Em semana marcada por presenças midiáticas na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro e início de julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode tornar Jair Bolsonaro (PL) inelegível, a sabatina de Cristiano Zanin no Senado nesta quarta-feira (21/6) era apontada como mais um evento a disputar a fatia de polêmicas no noticiário político. Nas últimas semanas, porém, o jurista indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após ter sido advogado pessoal do petista se vê em situação tranquila diante dos senadores, com aval até mesmo de alguns dos opositores mais ferrenhos do Planalto.
Zanin passou de nome mais cotado para substituir o ministro Ricardo Lewandowski para opção oficial de Lula diante de cenário conturbado. A principal crítica se baseava na possível falta de isenção atrelada ao fato de que o advogado representou o presidente nos julgamentos da Operação Lava-Jato e ganhou notoriedade ao conseguir decisões no STF pela suspeição do ex-juiz Sérgio Moro e tornar seu cliente novamente elegível.
A campanha de bastidores pelo aval a Zanin conseguiu reverter o quadro de rejeição ao advogado, que, nas últimas semanas, passou a colecionar elogios até mesmo dos quadros políticos mais ligados ao bolsonarismo. O ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira (PP-PI), disse que a bancada de seu partido está liberada para votar como quiser e, ele próprio, decidirá em favor da indicação de Lula.
Outra ex-integrante da Esplanada dos Ministérios na gestão Bolsonaro hoje no Senado Federal, Damares Alves, também já declarou inclinação a aprovar o ingresso de Zanin no STF. Segundo informação publicada no jornal “O Estado de S. Paulo”, a ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos ficou impressionada após participar de almoço com o advogado e pode mudar seu voto, antes declarado de forma contrária a Zanin.
O próprio Bolsonaro, que não nega ter adotado critérios pessoais para indicar os ministros Kássio Nunes Marques e André Mendonça ao Supremo, chegou a se manifestar em consonância com o rival político dizendo que a escolha é “uma competência do presidente”. Entre os potenciais colegas de STF, Zanin colecionou elogios de nomes como Nunes Marques, Mendonça, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. Este último chegou a emitir nota afirmando que “minha visão dele é a de um advogado sério e competente, que exibiu dedicação ao cliente e conduta ética, mesmo diante da adversidade. Da minha parte, será muito bem-vindo".
Mesmo com cenário favorável, na sabatina desta quarta, Zanin deve encontrar a resistência de nomes ainda refratários como o dos senadores Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Eduardo Girão (Novo-CE), Marcos do Val (Podemos-ES), Jorge Seif (PL-SC) e Sérgio Moro (União Brasil-PR). Este último, antagonista do advogado nos casos que condenaram Lula na Justiça Federal, disse que pretende participar de forma rigorosa da sabatina.
Como funciona o processo
O Senado Federal é a casa responsável por aprovar indicações aos tribunais superiores e a embaixadas estrangeiras, por exemplo. A primeira parada de Zanin é na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde ele será arguido por 27 parlamentares. A sabatina está marcada para começar às 10h e os senadores poderão fazer perguntas específicas sobre o currículo do indicado ou sobre temas gerais.
As respostas de Zanin serão avaliadas pelo relator do caso, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PA), indicado à função pelo presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). O relatório da sabatina então é liberado para votação secreta entre os membros da comissão. É necessária maioria simples para a aprovação.
O próximo estágio é a votação no plenário do Senado. Nesta esfera também é necessária maioria simples para aprovação, 41 dos 81 senadores e a escolha dos parlamentares também é secreta. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder do governo na casa, acredita que Zanin será aprovado por larga margem, atingindo a marca de 60 votos favoráveis a seu ingresso no STF.
Não há uma confirmação se a sabatina na CCJ e a votação em plenário acontecerão no mesmo dia. A intenção do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no entanto, é agilizar o processo. “Tão logo finalizadas a sabatina e a votação na CCJ, darei encaminhamento ao plenário do Senado na mesma data”, disse o parlamentar em 12 de junho.
Quem é Cristiano Zanin
Cristiano Zanin é formado em Direito pela PUC-SP, foi estagiário no Ministério Público e no Poder Judiciário de São Paulo. Como advogado, atuou em diversas áreas e tem experiência na defesa de órgãos de mídia e recuperação judicial. Seu trabalho ganhou notoriedade nacional a partir de 2013, quando começou a defender Lula e, posteriormente, ingressou em ações da Operação Lava-Jato.
Zanin já representava o petista no momento em que ele teve sua prisão decretada após condenação em segunda instância pela Lava-Jato. Foi ele quem acionou o STF pedindo o habeas corpus e a anulação das sentenças de Sérgio Moro, restabelecendo a liberdade e os direitos políticos do petista. Lula estava preso durante as eleições de 2018 e, no pleito seguinte, foi eleito presidente da República pela terceira vez.
Após representar Lula, Zanin seguiu em evidência por casos como o das Lojas Americanas. O advogado teve a varejista como cliente no caso que avalia o rombo bilionário nos cofres da empresa.
As duas últimas sabatinas
Os dois últimos ministros a ingressarem no STF foram indicados por Jair Bolsonaro (PL): Kássio Nunes Marques, em 2020, e André Mendonça em 2021. Nas duas ocasiões, o presidente não fez esforços para associar as nomeações a critérios pessoais e escolher nomes que o representassem na Suprema Corte. Mendonça, inclusive, se enquadrou na vaga que Bolsonaro pretendia entregar a um jurista “terrivelmente evangélico”. Neste sentido, a indicação de Zanin aproxima Lula de seu rival político.
Kassio Nunes Marques teve sabatina marcada por perguntas relacionadas a pautas caras ao bolsonarismo. Questionado sobre aborto, o jurista disse ser “um defensor do direito à vida”; disse que a posse e o porte de armas deve ser analisado de acordo com cada caso e que trata-se de uma discussão jurídica e não de posição pessoal; e se afirmou um garantista perante às dúvidas dos senadores. Nunes Marques foi aprovado pelo Senado com 57 votos favoráveis, 10 contrários e uma abstenção. Ele substituiu Celso de Mello no STF.
André Mendonça foi sabatinado em dezembro de 2021 em sessão que durou cerca de oito horas na CCJ. Ele respondeu diversas questões atreladas à sua religiosidade, aludindo às falas de Bolsonaro na promessa de escolher um nome evangélico. O jurista garantiu respeitar a laicidade do Estado e da Suprema Corte. Mendonça teve a menor aprovação entre os ministros em atividade no STF, conseguindo votos favoráveis de 47 senadores e sendo rejeitado por 32, com duas abstenções.