“A minha mãe, chefe da família, recebeu o Bolsa Família quando viemos ao Cras (Centro de Referência de Assistência Social). A partir daí, começamos a acessar os equipamentos e isso foi abrindo portas, surgiram oportunidades de cursos, oficinas. Foi uma rede de apoio que ligou os pontos e nos deu possibilidades”. A afirmação é de Antônio Viana, auxiliar de educador social no Cras Petrópolis, na Regional Barreiro, em Belo Horizonte. Filho de mãe solteira, com uma irmã mais velha e outra mais nova, o homem de 21 anos é exemplo de uma história que se repete em milhares de outras casas em Minas Gerais e no Brasil: jovens de famílias que receberam o Bolsa Família e conseguiram acessar o mercado formal de trabalho.
Levantamento inédito do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), em parceria com a consultoria Oppen Social e um pesquisador da Escola Brasileira de Economia e Finanças, da Fundação Getúlio Vargas( FGV EPGE), aponta que 54% dos jovens mineiros que receberam o Bolsa-Família em 2005, com idade à época entre 7 e 16 anos, conseguiram ingressar no mercado formal de trabalho de 2015 a 2019.
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Datafolha: 52% acham que Brasil corre risco de virar comunistaBrasileiro que vive nos EUA faz ameaças a Lula, Moraes e DinoBolsonaro poderá disputar as eleições em 2030 por diferença de 4 diasGoverno de Minas sanciona lei de aumento de salário para educadoresBolsonaro deve sofrer derrotas criminais após revés no TSESepúlveda Pertence, ex-ministro do STF, morre aos 85 anosO dado em Minas é ligeiramente mais positivo que o do Brasil, que mostra que 45% dos jovens ex-beneficiários do programa da União conseguiram chegar ao mercado formal de trabalho. O resultado próximo no estado e no âmbito nacional indica, avalia o economista e diretor-presidente do IMDS, Paulo Tafner, que Minas espelha a realidade nacional.
Tafner frisou a importância das condicionalidades do Bolsa Família para o que considerou um resultado de sucesso na mobilidade social. Segundo ele, o estudo é fruto de um esforço de entender o impacto continuado do programa para além de seus objetivos mais básicos como a erradicação da miséria.
O primeiro ponto a ser destacado, diz Tafner, é que o Bolsa Família, tal como foi concebido, não foi desenhado para que as pessoas saíssem da pobreza, mas aliviar a situação dos grupos mais vulneráveis. “As ideias que vieram desde o Bolsa Escola (criado na gestão de Fernando Henrique Cardoso) acabaram se revelando um instrumento poderoso. A condicionalidade de manter as crianças na escola acabou tendo um efeito de longo prazo no programa que não era previsto. O efeito foi aumentar a escolarização da população mais vulnerável. Exatamente por aumentar esse nível, foi possível que vários desses jovens dessem um salto em perspectiva de vida e ingressassem no mercado formal de trabalho. Esse é o ineditismo do estudo, já tínhamos indicativos do sucesso do Bolsa Família no alívio da pobreza e na diminuição de incidência de doenças, por exemplo, mas a surpresa foi que a gente encontrou uma quantidade boa de indivíduos que lá atrás foram beneficiados pelo programa e que conseguiram, em um período de 10 a 15 anos depois, trabalharem no mercado formal”, explicou.
A partir da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Previdência, os pesquisadores cruzaram dados com a lista de beneficiários do Bolsa Família para chegar aos jovens que conseguiram trabalhar com carteira assinada. A escolha do critério de ingresso no mercado formal de trabalho é justificada pelo fato de esse ser um indicador importante para o rompimento de um ciclo de pobreza de muitas famílias que, sem direitos trabalhistas e segurança financeira, perpetuam a vulnerabilidade de geração em geração.
Tafner explica que a segurança de um salário fixo é crucial para se pensar na ideia de mobilidade social. A renda permanente permite planejamentos familiares a médio e longo prazos e a participação no mercado formal torna-se, então, indicador importante para a avaliação de um programa de transferência de renda. O economista cita também um outro dado da pesquisa, que revela o tempo de permanência dos jovens ex-beneficiários do Bolsa Família com carteira assinada.
“O importante na vida é a renda permanente. Por isso o mercado formal é um indicador. Em Minas, dos jovens que conseguiram acessar o mercado de trabalho, a maior parte permaneceu por mais de três anos. É algo que faz com que a gente possa aderir a ideia de que foi produzida mobilidade social: chegar ao mercado formal e ter uma renda permanente e não deixá-lo rapidamente”, avalia.
O dado referido por Tafner é um aprofundamento da pesquisa que revela que, entre os 54% de ex-beneficiários que acessaram o mercado formal em Minas, cerca de 68% permaneceu nesta condição por, ao menos, três anos. Em números concretos, significa dizer que, dos mais de 743 mil jovens que saíram do programa e tiveram a carteira de trabalho assinada, 507 mil assim ficaram durante a maior parte dos cinco anos analisados no estudo.
Distribuição geográfica
Com mais um filtro adicionado à análise do tempo de permanência no mercado formal de trabalho, é possível perceber que Minas Gerais tem uma distribuição geográfica desigual nesse quesito. Quando o critério é ter a carteira de trabalho assinada ao menos uma vez de 2015 a 2019, o índice atinge os 50% na maior parte do estado. Porém, a situação muda bastante quando se analisa a permanência no mercado formal por mais de três anos.
Do Centro ao Norte, passando pela Zona da Mata e as regiões do Vale do Mucuri e Jequitinhonha, o índice de permanência no mercado formal por mais de três anos raramente supera a barreira dos 30%. O diretor-presidente do IMDS afirma que uma análise mais minuciosa desse fenômeno é um dos próximos passos da pesquisa, mas ressalta que já é possível fazer algumas inferências.
Novamente, vale destacar que, neste critério, Minas Gerais também é uma espécie de espelho do cenário nacional. No Brasil, o índice de permanência por mais de três anos no mercado de trabalho para ex-beneficiários do Bolsa Família é maior na região Sudeste, beirando os 50%, regula acima dos 30% no Centro-Oeste e cai para a faixa dos 20% no Nordeste. As fronteiras mineiras com cada uma das regiões dão um indicativo dessa realidade.
Paulo Tafner destaca que o sucesso do Bolsa Família no âmbito da mobilidade social está muito associado a questões municipais ou de pequenas regiões específicas. Em locais onde há uma estrutura de convívio, oportunidades de cursos profissionalizantes e um acesso mais igualitário à saúde e educação, há maior tendência de que jovens ex-beneficiários do programa consigam ingressar e se firmar no mercado de trabalho. O economista ainda pondera sobre o peso da estrutura familiar. “Os melhores resultados são aqueles alcançados por municípios que, além do Bolsa Família, oferecem maior infraestrutura de convívio social . São onde que há melhor infraestrutura de educação, de saúde, onde a desigualdade de renda é menor, a escolaridade média da população como um todo é maior. Independentemente da região, há outro fator importante: os melhores desempenhos também estão associados à estrutura familiar. Naquelas em que só há a presença da mãe, os resultados são piores. Seja porque na estrutura de trabalho brasileira o homem ainda tem um rendimento maior que a mulher, seja porque a mulher sozinha, tendo que trabalhar e cuidar dos filhos, esse acompanhamento da educação fica prejudicado, fica menor do que se ela tivesse alguém ao lado dela para dividir a função”.
Ressalvas em relação à renda
A pesquisa se aprofunda também no acesso a cargos com diferentes níveis de remuneração. O resultado mostra que, em comparação com os que não participaram do programa de transferência de renda, os ex-beneficiários do Bolsa Família estão menos presentes em funções com salários mais altos. Dos que ingressaram no mercado formal de trabalho, 56,6%, ocupam cargos que recebem até um salário mínimo e meio. A partir dessa faixa de renda, os não beneficiários são maioria em todos os recortes. Menos de 5% dos jovens mineiros que receberam o Bolsa Família em 2005 receberam mais de três salários mínimos entre 2015 e 2019.
Para o economista Paulo Tafner, os recortes por faixa de rendimentos permitem uma análise mais criteriosa sobre os impactos do Bolsa Família na mobilidade social. Embora o índice de jovens que conseguem ingressar no mercado formal de trabalho pese em favor do sucesso da política pública nesse sentido, ainda há bastante espaço para progressos quando o assunto é a qualidade dos empregos e das remunerações.
“Um dado relevante é que, apesar de ter esse resultado muito positivo, quando você pega jovens com o mesmo perfil etário que nunca receberam o Bolsa Família, você percebe que estão no mercado de trabalho com a mesma intensidade, porém em postos melhores. O jovem do Bolsa Família está chegando no mercado, mas ainda não é igualmente competitivo. Isso confirma, na teoria, que existem outros elementos associados à não-pobreza que tornam mais distantes os filhos de pobres e não pobres: são vários pontos como o acesso à cultura, conhecimentos gerais, networking, localização geográfica”, analisa.
Nível da remuneração em salário mínimo
Ex-beneficiários dependentes que conseguiram ingressar no mercado de trabalho divididos por faixa salarial:
1,1%.............................................................. até 0,5 salário mínimo
12,6% .....................................................de 0,51 a 1 salário mínimo
56,6% ................................................. de 1,51 a 2 salários mínimos
17,7%.................................................. de 2,01 a 3 salários mínimos
8,9% .................................................. de 2,01 a 3 salários mínimos
1,9%.....................................................de 3,01 a 4 salários mínimos
1,3%...................................................de 4,01 a 10 salários mínimos
0,1% ................................................... mais de 10 salários mínimos
Tipo de empregador
Ex-beneficiários dependentes que conseguiram ingressar no mercado de trabalho divididos por tipo de empregador:
31,3%
Microempresas
25,2%
Pequenas empresas
18,9%
Grandes empresas
11,1%
Médias empresas
8,5%
Agropecuária
5,1%
Administração pública
54%
É o percentual dos jovens de famílias ex-beneficiárias do Bolsa Família em Minas Gerais que conseguiram ingressar no mercado formal de trabalho