Com o predileto Jair Bolsonaro (PL) julgado inelegível até 2030 pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), aliados evangélicos começam a esboçar alternativas para a próxima eleição presidencial.
Sem mover grandes esforços para defender Bolsonaro às vésperas do julgamento, a maioria vota por manter relações amistosas com o presidente Lula (PT), possível candidato à reeleição. Mas, na "hora do vamos ver", dizem, não vai rolar repetir a parceria vista entre várias igrejas e os primeiros governos do PT.
Uma dobradinha citada por muitos inclui o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) na cabeça de chapa e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, hoje presidente do PL Mulher, como sua vice. Mas outros arranjos não são descartados.
Os dois últimos pleitos, de apoio maciço a Bolsonaro, dificultaram a marcha à ré eleitoral vista no passado, segundo cinco líderes evangélicos com quem a reportagem conversou, todos de expressão nacional.
Se antes pastores mostravam maior desembaraço fisiológico para aderir ao governante da vez, estivesse ele à direita (melhor ainda) ou à esquerda (dá para superar), é mais complicado agora justificar um endosso a nomes progressistas.
Redes sociais aumentaram a cobrança por coerência ideológica —não dá mais para passar uma campanha repetindo que tal adversário é inimigo da fé evangélica e achar que seus seguidores não vão lembrar se você aparecer abraçado com ele na eleição seguinte. E, se tem uma coisa que a internet sabe, é fazer barulho.
Há bônus e ônus, na ótica dessa cúpula cristã que respaldou o bolsonarismo, em ter o ex-presidente fora do páreo. Por um lado, Bolsonaro tem altos índices de rejeição, e tudo pode piorar se ele for preso por conta de uma das inúmeras ações que ele enfrenta na Justiça.
Oficialmente, eles adotam o discurso do mártir —a ideia de que a inelegibilidade e uma eventual prisão o tornariam um injustiçado aos olhos do eleitorado, sentimento dominante entre entusiastas do PT após Lula ser encarcerado.
Nos bastidores, contudo, gostam do quadro sem o ex-presidente na linha de frente, ativo apenas como um poderoso cabo eleitoral.
Mas os mesmos líderes apontam, com certo saudosismo, que Bolsonaro foi o primeiro a realmente lhes abrir a porta do Palácio do Planalto. Outros presidentes até fizeram alguns acenos ao segmento, os petistas Lula e Dilma Rousseff inclusos, mas nada comparável ao político do PL.
Ele é o que o sociólogo da religião Paul Freston definiu como "um candidato híbrido ideal, talvez o primeiro presidente pancristão, reunindo as vantagens eleitorais da identidade evangélica, mas evitando as desvantagens".
Um autodeclarado católico, que se casou com a fiel Michelle sob a bênção do pastor Silas Malafaia, topou ser batizado em 2016 no simbólico rio Jordão e se aproximou de quase todos os pastores de quilate no meio.
Trata-se de uma trupe no controle de igrejas que somam alguns milhões de fiéis. Embora não representem o grosso dos evangélicos brasileiros, espalhado por uma rede pulverizada de pequenos templos, servem de bússola para líderes menores. Foi assim que o bolsonarismo se alastrou pelas igrejas.
Bolsonaro pode não ser evangélico, mas incorporou como ninguém os anseios dessas lideranças religiosas.
"Sua capacidade de mobilização ainda não sofreu nenhum baque", aposta o apóstolo César Augusto, à frente da Igreja Fonte da Vida e frequentador de comitivas pastorais no Planalto bolsonarista. "Ele vai ser o grande divisor de águas. Quem ele apoiar, boa parcela do povo evangélico vai seguir."
Michelle, "por ser evangélica e se posicionar", tem simpatia no segmento, "e isso é incontestável", diz. Até dá para ladear com alguém de fora dessa fé, como o católico Tarcísio. Mas Augusto admite não saber se o governador "vai ter disposição de abraçar os princípios evangélicos como Bolsonaro fez".
Mas a esposa de Jair, uma neófita em eleições, não teria estofo político para almejar o maior cargo majoritário do país já de primeira, afirmam outros pastores. Daí a opção de colocá-la na vice.
Outra hipótese é Michelle concorrer ao Senado, e o posto de número dois ir para outra mulher, a ex-ministra e hoje senadora Tereza Cristina (PP-MS).
De quebra, seria uma forma de garantir o tempo de TV do PP na propaganda eleitoral, diz o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), ex-presidente da bancada evangélica.
"E talvez seja interessante incentivar no primeiro turno a candidatura do [governador mineiro Romeu] Zema, Ronaldo Caiado [governador de Goiás] e mais alguém do MDB."
A estratégia por trás de múltiplas candidaturas à direita: unir forças para bater em Lula e aumentar sua rejeição, em especial no Nordeste. O entrave para Tarcísio, segundo Sóstenes, seria se ele decidir não trocar o Republicanos pelo PL. "Ele terá que ser [o número de chapa] 22."
O bispo Robson Rodovalho, da igreja Sara Nossa Terra, concorda que Tarcísio "tem sintonia conosco". O pastor Silas Malafaia também cita o governador que serviu na Esplanada bolsonarista, assim como Michelle. "Claro que pode ser, por que não ela?"
A unção do ex-presidente, que em entrevista à Folha de S.Paulo disse ter uma "bala de prata" para 2026, será determinante, na opinião desses pastores. De resto, sobra alguma resignação de que o próximo presidenciável defendido por eles nas igrejas não empolgará tanto quanto o "mito" Bolsonaro. Só Michelle seria capaz dessa façanha, mas sua viabilidade eleitoral para o posto máximo da República é desacreditada.
Nas palavras de um pastor, que prefere manter esta fala anônima: vai ser como nos tempos tucanos de Geraldo Alckmin, atual vice de Lula, mas com histórico de rusgas com o PT. Evangélicos até simpatizavam sua fervorosa catolicidade. Mas ele era no máximo aliado, não um amigo que os colocava em primeiro plano. A vida vai seguir, mas Bolsonaro vai deixar saudades.