Um julgamento de 2021 se tornou fundamental para formar convicção dos ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no processo que pode tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível.
Na ocasião, o tribunal cassou o mandato de um dos coordenadores da campanha de Bolsonaro em 2018, o ex-deputado Fernando Francischini, que tinha usado as redes sociais para disseminar informações falsas a respeito das urnas eletrônicas.
A ação contra Francischini é o principal precedente no qual o TSE firma entendimento de que a difusão de desinformação sobre o sistema eleitoral promovida por meios de comunicação pode levar um político à inelegibilidade.
Em 2018, após ser eleito para dois mandatos na Câmara dos Deputados, Francischini decidiu concorrer a deputado estadual pelo PSL do Paraná e foi o mais votado do estado.
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"Eu uso aqui a minha imunidade parlamentar, que ainda vai até janeiro, independentemente dessa eleição, pra trazer essa denúncia."
Por causa dessa live, o Ministério Público Eleitoral entrou com uma ação por abuso de poder político e de autoridade e uso indevido dos meios de comunicação social, que levaram o TSE a cassar o seu mandato.
Em seu voto, o então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão, fez uma defesa do sistema de votação eletrônico e disse que "são absolutamente falsas as declarações do recorrido quanto às urnas eletrônicas de seções eleitorais do Paraná, às quais atribuiu a pecha de 'fraudadas', 'adulteradas' e 'apreendidas'".
Argumentou que "a exacerbação do poder político e o uso de redes sociais para promover infundadas agressões contra a democracia e o sistema eletrônico de votação podem configurar abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social".
Rebateu também outras informações falsas divulgadas pelo deputado, como a de que o Brasil não tem acesso à tecnologia das urnas.
"Ora, sendo esta Justiça Especializada a criadora e a desenvolvedora da urna eletrônica, seria no mínimo contraditório –para não dizer fantasioso– dizer que o órgão eleitoral brasileiro não teria acesso à tecnologia de sistemas", afirmou Salomão.
"Ademais, a empresa que produz as urnas não é venezuelana –o que, aliás, por si só, não representaria qualquer problema se fosse verdade."
Francischini foi cassado por 6 votos a 1 no TSE, em julgamento que a corte considerou histórico. O ministro Edson Fachin, que à época estava na corte eleitoral, disse que o que estava em jogo era "mais que o futuro de um mandato, o próprio futuro das eleições e da democracia".
À época, a defesa de Francischini argumentou que ele não se colocou na posição de candidato na live, e por isso não poderia ser punido. Também disse que suas falas não exerceram "a mínima influência no pleito, dado que a expectativa de votos se consolidou percentualmente como se apontava nas pesquisas de opinião pública".
Afirmou ainda que ele apenas informou aos seus eleitores "da obtenção de provas para a consequente perícia" das urnas, e que a liberdade de expressão não podia ser restringida.
Em junho do ano passado, a cassação de Francischini chegou a ser suspensa pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro à corte suprema. Houve, no entanto, uma reação dos demais ministros, e a decisão foi derrubada.
Esse julgamento do Supremo foi citado na manifestação do procurador do Ministério Público Eleitoral, Paulo Gonet, na sessão do TSE da última quinta-feira (22), quando ele se manifestou a favor da inelegibilidade de Bolsonaro.
Ele parafraseou o voto do ministro Gilmar Mendes no caso: "O discurso de ataque sistemático à confiabilidade das urnas eletrônicas não pode ser enquadrado como tolerável em um Estado democrático de Direito".
O conteúdo e as circunstâncias da reunião com embaixadores realizada por Bolsonaro no ano passado estão no centro da ação eleitoral que começou a ser julgada pela Justiça Eleitoral. Na ocasião, ele repetiu mentiras sobre as urnas eletrônicas e atacou ministros do STF.
O evento durou cerca de 50 minutos e foi transmitido pela TV Brasil. Na ocasião, a Secretaria de Comunicação do governo barrou a imprensa, permitindo apenas a participação dos veículos que se comprometessem a transmitir o evento ao vivo. A ação contra Bolsonaro no TSE foi apresentada pelo PDT.
Especialistas veem o precedente de Francischini como um dos pilares da ação, cujo voto do corregedor-geral Benedito Gonçalves sobre o caso será dado nesta terça-feira (27).
" o tribunal estava mais atento às formas mais tradicionais de abuso de poder político, de poder econômico, de autoridade e do emprego dos meios de comunicação. Essas formas mais tradicionais estavam mais ligadas à ideia de um desequilíbrio da Justiça da competição eleitoral", diz o doutor em direito público pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e professor de direito constitucional Ademar Borges.
"Mas o caso do Francischini revelou novos desenvolvimentos das formas tradicionais de abuso de poder. Ali, o tribunal já considerou que a prática de desinformação contra as urnas eletrônicas também estava associada a uma forma de vantagem eleitoral, porque o candidato usa dessa estratégia discursiva baseada em informações sabidamente falsa contra o processo eleitoral para engajar seus eleitores."
O doutor em direito e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) Luiz Fernando Pereira afirma que "a partir do caso Francischini, o TSE deixou tudo claro, e Bolsonaro pagou para ver".
Depois da cassação, diz Pereira, o TSE colocou essa hipótese em resolução. "Portanto, quando Bolsonaro fez a reunião com os embaixadores e falou o que falou, já tinha uma matriz de risco estabelecida pelo TSE", afirmou.