunal Militar (STM). 

Militares podem ser julgados por outros órgãos? E a Justiça Militar também pode julgar civis?
Nós, da Justiça Militar, julgamos os crimes militares definidos em lei. Então, civis podem cometer crimes militares, em uma incitação em conluio com um militar, por exemplo. Assim como os militares também cometem crimes comuns, como nós vimos no dia 8 de janeiro, onde houve aquela depredação nos três Poderes da República. Aqueles locais não estavam sujeitos à administração militar, então foi um crime comum, por isso está sendo julgado pela Justiça comum.

É por isso que a prisão do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi feita pela Polícia Federal e não pelo Exército?
Foi preso pela Justiça comum porque cometeu um crime comum. Então, a prisão foi comunicada e ele foi recolhido para uma unidade militar. Ele é um militar na ativa e está sendo julgado preso nesta unidade.
 

Sobre os atos de 8 de janeiro, há algum caso na Justiça Militar?
Os dois primeiros casos, de coronéis da reserva, estão julgados na primeira instância da Justiça Militar porque foi no dia 8, mas imediatamente o Comando Militar do Planalto abriu um inquérito policial militar e esse inquérito foi conduzido pela primeira instância da Justiça Militar. São os dois processos que nós estamos julgando hoje.

Como o senhor avalia a atuação geral do presidente do TSE, Alexandre de Moraes?
O Alexandre de Moraes teve realmente uma responsabilidade muito grande em todo o período eleitoral. Ele é presidente do TSE, então ele tomou atitudes corajosas, mas esteve sempre dentro da lei. “Ah, o Xandão fez isso e tal”. Eu vejo que ele tem tomado atitudes corajosas em momentos difíceis que nós passamos no nosso país e eu vejo o ministro Alexandre de Moraes como realmente um grande jurista e não vejo essas incorreções que tanto falam dele. Tem sido corajoso.

O governo anterior teve um aumento recorde do número de militares da ativa em cargos de comissão, passando de 2.200, enquanto a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reduziu este número em quase 300. Como o senhor vê esta questão?
Os militares têm uma atividade muito específica, dentro das Forças Armadas. Compete às Forças Armadas a defesa da pátria, garantir os poderes constitucionais e, por iniciativa deste, a garantia da lei e da ordem, a paz social do país. Então, esta é a função dos militares. Militar não é para estar em funções políticas. Pode eventualmente um militar ser afastado – e é previsto até em lei que ele pode ficar até dois anos afastado –, mas não dessa forma que aconteceu, de uma maneira que em tudo que é lugar nós tínhamos militares presentes.
 
Inclusive, eu também tenho defendido que os militares que queiram ir para a política têm que se afastar das Forças Armadas. E não é ruim que um militar vá para a política, desde que ele seja afastado, porque é bom que nós tenhamos representantes no Congresso Nacional, mas eu não concordo que ele permaneça. Por exemplo: “É candidato, perde e volta para a Força”. Não. Tomou uma decisão de um caminho político, segue esse caminho.

Uma proposta de emenda à Constituição de 2022 determina que a Justiça Militar tenha representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Qual a importância dessa inclusão?
O Conselho Nacional de Justiça tem aquele papel não só de regulamentar, mas também de fiscalizar e julgar os magistrados. Nós, quando saímos da Força no último posto e passamos a ser magistrados, recebemos todas as garantias das magistraturas. Nós estamos sujeitos às orientações do Conselho Nacional de Justiça. A Justiça Militar é a única dos tribunais superiores na área criminal que não está presente dentro do Conselho Nacional de Justiça. E nós recebemos orientações dele. Então, eles precisam que tenham um elemento nosso para que realmente as orientações venham num sentido melhor, num sentido mais correto. Então, é muito importante e nós estamos batalhando muito nesta proposta de emenda à Constituição, que temos o general Mourão [senador pelo Rio Grande do Sul] como relator dessa matéria.

Ministro, como o senhor vê a questão das pensões militares e como recebeu as mudanças feitas pela lei de 2019?
Em 2019, foi feita realmente uma readequação daquelas pessoas militares. O que acontecia: as pensionistas recebiam, mas não continuavam pagando aquela taxa - até para manter. Então, eu acho que foi muito bom o trabalho que foi feito. Eu acredito que hoje a questão da previdência militar não é deficitária, porque essas necessidades foram corrigidas naquele momento em que foi feita essa modificação. Eu não conheço com toda a profundidade, porque eu não participei do processo, mas, em linhas gerais, eu acredito que foi muito positivo.

Belo Horizonte recebeu, na semana passada, o Congresso Jurídico de Direito Militar. O que este evento representa?
Nós temos três estados com um tribunal de Justiça Militar: Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Além disso, nós temos a Justiça Federal, que tem o Superior Tribunal Militar como órgão máximo. Então, nós temos uma escola de aperfeiçoamento de magistrados na Justiça Militar e nós fazemos um rodízio. A cada ano, nós fazemos um seminário em uma dessas escolas que têm esses tribunais e, neste ano, foi eleita Minas Gerais. Um grande sucesso.

O senhor assumiu o cargo de presidente do STM em março. Quais são as prioridades e objetivos da sua gestão?
A prioridade primeira, e sei que é a mais difícil delas, é a gente construir a nossa sede no local destinado aos tribunais superiores. Nós temos o terreno e já fizemos o projeto executivo, inclusive fica ao lado do prédio do STJ. Somos o único tribunal superior que não está naquele local. O nosso prédio já tem 50 anos, fica no setor de autarquias, que não tem nem lugar para estacionamento dos nossos visitantes. Então, nós vamos trabalhar muito para conseguir esse recurso.
 
Estamos em tratativa com o poder Executivo e com o próprio poder Judiciário para ver se começamos esse trabalho a partir do ano que vem. Os recursos são na ordem de R$ 650 milhões para construir um prédio em quatro, cinco anos da maneira que vier a divisão do recurso. Essa é a primeira. É um sonho que eu tenho certeza de que nós vamos transformar em realidade. A cadeira no CNJ é outra prioridade.

E sobre os questionamentos da sociedade a respeito da Justiça Militar?
A gente fica muito preocupado com as redes sociais, com essas desinformações. Muita gente coloca a Justiça Militar da União como um órgão que seria para proteger os militares, quando não é realidade. Nós estamos ali para manter a disciplina e a hierarquia nas nossas instituições, nas nossas unidades, para os nossos militares. E isso nós fazemos desde 1808. Então. nós não estamos para proteger militares, nós estamos ali para julgar os malfeitos dos nossos militares e civis que cometam também, mas especialmente nós existimos para condenar aqueles militares que fazem um malfeito. Depois de ter a prova, é nosso papel condenar.


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