Raul vinha sendo pressionado por Bolsonaro a apresentar um pedido de vista (quando um ministro solicita mais tempo para analisar um caso), o que suspenderia o julgamento. Ele optou, porém, por dar prosseguimento à análise da ação.
Antes de se manifestar sobre a possível inelegibilidade de Bolsonaro, Raul votou para que o TSE não leve em consideração no julgamento a minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
Ele divergiu do relator, ministro Benedito Gonçalves e afirmou que o documento não tem relação com a ação apresentada pelo PDT, que requer a inelegibilidade de Bolsonaro por ter convocado uma reunião com embaixadores para desacreditar, sem provas, o sistema eleitoral.
Raul disse que votou inicialmente a favor da inclusão do documento nos autos para que fosse possível aprofundar a investigação se havia relação entre a minuta e o processo em curso. No entanto, agora, concluiu que "não há nexo" entre os casos.
"Inexiste qualquer elemento informativo capaz de sustentar, para além de ilações, a existência de relação entre a reunião e a minuta de decreto, a qual apócrifa e sem origem e sem data determinadas persiste de autoria desconhecida, a impedir qualquer juízo seguro de vinculação daquele achado com o pleito presidencial de 2022 e com os investigados", disse.
"Sem prejuízo da opinião pessoal de cada indivíduo sobre a quem compete a responsabilidade política dos episódios, sob o viés jurídico não há nexo de casualidade entre os fatos."
O ministro iniciou o voto pregando a diferença entre a função do TSE de "governança" da realização das eleições e a atribuição de ser o juiz das controvérsias eleitorais. Segundo ele, no primeiro caso, a corte acertou ao ser incisiva no combate às fake news relativas às urnas eletrônicas.
Ao julgar o comportamento dos candidatos, porém, ele afirmou que o tribunal deve aplicar a autocontenção e o máximo respeito à soberania popular de escolher o candidato que preferir.
Segundo ele, Bolsonaro fez afirmações inverídicas no evento com embaixadores e teve excessos verbais, mas "nem todo o discurso [de Bolsonaro na ocasião] veicula afirmações inverídicas, estando igualmente presentes naquela manifestação trechos nos quais o investigado apenas expõe sua opinião política sobre temas abertos ao diálogo institucional público".
"Em especial, a discussão sobre o chamado voto impresso, as críticas às instituições e ao então potencial concorrente ao cargo presidencial. Censuráveis, não por seu conteúdo, mas por configurarem propaganda eleitoral antecipada, portanto, irregular", continuou.
O julgamento no TSE teve início no último dia 22 e, após voto do relator, Benedito Gonçalves, na última terça (27), a favor da inelegibilidade do ex-presidente, continua nesta quinta.
Faltam os votos ainda de Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes.
Também integrante do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Raul é conhecido por adotar um viés mais tradicionalista em julgamentos e por sua proximidade com o campo político conservador.
A ação protocolada pelo PDT, partido aliado de Lula, mira Bolsonaro e Walter Braga Netto, ex-ministro que foi candidato a vice na chapa derrotada do PL à Presidência em 2022. Benedito se manifestou, porém, contra a inelegibilidade de Braga Netto.
No processo, Bolsonaro é acusado de ter cometido abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião com embaixadores realizada em julho do ano passado, na qual repetiu mentiras sobre o sistema eleitoral.
Na terça, o relator no TSE afirmou que não é possível fechar os olhos para discursos antidemocráticos com mentiras e discursos violentos, criticou a banalização do golpismo e destacou a epopeia de ataques do ex-presidente com uso da imagem das Forças Armadas.
"A reunião não é uma fotografia na parede, mas um fato inserido em um contexto", disse Benedito.
O relator defendeu que seu voto seja encaminhado ao TCU (Tribunal de Contas da União) e para inquéritos criminais em curso no STF (Supremo Tribunal Federal) para apurar se cabem investigações contra Bolsonaro pelas condutas em debate para além da Justiça Eleitoral.
O cenário é considerado adverso para Bolsonaro, e a tendência é que ele seja declarado inelegível.
O advogado do ex-presidente, Tarcísio Vieira de Carvalho, já admite recorrer ao STF em caso de derrota no na corte eleitoral.
Ao defender a punição para Bolsonaro na primeira sessão reservada ao julgamento, no último dia 22, a representação jurídica do PDT argumentou que houve tentativa de golpe de Estado.
O evento com os embaixadores durou cerca de 50 minutos e foi transmitido pela TV Brasil. Na ocasião, a Secretaria de Comunicação do governo barrou a imprensa, permitindo apenas a participação dos veículos que se comprometessem a transmitir o evento ao vivo.
O vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet Branco, considerou a reunião com embaixadores como algo grave, com o objetivo de criar desconfiança sobre as eleições e deslegitimar um eventual resultado negativo nas urnas para Bolsonaro.
Gonet, porém, não considerou que Braga Netto deve se tornar inelegível e não viu abuso na atuação do ex-ministro em relação ao evento.
A ação contra Bolsonaro é uma Aije (ação de investigação judicial eleitoral), que pode ser apresentada até a data da diplomação do candidato.
Esse instrumento tem como objetivo apurar condutas que possam afetar a igualdade de disputa na eleição, como abuso de poder econômico, de autoridade ou uso indevido dos meios de comunicação social em benefício de um candidato.
Segundo a defesa de Bolsonaro, a ação movida pelo PDT é "impostora e eivada de falsidade ideológica" e não está em julgamento o movimento político representado pelo ex-mandatário.