Na ocasião, o tribunal cassou o mandato de um dos coordenadores da campanha de Bolsonaro em 2018, o ex-deputado Fernando Francischini, que tinha usado as redes sociais para disseminar informações falsas a respeito das urnas eletrônicas.
A ação contra Francischini é o principal precedente no qual o TSE firma entendimento de que a difusão de desinformação sobre o sistema eleitoral promovida por meios de comunicação pode levar um político à inelegibilidade.
Em 2018, após ser eleito para dois mandatos na Câmara dos Deputados, Francischini decidiu concorrer a deputado estadual pelo PSL do Paraná e foi o mais votado do estado.
Mas, no dia do primeiro turno da eleição, Francischini abriu uma live nas redes sociais na qual disse que tinha identificado urnas "que são fraudadas ou adulteradas". Segundo ele, essas urnas não aceitavam votos para Bolsonaro."Não vamos aceitar que uma empresa da Venezuela, que a tecnologia que a gente não tem acesso, defina a democracia no Brasil", disse, na live, que teve 6 milhões de visualizações em pouco mais de um mês.
"Eu uso aqui a minha imunidade parlamentar, que ainda vai até janeiro, independentemente dessa eleição, pra trazer essa denúncia."
Por causa dessa live, o Ministério Público Eleitoral entrou com uma ação por abuso de poder político e de autoridade e uso indevido dos meios de comunicação social, que levaram o TSE a cassar o seu mandato.
Em seu voto, o então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão, fez uma defesa do sistema de votação eletrônico e disse que "são absolutamente falsas as declarações do recorrido quanto às urnas eletrônicas de seções eleitorais do Paraná, às quais atribuiu a pecha de 'fraudadas', 'adulteradas' e 'apreendidas'".
Argumentou que "a exacerbação do poder político e o uso de redes sociais para promover infundadas agressões contra a democracia e o sistema eletrônico de votação podem configurar abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social".
Rebateu também outras informações falsas divulgadas pelo deputado, como a de que o Brasil não tem acesso à tecnologia das urnas.
"Ora, sendo esta Justiça Especializada a criadora e a desenvolvedora da urna eletrônica, seria no mínimo contraditório –para não dizer fantasioso– dizer que o órgão eleitoral brasileiro não teria acesso à tecnologia de sistemas", afirmou Salomão.
"Ademais, a empresa que produz as urnas não é venezuelana –o que, aliás, por si só, não representaria qualquer problema se fosse verdade."
Francischini foi cassado por 6 votos a 1 no TSE, em julgamento que a corte considerou histórico. O ministro Edson Fachin, que à época estava na corte eleitoral, disse que o que estava em jogo era "mais que o futuro de um mandato, o próprio futuro das eleições e da democracia".
À época, a defesa de Francischini argumentou que ele não se colocou na posição de candidato na live, e por isso não poderia ser punido. Também disse que suas falas não exerceram "a mínima influência no pleito, dado que a expectativa de votos se consolidou percentualmente como se apontava nas pesquisas de opinião pública".
Afirmou ainda que ele apenas informou aos seus eleitores "da obtenção de provas para a consequente perícia" das urnas, e que a liberdade de expressão não podia ser restringida.
Em junho do ano passado, a cassação de Francischini chegou a ser suspensa pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro à corte suprema. Houve, no entanto, uma reação dos demais ministros, e a decisão foi derrubada.
Esse julgamento do Supremo foi citado na manifestação do procurador do Ministério Público Eleitoral, Paulo Gonet, na sessão do TSE da última quinta-feira (22), quando ele se manifestou a favor da inelegibilidade de Bolsonaro.
Ele parafraseou o voto do ministro Gilmar Mendes no caso: "O discurso de ataque sistemático à confiabilidade das urnas eletrônicas não pode ser enquadrado como tolerável em um Estado democrático de Direito".
O conteúdo e as circunstâncias da reunião com embaixadores realizada por Bolsonaro no ano passado estão no centro da ação eleitoral que começou a ser julgada pela Justiça Eleitoral. Na ocasião, ele repetiu mentiras sobre as urnas eletrônicas e atacou ministros do STF.
O evento durou cerca de 50 minutos e foi transmitido pela TV Brasil. Na ocasião, a Secretaria de Comunicação do governo barrou a imprensa, permitindo apenas a participação dos veículos que se comprometessem a transmitir o evento ao vivo. A ação contra Bolsonaro no TSE foi apresentada pelo PDT.
Especialistas veem o precedente de Francischini como um dos pilares da ação, cujo voto do corregedor-geral Benedito Gonçalves sobre o caso será dado nesta terça-feira (27).
"[Antes do caso Francischini] o tribunal estava mais atento às formas mais tradicionais de abuso de poder político, de poder econômico, de autoridade e do emprego dos meios de comunicação. Essas formas mais tradicionais estavam mais ligadas à ideia de um desequilíbrio da Justiça da competição eleitoral", diz o doutor em direito público pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e professor de direito constitucional Ademar Borges.
"Mas o caso do Francischini revelou novos desenvolvimentos das formas tradicionais de abuso de poder. Ali, o tribunal já considerou que a prática de desinformação contra as urnas eletrônicas também estava associada a uma forma de vantagem eleitoral, porque o candidato usa dessa estratégia discursiva baseada em informações sabidamente falsa contra o processo eleitoral para engajar seus eleitores."
O doutor em direito e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) Luiz Fernando Pereira afirma que "a partir do caso Francischini, o TSE deixou tudo claro, e Bolsonaro pagou para ver".
Depois da cassação, diz Pereira, o TSE colocou essa hipótese em resolução. "Portanto, quando Bolsonaro fez a reunião com os embaixadores e falou o que falou, já tinha uma matriz de risco estabelecida pelo TSE", afirmou.