Jair Bolsonaro (PL) entra na semana decisiva para o seu futuro político pressionado pelos desdobramentos dos casos criminais nos quais são alvos ele e seus auxiliares mais próximos e também desgastado por mais uma fake news sobre vacina —que o levou a uma rara retratação no final de semana.
O ex-presidente chega ao julgamento no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) capaz de torná-lo inelegível dias depois da divulgação do conteúdo do celular do seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, com um arsenal teórico sobre como dar um golpe.
No mesmo evento, o próprio Bolsonaro disse que passa por um problema e que os "indicativos" para o julgamento "não são bons".
O julgamento que pode tornar Bolsonaro inelegível está pautado para começar nesta quinta-feira (22) e pode ocupar todas as sessões do TSE nas próximas semanas.
A ação mais adiantada no tribunal trata da reunião no Palácio da Alvorada, em julho do ano passado, na qual o então presidente da República apresentou mentiras sobre as urnas eletrônicas a embaixadores.
Caso seja derrotado e declarado inelegível pelo TSE, Bolsonaro não poderá disputar eleições por oito anos, sendo que esse prazo começa a contar a partir da eleição de 2022 —quando foi derrotado por Lula (PT).
Mesmo com a gravidade e a possibilidade de inelegibilidade, Bolsonaro e seus aliados precisaram dividir o foco nos últimos dias com outras preocupações, essas na esfera criminal.
Assim como no TSE, o centro das investigações criminais contra Bolsonaro e seus aliados é a escalada dos ataques ao sistema eleitoral para as investidas golpistas concretas a partir da campanha eleitoral.
Ao enviar o conteúdo do celular de Mauro Cid para o ministro Alexandre de Moraes (STF), o delegado Fabio Shor, da Polícia Federal, expôs sua linha de raciocínio.
Shor é o sucessor da delegada Denisse Ribeiro nos inquéritos das fake news e milícias digitais —a investigadora deixou o caso por causa de uma licença maternidade. É dentro das investigações do delegado que estão todos os casos contra Bolsonaro, com exceção do 8 de janeiro.
Segundo o delegado, seus inquéritos haviam identificado até então o "modus operandi no mundo virtual, nas redes sociais" dos investigados e os documentos e mensagens encontrados com Cid "revelaram o processo de materialização no mundo real" da associação criminosa investigada.
Essa suposta associação incluiria Bolsonaro, Cid, Anderson Torres e ao menos alguns de seus ministros militares, como Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno.
Todos de alguma forma participaram dos eventos no mundo virtual em que Bolsonaro atacou o sistema eleitoral ou espalhou notícia falsa ou desinformação sobre a urna eletrônica —desde a live de 29 de julho de 2021, passando pelo vazamento do inquérito do ataque hacker ao TSE, até a reunião com os embaixadores na mira do julgamento eleitoral.
A leitura do relatório de Shor e de seus analistas mostra que a PF entende que os eventos a partir da derrota eleitoral, entre eles o 8 de janeiro, são parte da materialização do que era promovido nas redes sociais por Bolsonaro.
"A milícia digital reverberou e amplificou por multicanais a ideia de que as eleições presidenciais foram fraudadas, estimulando aos seus seguidores resistirem na frente de quartéis e instalações das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para uma intervenção federal", diz o delegado.
Além de contribuir para que Bolsonaro inicie a semana do seu julgamento no TSE sob pressão, o relatório de Shor indica a proximidade da reta final das investigações e, como mostrou a Folha de S.Paulo, a sinalização de que Moraes usará carga máxima contra o ex-presidente também na esfera criminal.
Na eleitoral, a articulação de Moraes garantiu na composição do TSE ministros mais alinhados às suas teses.
O conteúdo encontrado no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro veio à tona após Moraes retirar o sigilo do relatório da Polícia Federal com análise do material.
Em alguns casos, oficiais do Exército e reservistas discutiam o emprego das Forças Armadas contra o resultado das eleições presidenciais do ano passado. O coronel do Exército Jean Lawand Junior, por exemplo, enviou um áudio em que pede que o mandatário "dê a ordem".
"Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele [Bolsonaro] dê a ordem que o povo tá com ele, cara. Se os caras não cumprir, o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses cara não cumprir a ordem do, do Comandante Supremo. Como é que eu vou aceitar uma ordem de um General, que não recebeu, que não aceitou a ordem do Comandante. Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer", disse Lawand em um dos áudios, segundo transcrição da PF.
A defesa de Bolsonaro minimizou a divulgação do material e disse que o conteúdo reforça que o ex-presidente não participou de articulações golpistas.
"Os novos diálogos revelados pela revista Veja comprovam, mais uma vez, que o presidente Bolsonaro jamais participou de qualquer conversa sobre um suposto golpe de Estado", afirma a nota assinada pelos advogados Paulo Amador da Cunha Bueno, Daniel Tesser e Fábio Wajngarten.
"Registramos, ainda, que o ajudante de ordens, pela função exercida, recebia todas as demandas —pedidos de agendamento, recados, etc— que deveriam chegar ao presidente da República. O celular dele, portanto, por diversas ocasiões se transformou numa simples caixa de correspondência que registrava as mais diversas lamentações", conclui a nota.
Em meio à pressão, Bolsonaro usou as suas redes sociais para um raro pedido de desculpas por ter difundido mais uma fake news sobre vacinas. Ele participava do ato de filiação do prefeito de Jundiaí, Luiz Fernando Machado, ao seu partido, o PL.
O ex-mandatário afirmou, em determinado momento, que as vacinas de plataforma RNA da Pfizer seriam compostas de dióxido de grafeno e acrescentou que a substância se acumularia nos testículos e no ovário. A informação falsa havia sido desmentida pela Anvisa. No dia seguinte,se retratou da declaração e se desculpou.
"Em relação a uma conversa no dia de ontem sobre a existência de óxido de grafeno na vacina de tecnologia mRNA, houve um equívoco da minha parte. Como é de conhecimento público sou entusiasta do potencial de emprego do óxigo de grafeno, por isso inadvertidamente relacionei a substância com a vacina, fato desmentido em agosto de 2021", escreveu o ex-presidente.
"Mais uma vez lamento o falado e peço desculpas", completou, em sua postagem.