O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assume, hoje, em Puerto Iguazú, na Argentina, a presidência rotativa do Mercosul. Ele retorna ao posto depois de 13 anos e tem uma difícil tarefa: dissuadir o Uruguai, um dos países fundadores do bloco, que ameaça deixar o grupo para assinar um acordo de livre comércio diretamente com a China.
O chanceler uruguaio, Francisco Bustillo, disse, ontem, durante o encontro preparatório para a cúpula, que "sem dúvida" seu país terá que considerar que tipo de "pertencimento" o Uruguai terá. "Ou modificamos o tratado fundador ou, eventualmente, cogitamos a possibilidade de sairmos do Mercosul como Estado fundador para tornarmo-nos Estado associado", ameaçou.
Para Bustillo, o bloco sofre com o aquilo que classifica como "imobilismo" do grupo para novos acordos comerciais, com outras regiões. Conforme disse, seria melhor chamar o Mercosul de "Zocosul". "No estado em que está o Mercosul, seria melhor criar uma Zona de Livre Comércio do Sul, uma Zocosul, e não um Mercosul", criticou. Por trás da insatisfação, está o interesse uruguaio em estabelecer uma linha direta com a China, "que está esperando".
O chanceler Mauro Vieira não comentou o ultimato uruguaio, mas endossou a necessidade de ampliação dos acordos comerciais com outros países da região. Citando nominalmente Chile, Colômbia, Peru e Equador - que têm status de associados do Mercosul -, o ministro sinalizou que a presidência rotativa brasileira quer avançar nas discussões com parceiros da América Central e do Caribe.
"Devemos aproveitar a oportunidade para ampliar e aprofundar esse acervo de acordos comerciais com a região, sob pena de ficarmos para trás diante de outras regiões e países extrazona", admitiu Vieira, buscando amenizar a irritação uruguaia.
O ministro não citou a Venezuela, um tema delicado dentro do grupo - o país integrou o Mercosul, mas foi suspenso, em 2017, por descumprir, principalmente, a cláusula democrática do grupo. Mas a diplomacia brasileira trabalha pela reinclusão do país, tanto que a embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores (MRE), afirmou que "gostaríamos de ver a Venezuela reintegrada". "No contexto de retomada de diálogo que estamos promovendo, o assunto deve ser discutido em algum momento", salientou.
Acordo com a UE
O tema mais importante para o Itamaraty no encontro, o acordo Mercosul-União Europeia (UE), tem tudo para continuar apenas no discurso, pois o Brasil não deve apresentar uma contraproposta às cobranças e adaptações feitas pelos europeus. O chanceler argentino, Santiago Cafiero, ressaltou a importância do acordo, mas endossou o pleito brasileiro de revisar o texto de 2019.
"O acordo, como foi fechado, reflete um esforço desigual entre blocos assimétricos e não responde ao cenário internacional", lamentou.
Lula vem sendo a principal voz crítica à proposta europeia, que quer estabelecer sanções comerciais em caso de descumprimento de compromissos ambientais. O presidente, porém, considera a restrição uma estratégia disfarçada do protecionismo agrário europeu.
Sem a contraproposta brasileira - que seria o principal tema da cúpula - para análise do colegiado, o encontro corre o risco de esvaziar. Pior: faltaria um argumento forte para dissuadir as pretensões de autonomia do Uruguai.
A presidência rotativa brasileira terá de correr para fechar o acordo com a UE e indicar novas parcerias com outros blocos. De acordo com observadores diplomáticos, somente respostas concretas para essas duas questões serão capazes de evitar que o Mercosul se enfraqueça após 30 anos de criação.