Em quatro dias repletos de encontros oficiais, primeiro na Itália e, a partir de quinta (22/6), na França, o presidente Lula se reuniu com líderes de vários países e aproveitou para destacar os engajamentos do Brasil na área ambiental, o que também é uma forma de o entre União Europeia e Mercosul.
O chefe de Estado brasileiro também fez articulações políticas na França, país-chave para desbloquear o processo de implementação desse acordo de livre comércio entre os dois blocos, e reiterou o posicionamento do Brasil em relação à guerra na Ucrânia.
A seguir, entenda, em quatro pontos, os principais destaques da viagem de Lula à Europa.
1. Reaproximação com a África e nova governança global
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A cúpula, uma iniciativa do presidente francês, Emmanuel Macron, teve como um dos temas centrais a reforma de instituições internacionais como o FMI e o Banco Mundial.
“Foi muito importante pela possibilidade de ter relações de uma só vez com muitos países, sobretudo africanos”, disse Lula.
Segundo ele, os países africanos estão “muitos desejosos da volta do Brasil à África”, se referindo a convênios e investimentos brasileiros no setor de obras no continente.
“Foi uma reunião extraordinária porque fazia muito tempo que eu não me encontrava com muitos presidentes, alguns eu nem conhecia”, acrescentou Lula sobre o evento em que ele participou apenas no encerramento, na sexta-feira, uma mesa-redonda com vários chefes de Estado e de governo, coordenada por Macron.
Em Paris, Lula teve encontros com os presidentes da África do Sul, da República Democrática do Congo, de Cuba, com o primeiro-ministro do Haiti e com o presidente da COP28 nos Emirados Árabes Unidos, além do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Já o jantar oferecido pelo príncipe da Arábia Saudita acabou sendo cancelado a pedido de Lula, mas ele nega que isso tenha ocorrido em razão da repercussão negativa do encontro.
Na prática, a cúpula com o objetivo de redesenhar a arquitetura financeira mundial não correspondeu aos interesses do Brasil, como declarou à BBC News Brasil uma fonte diplomática brasileira - e o Brasil ainda espera o cumprimento da antiga promessa dos países ricos de liberar US$ 100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento lutarem contra as mudanças climáticas.
Mas o encontro serviu como oportunidade para Lula voltar a opinar sobre a necessidade de reforma das instituições internacionais, como FMI, Banco Mundial e ONU, para que haja uma nova governança global, mais representativa do mundo de hoje.
“Governança global se chama ONU e ela tem de estar fortalecida, não é mais a mesma de 1945”, afirmou Lula neste sábado.
Para o presidente, a ONU precisa ter representatividade e força política para que medidas ambientais aprovadas em reuniões internacionais possam ser efetivamente implementadas de forma global.
“Se não mudarmos essas instituições, a questão climática vira uma brincadeira”, disse Lula no encerramento da cúpula em Paris.
A diplomacia brasileira considera ainda que o encontro em Paris serviu como um “aquecimento para o G20”, que o Brasil presidirá a partir de 1° de dezembro.
2. Acordo União Europeia – Mercosul
Durante a viagem, Lula criticou repetidas vezes as novas exigências na área ambiental impostas pelos europeus em relação ao acordo União Europeia.
O adendo ao tratado feito prevê sanções no caso do não cumprimento do Acordo climático de Paris, algo que Lula classificou como “ameaças a um parceiro estratégico” em um discurso diante de Macron e outros líderes políticos na sexta (23/6).
Esse assunto também foi discutido com o líder francês durante um almoço no Palácio do Eliseu, na sexta-feira. Lula reiterou a Macron que o Brasil considera inaceitável o adendo que modifica o acordo aprovado em 2019.
“O almoço com o presidente Macron foi importante porque colocamos nossa pauta em dia, ou seja, todos os problemas que tínhamos de levantar. O mais sério é o acordo UE- Mercosul, no qual a França tem um papel importante e nesse momento há um início de contrariedade da França com relação ao acordo”, declarou Lula.
A França contesta a ratificação desse acordo, alegando, entre diferentes fatores, problemas de uso de pesticidas no Brasil que são proibidos na Europa, dumping e desequilíbrios entre os direitos trabalhistas dos dois blocos.
“Eu acho normal que a França tente defender a sua agricultura, pode ser um ponto de mais dificuldade de inflexão, mas também é normal que eles compreendam que o Brasil não pode abrir mão das compras governamentais.”
“Nós precisamos da União Europeia e a UE precisa muito de nós. É importante colocar um pouco da arrogância de lado e colocar o bom senso para negociar. Isso vale para eles e para a gente”, acrescentou.
Com o presidente Macron sem maioria absoluta no parlamento após a sua reeleição, Lula aproveitou sua viagem à França para conversar com um líder da esquerda, Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, partido que lidera uma coalizão de esquerda que inclui socialistas, ecologistas e comunistas no parlamento francês.
“Não tenha dúvida de que nós vamos conversar com todos os amigos que temos na França para ver se a gente consegue convencer as pessoas da importância (do acordo)”, declarou.
O presidente brasileiro disse que o Mercosul irá responder a carta adicional enviada pela UE e afirmou que isso será importante para “para estabelecer uma nova rodada de negociações” no encontro entre europeus e países latino-americanos e caribenhos (Celac) que ocorrerá em julho na Bélgica.
3. Meio ambiente
Em seus discursos na Europa, como o realizado na cúpula em Paris sobre um novo pacto financeiro global, Lula reiterou a promessa do Brasil de acabar com o desmatamento na Amazônia até 2030 e de cuidar de outros biomas nacionais, além de destacar o papel do Brasil no debate sobre as mudanças climáticas e o fato de que o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo.
“No Brasil, 87% da energia é renovável, contra 27% no resto do mundo”, declarou Lula repetidas vezes. Ele também cobrou dos países ricos a responsabilidade por financiar a preservação ambiental.
Mas a maior vitrine de Lula na área ambiental nessa semana europeia foi provavelmente seu discurso no show “Power of Planet” nos jardins da Torre Eiffel para milhares de jovens.
O evento da ONG Global Citizens tem como curador artístico o vocalista da banda Coldplay, Chris Martin, que apoia esse movimento que mobiliza cidadãos de todo o mundo em relação a temas como fim da pobreza extrema e preservação do planeta.
Os discursos de Lula sobre o tema também visa tranquilizar os europeus em relação à política nessa área, com o objetivo de tentar destravar o acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul.
4. Guerra na Ucrânia
Neste sábado, na coletiva em Paris, Lula evitou comentar a rebelião do grupo Wagner contra o exército russo. Apesar de ter sido questionado três vezes sobre isso, Lula repetiu que não estava devidamente informado sobre o assunto.
A visão do governo brasileiro em relação ao conflito na Ucrânia é diferente à dos europeus: eles consideram a Rússia um agressor que não pode ficar com os territórios invadidos e ressaltam que a Ucrânia, que tem recebido armamentos dos americanos e europeus, tem o direito de se defender.
O conflito também foi um dos assuntos do almoço com Macron na sexta-feira.
Nesta viagem, Lula manteve sua posição, que vem sendo criticada pela imprensa francesa, de que o conflito deve ser suspenso e que sejam iniciadas negociações de paz.
Lula declarou entender que os europeus que têm uma guerra à sua porta tenham uma visão diferente. “Eles estão no centro da guerra. Eu estou a 14 mil quilômetros de distância. Eles estão sofrendo a consequência mais direta do conflito”, afirmou, se referindo ao aumento dos preços da energia no continente.
“O Macron sabe o que eu penso da Ucrânia e eu sei o que ele pensa. Ele está próximo do campo de batalha e acho que mesmo os que defendem a guerra e que ajudam a Ucrânia querem a paz”, declarou Lula sobre a conversa com o líder francês na sexta.
“A paz só vai acontecer quando os dois combatentes chegarem à conclusão de que é preciso ter paz. Tem muita gente tentando encontrar um caminho para que a gente chegue a paz”, disse, acrescentando esperar que em breve esse seja também o caso dos Estados Unidos.
O Brasil participa de uma reunião neste final de semana convocada pela Ucrânia em Copenhague, na Dinamarca, com os países do G7, além da África do Sul, Índia, Turquia e provavelmente a China sobre o conflito.
Celso Amorim, assessor especial da presidência, foi enviado para a cidade nórdica.
“Sou contra a guerra, quero paz. Nós condenamos a invasão da Rússia, mas isso não signfica que vou ficar fomentando a guerra. Em algum momento os dois países vão sentar e vão precisar de interlocutores. O Amorim está em Copenhague para tentar estabelecer soluções para a paz”, concluiu Lula neste sábado.