O ex-juiz da operação Lava Jato Sergio Moro (União-PR) e o advogado Cristiano Zanin, que defendeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos processos, ficarão mais uma vez frente à frente na quarta-feira (21/6).
Mas, desta vez, Zanin vai defender a si mesmo e sua indicação para a vaga Supremo Tribunal Federal (STF), enquanto Moro é um dos senadores que farão a sabatina do advogado para confirmação da indicação.
Membro da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), Moro não é o único opositor de Lula na comissão que sabatinará Zanin, mas sua presença é marcante por conta do antagonismo histórico entre o senador e o advogado do presidente.
Os dois entraram em discussões e embates cheios de ironia durante o curso dos processos da Lava Jato.
Em tese, os dois não deveriam ter ficado em lados opostos: era o Ministério Público (MPF) que fazia as acusações, e Moro, como juiz, deveria ser imparcial em relação às partes para julgar os casos.
Zanin não conseguiu evitar a prisão de Lula, mas obteve no fim uma vitória: o STF considerou que Moro não foi imparcial nos casos, o que levou à anulação das condenações de Lula.Zanin foi indicado para o cargo mais prestigiado do Judiciário - um posto que Moro nunca chegou a ocupar, embora tenha sido especulado que poderia ser indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Mas, quando era ministro da Justiça, Moro rompeu com Bolsonaro e deixou o cargo acusando o ex-presidente de interferir na Polícia Federal.
Acabou preterido nas duas oportunidades que Bolsonaro teve de indicar um ministro do STF, primeiro pelo desembargador Kassio Nunes Marques e, depois, pelo advogado e pastor André Mendonça.
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Moro foi trabalhar como consultor, acabou reatando com Bolsonaro e foi eleito para o Senado na eleição passada.
Em seu primeiro mandato político, ele é um dos 27 membros titulares da CCJ, primeira parada da apreciação do nome de Zanin no Senado. Se for aprovada ali, a indicação vai para votação no plenário.
Desde a redemocratização do país, nenhum indicado foi reprovado para o cargo pelo Senado, embora os questionamentos das sabatinas tenham se tornado progressivamente mais intensos — o que é esperado agora para Zanin.
A sabatina marcará ainda um reencontro potencialmente tenso entre o advogado e o ex-juiz, que ao longo dos anos trocaram farpas e acusações.
'Doutor' x 'Vossa Excelência'
Uma das discussões mais prolongadas entre juiz e advogado se deu em um dos depoimentos de Lula em 2017, no caso do tríplex do Guarujá.
Nesse processo, o MPF defendia a tese de que a empreiteira OAS reformou um apartamento na cidade litorânea paulista para supostamente dar a Lula como propina.
O apartamento nunca pertenceu a Lula formalmente. Sua defesa disse que o petista chegou a visitar o local com o interesse de comprá-lo, mas desistiu pois não gostou do imóvel.
Nos depoimentos de Lula, Moro tentou diversas vezes incluir perguntas sobre o caso do sítio de Atibaia - no qual o presidente foi acusado de receber propina da OAS e da Odebrecht por meio de reformas em um sítio do empresário Fernando Bittar que o petista visitava com frequência com sua família.
O caso estava sendo julgado em outro processo, como o próprio Moro havia determinado.
Zanin protestou contra as questões alheias ao que estava sendo tratado no momento.
O advogado René Dotti, que era assistente da acusação, levantou uma "questão de ordem" (ou seja, relativa à própria audiência e não ao tema tratado) e disse que não poderia haver "confronto pessoal entre o advogado e o juiz da causa".
Logo em seguida, começou uma discussão entre Moro e Zanin:
Zanin: "Eu também tenho uma questão de ordem..."
Moro: (interrompendo) "Essa questão já foi superada".
Zanin: "Eu tenho o direito de fazer..."
Moro: (interrompendo) "O doutor já colocou essa questão de ordem."
Zanin: "Eu..."
Moro: (interrompendo) "Doutor, o senhor está impedindo seu cliente de responder. Se o doutor entende que o cliente não tem condições ou não deve responder, ele tem esse direito. O doutor quer responder pelo seu cliente."
Zanin: "Pela lei, inclusive pelo estatuto da OAB..."
Moro: (interrompendo) "O doutor não pode falar o tempo todo. O doutor está tumultuando a audiência. Se seu cliente quiser ficar em silêncio e não responder, ele tem esse pleno direito. Parece que o senhor não entende isso e quer falar no lugar dele. Podemos prosseguir.”
Zanin: "Me permita só uma colocação?"
Moro: "Não, está indeferido, o doutor já falou várias vezes."
Zanin: "Me conceda a palavra?"
Moro: "O senhor não tem essa palavra."
Zanin: "Então na verdade o que se tem aqui..."
Moro: (interrompendo) "Já foi resolvida, doutor. Até os outros advogados estão vendo o senhor turbando a audiência."
Zanin: (levantando a voz) "Outros advogados assistentes da acusação. Eu estou aqui numa posição diferente do professor Dotti e tenho uma visão diferente."
Moro: "O doutor não precisa ficar nervoso."
Zanin: "Eu não estou nervoso. Toda vez que houver uma violência à lei, tenho não só o direito, como o dever de fazer uma observância."
Outro advogado: "E isso não é nenhuma confrontação com o juízo."
Zanin: "Eu estou dizendo isso. Vossa excelência é que delimitou o objeto da ação. Toda vez que vossa excelência fizer uma pergunta fora do que está delimitado por vossa excelência em decisões anteriores, a defesa vai sim registrar e vai sim impugnar a pergunta."
Moro então afirmou que trazia o tema porque executivos da OAS falavam tanto da reforma do Tríplex quanto do sítio em mensagens.
"Se tem alguém que quer a verdade sobre isso, sou eu", disse Lula. "Quando chegar o processo de Atibaia, eu terei o prazer de responder a verdade absoluta sobre aquilo. Agora acho que é importante resolver o problema do tríplex."
Momentos em que Zanin dizia que suas colocações ao juiz não estavam sendo ouvidas se repetiram diversas vezes ao longo dos depoimentos de Lula. Em outro episódio, o advogado acusou Moro de não respeitar a defesa:
Moro: "O senhor já colocou seu ponto. Eu já ouvi o senhor várias vezes."
Zanin: "Eu não terminei meu raciocínio. Vossa Excelência quer cortar a defesa. Está claro mais uma vez que Vossa Excelência não respeita a defesa."
Apartando a briga
Ainda nos depoimentos de Lula, o petista chegou a entrar no meio de uma discussão entre Zanin e Moro.
O advogado pediu que Moro especificasse quem eram as testemunhas que supostamente haviam dito que o tríplex no Guarujá estava sendo reformado para Lula.
Sentindo o clima esquentar, Lula interveio:
Lula: "Eu posso falar? Quero evitar que o senhor brigue muito com meu advogado."
Moro: "É o seu advogado que está brigando, eu estou tentando fluir com a audiência."
Em outro momento, Moro perguntou repetidamente ao petista sobre o pagamento do aluguel de um dos imóveis em que ele residiu.
Lula repetiu diversas vezes que os recibos dos pagamentos foram apresentados, mas Moro continuou insistindo na questão com outras perguntas.
Zanin disse então que "cabe à acusação fazer a prova da culpa e não ao acusado fazer a prova da inocência".
Ironias nada sutis
Outra extensa discussão entre o então juiz e o advogado de Lula também aconteceu no caso do triplex do Guarujá, em 2016, no depoimento do ex-zelador José Afonso Pinheiro, que trabalhou no prédio onde fica o apartamento de que o MPF acusou Lula de ser dono.
A discussão começou após perguntas da defesa do presidente para a testemunhas:
Moro: "A defesa está sugerindo que ela [a testemunha] está mentindo por causa da política?"
Zanin: "Vossa Excelência está colocando palavras na minha boca. Eu não sugeri nada, eu fiz perguntas absolutamente pertinentes ao assunto."
Moro: "Precisa ver se (a testemunha) não vai sofrer queixa-crime, ação de indenização pela defesa..."
Zanin: "Quando as pessoas praticam atos ilícitos, respondem pelos atos. Acho que é isso o que diz a lei"
Moro: "Vai entrar com ação de indenização, então, contra ela [a testemunha], doutor?"
Zanin: "Não sei. O senhor está advogando alguma coisa para ela?"
Moro: “Não sei... a defesa entra (com ação) contra todo mundo."
Zanin: "Eu acho que ninguém está acima da lei. Da mesma forma como as pessoas estão sujeitas a determinadas ações, as autoridades também devem estar."
Moro: "Está bem, doutor. Uma linha de advocacia muito boa".
Zanin: "Faço o registro de vossa excelência e recebo como elogio."
Perguntas não feitas
Farpas foram trocadas entre o então juiz e o advogado durante uma audiência em 2018, no caso do Instituto Lula, devido ao fato da defesa não ter tido acesso ao conteúdo integral dos autos.
O MPF havia afirmado que a Odebrecht comprou um terreno em São Paulo para a construção do instituto, criado por Lula após deixar a Presidência.
Os promotores diziam também que supostas doações da empreiteira para o instituto seriam propina. A defesa de Lula sempre negou as acusações.
Sem o material completo do processo, Zanin decidiu não questionar o dono da empreita, Marcelo Odebrecht, no seu depoimento, exigindo o direito de ter acesso aos documentos.
Moro reclamou da defesa, e a conversa seguiu:
Zanin: "Vossa Excelência tem sempre ‘gentis palavras’ para dirigir à defesa, mas se vossa..."
Moro: (interrompendo) "Não, eu só não acho que devo perder tempo vindo na audiência a pedido da defesa para depois a defesa entender que não há perguntas. Só isso."
Zanin: "Eu insisto, a defesa fará perguntas quando tiver acesso ao material. Está documentado que a defesa não teve acesso ao material. Isso é cerceamento de defesa."
Em outro momento, no mesmo depoimento, Moro diz que o advogado não fazer as perguntas seria uma "brincadeira da defesa".